Blind Playtest

Estou apresentando todo o processo de Playtest como uma série de estágios. Primeiro você começa em um ambiente controlado, apenas você jogando seu jogo. Depois, você chega em um ambiente ligeiramente mais complexo, seus amigos testando. Finalmente, você vai para a selva e mostra seu jogo para desconhecidos. Então, talvez você se pergunte… Falta mais algo? Falta sim. Até agora seu filho estava acompanhado do pai. Chegou o momento de ver se seu jogo sobrevive sem você. Sozinho.

O Blind Playtest é a etapa final dos Playtests. O estágio mais avançado do desenvolvimento. Isso não significa que você não pode voltar para os outros estágios, claro que pode e, se for necessário, deve. Eu recomendo fortemente que seu jogo tenha passado por todas as etapas, esteja completamente jogável, tenha feedbacks positivos e, de preferência, seja divertido. Outro fator extremamente importante é: você precisa ter as regras do jogo feitas. Então, se ainda não fez, escreva agora (ou espere algumas semanas, que eventualmente teremos uma Lição sobre o assunto).

Blind Playtest de Mataru Okara com pessoal de Brasília

As regras do jogo devem estar escritas, pois no Blind Playtest o game designer não está presente. Ou se está presente, estará apenas observando e fazendo anotações. Para que serve o Blind Playtest? Para detectar se uma pessoa consegue pegar seu jogo e jogá-lo sem nenhum suporte. Nesse contexto, você poderá verificar uma série de fatores importantes:

  • Manual: é provavelmente o elemento que mais vai levar pancada no Blind Playtest. Não é fácil escrever um bom manual de regras e da bastante trabalho. Então, se os jogadores errarem algo durante a partida, a culpa é provavelmente do manual. A informação pode estar faltando ou pode estar escondida demais.
  • Iconografia: é bastante comum o tabuleiro ter gráficos em vez de palavras. Tanto pelo aspecto visual como pela quantidade de espaço disponível. Então, é crucial que sua iconografia faça sentido. Ou pior ainda, você não ter iconografia para facilitar o andamento da partida. Imagine um worker placement que apenas a arte do tabuleiro “indica” qual é a ação do local, mas não tem nenhum lembrete da ação do tabuleiro? Jogadores que não estejam familiarizados com o jogo vão perguntar toda rodada o que cada espaço faz. Para cartas eu recomendo utilizar texto mesmo, evita confusões desnecessárias nos estágios iniciais do desenvolvimento do jogo. Talvez usar iconografia como complementar, mas não deixe de usar texto nas cartas.
  • Mecânicas: às vezes a mecânica é tão diferente do usual que é complicado explicá-la. Mesmo que seu manual tenha exemplos e desenhos para ilustrar alguma situação da partida, a complexidade pode dificultar muito a compreensão do jogo. O Blind Playtest é uma boa oportunidade para simplificar seu jogo ou buscar alternativas que facilitem o funcionamento de algo desnecessariamente complexo.
  • Componentes: apesar dos componentes atuais serem protótipos, eles fazem parte da experiência do jogo. Mesmo que você não altere os componentes durante o restante do desenvolvimento, é algo que deve ser visto para não ser errado na produção final. Em Distrito 6, um dos meus jogos, os dados são empilhados durante a partida. Sendo que os dados usados no protótipo são de má qualidade e não são completamente retos, podendo causar algum acidente de percurso e parte da informação sobre o estado do jogo ser difícil de reorganizar. Como soube disso? Feedback de grupos distintos sobre o mesmo problema.

Certo. Parece que o Blind Playtest pode ser extremamente útil, especialmente para finalizar um projeto. Entretanto, chegamos na parte mais complicada: como coletar essas informações? Se você está presente, é ótimo. Basta observar os questionamentos dos jogadores durante a explicação de regras e durante a partida. Ver quantas vezes o manual é consultado durante a partida e o quanto demoram para encontrar a resposta, isso se encontrarem. Ver se estão jogando alguma regra incorreta. E ao final da partida realizar perguntas focadas nos diversos aspectos de interesse: “Se você fosse produzir o jogo, como seriam os componentes?”, “Qual foi a parte mais complexa de entender?”, “Você teria alguma sugestão para iconografia X, que o pessoal ficou com dúvida?”. Entretanto, se você não está presente, o processo é extremamente mais complicado.

Até o momento eu realizei Blind Playtest com dois jogos meus. Mataru Okara, em estágios prematuros, e Distrito 6, em fase de ajustes. Com Mataru Okara, eu ainda estava iniciando e pedi apenas um formulário de feedback. Devo dizer que aproveitei mal a oportunidade devido a inexperiência, mas foi útil pelas correções que pude fazer no manual e ver que estava no caminho certo em alguns aspectos. Entretanto, em um segundo momento, eu consegui que um amigo de outro estado testasse. Gostei bastante, pois ele (que também está criando jogos) serviu como se eu tivesse lá e me deu um retorno de vários pontos interessantes e que pude estudar com calma. O jogo evoluiu bastante, graças a esse Blind Playtest.

