Dez dicas para escrever seu Manual

Ano passado tivemos uma série de postagens sobre como escrever um manual. Foram oito partes (visite rapidamente aqui #1, #2, #3, #4, #5, #6, #7, #8) falando do começo ao final do manual. Entretanto, eu nunca fiz isso profissionalmente. Então, pensei comigo mesmo: talvez meus leitores se beneficiem de uma profissional sobre o assunto. Pois bem, trago hoje a primeira convidada do PinheiroBG: Bianca Melyna. Bianca é redatora/revisora/tradutora de manuais, já tendo participado de mais de 10 projetos de jogos nacionais. Claro que não para por aí, ela também é Game Designer do Grasse e do Overdrive! Sem mais delongas, deixo vocês com essa ilustre convidada. Aproveitem.

Muito bem: tive uma ideia, fiz um protótipo, testei com alguns amigos, testei em alguns eventos, o jogo funciona bem, e agora chegou a hora de enviar protótipos para alguns geradores de conteúdo. É hora de sentar e escrever o manual, certo? Mas por onde eu começo?

Aí vão 10 dicas para te ajudar a escrever seu manual da forma mais natural e fluida possível.


1. Esta primeira dica precede um pouco o momento descrito acima. Na verdade, quando você tiver testado seu jogo as primeiras vezes e já tiver certeza de que as mecânicas básicas funcionam entre si, comece a rabiscar em forma de tópicos, por exemplo:

Rodada:

Aloca o meeple;

Faz a ação;

Recebe os pontos;

Passa para o próximo jogador.

Nesse momento, você não precisa se preocupar com um hipotético leitor, você deve escrever sucintamente de forma que você compreenda mais tarde. Isso vai facilitar muito a sua vida na hora de dar corpo ao texto e você vai agradecer a si mesmo por tê-lo feito.


2. Uma estrutura que eu tenho o costume de adotar nos manuais que escrevo compreende as seguintes partes:

CAPA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO (um parágrafo que resumo o seu jogo)

COMPONENTES (incluindo o manual de regras :P)

OBJETIVO DO JOGO (o que o jogador tem que fazer para ganhar)

PREPARAÇÃO DO JOGO (o famoso “setup”)

FUNCIONAMENTO DO TURNO DE UM JOGADOR (do início ao fim, tudo o que ele faz na vez dele)

FUNCIONAMENTO DE UMA RODADA (ou seja, o conjunto de turnos de todos os jogadores, se houver)

CONCEITOS DO JOGO (exemplo: o que significam tiles, tabuleiros, cartas, fichas, etc, com descrição de efeitos, mesmo que estes já sejam descritos no próprio componente gráfico).

PONTUAÇÃO

FIM DE JOGO (como acaba)

VARIANTE (se tiver)

Você percebe que os elementos que mostrei acima compõe o sumário do seu manual? Pois bem, essa é a primeira coisa que eu costumo escrever e recomendo fortemente que você comece por ele também. Isso o ajudará a organizar suas ideias e a mensurar o que é mais importante ser apresentado primeiro.

Perceba que dividir o texto em partes facilita tanto para quem está escrevendo quanto para quem lerá o manual, ajuda a delimitar cada coisa, organizar as informações e criar uma hierarquia cognitiva, porque você quer que o seu leitor aprenda o jogo aos poucos e tenha tempo para digerir cada aspecto antes de avançar para um mais complexo, correto?

Essa divisão que mostrei acima é apenas uma sugestão, você pode adotar uma que faça sentido para o seu leitor e para o contexto do seu jogo. Eu mesma, no manual do Grasse, jogo de minha autoria juntamente com o Moisés Pacheco e cujo manual utilizarei como exemplo neste texto, não segui à risca a estrutura apresentada acima. 😊


3. Desenvolva cada tópico com calma. Use a ferramenta de revisão do seu editor de texto para inserir comentários em relação a coisas que você precisa lembrar mais tarde (por exemplo, imagens ilustrativas que precisará produzir) ou que ainda precisa definir em termos de regras. Não conte com a sua memória.

Orientações para o designer gráfico.

4. Conforme for escrevendo cada tópico, lembre-se de abordar, por meio de exemplos, aspectos que costumam ser mais opacos em seu jogo, coisas que a regra geral não dá conta de explicar, enfim, aquelas perguntas recorrentes que você identificou em seus playtests. Aí entram exceções, situações inusitadas, regras que mudam conforme o número de jogadores, etc.  Eu costumo deixar esses exemplos destacados do texto, utilizo caixas de textos, ilustrações ou uma indicação para que o diagramador coloque aquela informação na margem da página – há diversos manuais nos quais esse recurso é utilizado e me parece que funciona muito bem, pois sintetiza o que o parágrafo está dizendo.

