Lição #17: Tema ou mecânica?

Uma pergunta bastante comum de game designers iniciantes é sobre o processo criativo de outros game designers. Normalmente, isso é feito com a pergunta: “você começa seus jogos pelo tema ou mecânica?”. E já vi muitos game designers falando que depende do jogo, às vezes a inspiração vem com o tema e depois ganha forma ou começa com uma mecânica e só depois pensa em um tema que funcione bem. Mas eu iria além e vamos começar hoje com o pé na porta: não importa, simplesmente comece.

Até o momento eu já tive 7 jogos com protótipo jogável e vou responder a infame pergunta para cada um deles, pois vai exibir uma certa tendência.

  • Rogue’s Quest: comecei pelo tema, eu queria um jogo de ladino. O resultado não foi bom, mas não posso culpar a abordagem. Foi meu primeiro jogo, errei em muitas escolhas (Lições #1 à #4) e terminou que ficou engavetado;
  • C3X: comecei pela mecânica e tema tudo junto, pois eu queria fazer RoboRally modernizado. De começo era temática de robô e mecânica de programação de ações. Sendo que outras mecânicas surgiram depois, de deck-building à rolagem de dados. Também não deu certo, ainda era inexperiente, fiz muita besteira (Lições #6 à #12) e me faltou foco;
  • Mataru Okara: comecei pela mecânica e tema quase simultaneamente, pois queria um jogo de destreza simples e a ideia de lançar cartas logo me remeteu ao tema. Tive muitos perrengues, as lições ainda estão sendo escritas;
  • Nossa Tribo, Ciberguerrilha, Distrito 6 e Teotihuacã: ainda não comecei a falar de nenhum deles, mas definitivamente todos começaram pela mecânica. Os percalços foram menores, mas ainda existiam e muitas lições foram aprendidas e serão compartilhadas aqui.

Então, começar pelo tema ou mecânica não é fórmula, é estilo. É algo completamente pessoal. Eu tenho dificuldade em começar pelo tema, pois eu sou Eurogamer e sempre preferi mecânica à tema. Talvez você seja o contrário, prefira jogos mais temáticos e a mecânica servindo de suporte para fazer o tema funcionar. Como eu começo pelas mecânicas, focarei nesse aspecto por um momento.

Uma coisa que aprendi com toda certeza é: se for começar pela mecânica, encontre o mais rápido possível um tema para lhe guiar. O tema vai lhe proporcionar restrições no seu universo de mecânicas. Sem essas restrições fica difícil fechar o escopo e caminhar com o projeto. Com o tema e mecânica em mãos, você precisa trabalhar os dois. Como deixar essa mecânica o mais próximo do tema sem que ela vire uma simulação burocrática? Até que ponto eu posso abstrair o tema com uma mecânica sem que o jogo perca o sentido e fique sem vida? Tirando os jogos totalmente abstratos, a dicotomia de tema e mecânica é falsa. Sempre deve existir um balanço, e o balanço entre tema e mecânica é a experiência proporcionada. Vamos voltar para Mataru Okara, assim tento exemplificar esse processo.

Versão nova da “Carta” de Arremesso (esquerda) e versão antiga (direita). Tentativa de melhorar a experiência.

Desde o começo, Mataru Okara foi pensado em ser um jogo com elementos de destreza que fosse mais leve e descompromissado. A dinâmica de lançamento de cartas é uma analogia direta com o lançamento de Shuriken. O detalhe é que o Shuriken não é a única arma do jogo, existe dardo, bomba de fumaça e outras mais. Uma das sugestões que recebi, é que os jogadores gostariam de realizar outros tipos de lançamentos para simular o uso das outras armas. Entretanto, tendo em vista que o jogo tem elementos de blefe e a arma usada é parte desse blefe, não é possível eu colocar diferentes tipos de ataque pela arma sem perder parte da mecânica do jogo. Então, ficou a parte de blefe (que representa tematicamente a furtividade do ninja) e ficou o lançamento sempre como se fosse uma Shuriken (que representa tematicamente a habilidade do ninja). A união dos dois, transmite a experiência do jogador ser um ninja, apesar de não simular o jogador ser um ninja. Afinal, eu acredito que simular é ruim.

Mataru Okara pode não ser uma aliança perfeita entre tema e mecânica, mas acho que o tema respeita a barreira da mecânica, a mecânica respeita a barreira do tema, e a experiência é transmitida pelos dois. Bom, pode não ser, mas eu mirei para atingir esse ponto de equilíbrio.

Para concluir, se você não sabe por onde começar (tema ou mecânica) comece por qualquer um. O importante é começar, para que você possa descobrir seu método, pois no final das contas não importa se começou pelo tema ou pela mecânica, o que importa é a experiência proporcionada pelo jogo.

3 Comments

  1. Darison
    27 de novembro de 2017

    Em mim varia. A mecânicas que quero arranjar um tema pra colocar, por exemplo estou com uma mecânica de sobrevivência mas não sei se faço com mutantes, zumbis ou aliens.

    Já há temas que me excitam como rpg, moba medieval… e esses temas me fazem matutar por uma ideia.

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  2. Hughs
    18 de março de 2018

    Tema difícil, e sem reposta.
    Acho que varia pelo o tipo de projeto que você quer apresentar. Se for um euro, terá coleta e administração de recursos, o que leva o tema a ser uma obrigação secundaria, uma vez que dá para aplicar quase qualquer tema em eurogames.
    Mas se tratando de um partygame ou jogos de campanhas o tema deve ser levado muito em consideração para não haver uma quebra do objetivo do jogo. Afinal um tiro de rifle não tem o mesmo ângulo de um disparo de arco e flecha.

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  3. Daniel A. Freire
    10 de setembro de 2020

    Em minhas tentativas a iniciação da criação do jogo pela mecânica deu mais certo resultando no meu primeiro protótipo, no entando, quero usar o tema para fundamentar a adoção de certas mecânicas do jogo.

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