Utilização de caixa de destaque para enfatizar uma informação importante que poderia ficar soterrada no meio de um bloco de texto.

5. Pense na densidade do seu texto, ou, mais precisamente, dos parágrafos. Evite grandes blocos de texto, principalmente se eles contiverem informações numéricas sobre determinado aspecto (por exemplo, número inicial de moedas de cada jogador, pontuação referente à ação X ou Y, etc.). Utilize caixas de destaque, bullet points (se estiver falando de tópicos), listas numeradas (se estiver abordando algum processo ou passo a passo), esquemas (quando envolver movimento), entre outras estratégias. Lembre-se de que essas informações devem estar bem visíveis para o leitor e devem ser de fácil localização.

Utilização de bullet points para destacar informações que poderiam ficar confusas ou pouco visíveis em um bloco de texto.

No Grasse, optei por mostrar esses conceitos quando apresentei os componentes.

6. Geralmente, os jogos querem contar uma história, e por isso é normal que cada jogo tenha sua terminologia própria. Por exemplo, há milhares de jogos nos quais utilizamos meeples, mas a forma como chamaremos esses componentes pode variar enormemente conforme o contexto, a temática, a função deles no jogo, etc. A mesma coisa vale para os pontos de vitória e uma centena de outros conceitos e/ou componentes.

E é exatamente isso que você deve considerar na seção “CONCEITOS DO JOGO” – que é a alma do seu jogo e, portanto, do seu manual –, ou seja, você deve deixar claro para o seu leitor como você chama cada coisa, o que nos leva à próxima dica.


7. Depois de terminada a primeira versão do seu manual, pense em consolidar a terminologia do seu jogo. Se o seu jogo é sobre anões e você denominou os meeples de anões em “CONCEITOS DO JOGO”, verifique se em todas as ocorrências você se referiu a eles dessa forma. Cuidado para não os chamar de anões aqui, de meeples lá e de heróis acolá. Isso é comum quando queremos evitar repetição de palavras, mas pode gerar uma enorme confusão no seu leitor. Para garantir que nada fique para trás, faça uma lista de termos “delicados” à parte, elencando todos os possíveis nomes pelos quais você corre o risco de ter chamado determinado conceito ou componente, e depois faça uma busca de cada um deles no documento, padronizando-os. Essa dica vale, inclusive, para a história do seu jogo, se se tratar de um jogo temático.

Optei por chamar os meeples dos jogadores de “trabalhadores”, então realizei uma busca por esses dois termos para garantir que apenas o segundo fosse empregado em todo o manual nesse sentido.

8. Faça um check-list de coisas que você precisa conferir ao final. Deixo algumas sugestões:

O sumário está batendo com os tópicos do corpo do manual?

As seções referenciadas ao longo do texto (exemplo: “veja mais detalhes sobre o tabuleiro do jogador na seção “X”) estão batendo com seus respectivos títulos?

Se eu disse ao leitor que “a regra X será explicada mais adiante”, eu realmente a expliquei?

Aqui eu prometi que daria mais detalhes sobre o assunto em “Trilha de Recursos”.
E voilà, aqui eu cumpri o prometido.

9. Peça para que alguém que já jogou o jogo leia o seu manual. Principalmente quando você é o autor do jogo, é comum achar que determinadas regras são extremamente óbvias, e essa leitura pode ajudá-lo a identificar essas situações.


10. Afaste-se do texto. Depois de fazer os ajustes apontados por um outro leitor, fique alguns dias ou semanas sem ler o seu manual e sem jogar o jogo. Depois, volte a eles. Você vai ver como algumas regras irão te causar estranheza ou vão te parecer vagas, podendo ser melhor explicadas.


Talvez você esteja se perguntando por que eu não sugeri escrever um resumo do jogo na última página do manual. Simples: porque às vezes isso pode atrapalhar mais do que ajudar. Aquele jogador mais preguiçoso pode perder detalhes importantíssimos recorrendo a isso, e uma boa maneira de obrigá-lo a ler o manual completo é não disponibilizando um resumo. 😛 E se você escrever seu manual de forma organizada, acredite, em muitos casos esse resumo será realmente dispensável. Pense em escrevê-lo apenas se o jogo tiver muitas fases e ações a serem lembradas, mas tenha claro que é apenas um resumo e que ele não dará conta de todas as regras!

Espero que essas dicas o ajudem nessa tarefa árdua que é transferir de forma clara o que está dentro de sua mente para o papel, mas se ainda assim você não quiser ou tiver dificuldades para encarar essa empreitada, contrate a Moby Studios 😊 um profissional que escreva e/ou revise seu texto com todo o esmero que você, o seu jogo e os jogadores merecem!

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