Blind Playtest de Distrito 6 na Loja D6 em Alagoas

Com Distrito 6 foi bem recentemente (mês passado) e me organizei de um jeito diferente para evitar os erros do anterior. Vou contar que fiz. Eu preparei dois formulários de feedback. Um para avaliar o manual e o outro para avaliar o jogo. A avaliação do manual ficava por conta de um único jogador, o responsável em aprender as regras. A avaliação do jogo, claramente ficava por conta de todas as pessoas que jogassem o jogo. Até aqui, nada muito diferente do teste anterior. Entretanto, eu tentei ir além: solicitei que gravassem em áudio ou em vídeo a partida. Infelizmente, gravar uma partida não é fácil como eu imaginei. Primeiro que requer o equipamento, segundo que requer um ambiente propício, terceiro que requer muita vontade do Playtester para gravar e quarta que é uma situação que pode ser esquisita para os participantes. Eu consegui gravar alguns Playtests com Amigos, mas eu tenho o equipamento (dispositivo com bateria longa), ambiente (sala de jogos com bom ângulo para filmar de cima), vontade (eu sou o criador do jogo) e situação não era esquisita (acho, perguntei e ninguém teve objeções). Até solicitei que se não fosse possível, seria interessante uma gravação em áudio, mas também não obtive, talvez seja igualmente complicado ou acharam que não seria muito útil para mim (sinceramente não sei se seria útil, iria descobrir se recebesse). Em todo caso, tive várias ideias para meus próximos Blind Playtests, e vou divulgar aqui para que vocês também possam usar:

  1. Solicitar fotos. Como não consegui vídeos nem áudios, acho que uma alternativa é conseguir fotos. Fotos entre rodadas e fotos do final da partida. Isso é bacana tanto para registrar como para perceber se a partida fluiu corretamente. Essa ideia veio de uma foto tirada por um dos Blind Playtesters de Distrito 6, que eu pude ver que erraram uma regra. Com base nisso, pude ajeitar o manual para deixar mais claro.
  2. Reformular formulários. Isso vem desde as outras etapas do Playtest (falei um pouco sobre isso aqui). É complicado extrair informação útil de um formulário “padrão” de Feedback. Eu preciso fazer um com perguntas focadas com base no que desejo testar. Quero saber se as construções estão equilibradas? Pergunto quais construções os jogadores fizeram e quantos pontos os jogadores fizeram, assim posso ter uma ideia se alguma construção está forte demais. Ou, se todos os jogadores fizeram o mesmo tipo de construção, dá para perceber que ela está muito atrativa e talvez precise de ajustes.
  3. Fazer vários protótipos. Eu só tenho um protótipo de cada jogo meu. Isso me traz dois problemas: eu não posso fazer Playtest, pois a cópia não está comigo; eu só posso fazer um Blind Playtest por vez. O que foi que isso acarretou? Em um mês, eu só tive 3 partidas registradas. Se eu tivesse duas cópias, talvez eu tivesse 6 partidas registradas ou até mais.
  4. Expandir convocação. Eu tenho convocado, em geral, pessoas de Recife. Assim, posso deixar e pegar o protótipo em mãos. Talvez seja interessante expandir a convocação, o único problema está no custo para enviar o protótipo. Com o amigo de Brasília eu tive sorte, pois ele preparou o jogo com os arquivos que enviei, mas nem todo mundo tem essa disposição.
  5. Usar Feedback online. Talvez um formulário preenchido após a partida não seja a melhor alternativa, pois a pessoa pode ficar envergonhada ou não conseguir refletir direito em suas respostas. Muitas vezes o pessoal tem uma ideia para sugerir no dia seguinte, mas já passou o teste e esquece. Então, deixarei um disponível online disponível.

Bom a postagem de hoje ficou um pouco longa, espero que tenham tido paciência de ler até o final. Nesse final de semana irei para o Spa dos Jogos e farei Blind Playtest de um dos jogos, com o diferencial de que estarei presente. Dependendo da experiência, talvez eu faça uma postagem. De modo geral o ciclo de Playtest se fechou. Então, provavelmente as próximas postagens serão com relação aos formulários de Feedback. Sugestões nos comentários são sempre apreciadas.

6 Comments

  1. Cássio
    17 de maio de 2017

    Muito bom Pinheiro!

    Imagino que você deve ter sentido cala frios ao levar os jogos pro Blind Playtest haha

    Agora, parece que essa fase é fundamental para que o manual/regras estejam bem escritos. Sinto que muitos jogos não passam por essa etapa, entregando manuais pouco exatos, com regras abertas e deixando muitas dúvidas no ar.

    Responder
    1. Roberto
      17 de maio de 2017

      Opa Cássio,

      Eu fico bem ansioso para receber o feedback dos Blindplaytests, pois é uma ótima oportunidade de melhorar o jogo e o manual. Como sou acadêmico estou bastante acostumado com esse “vai e vem” de revisões. Eu acho que vai dar um nervoso participar de um Blindplaytest comigo presente, já que preciso ficar quieto… hehehe =)

      Infelizmente existem designers lançam jogos desconhecendo/ignorando essa etapa de playtest. E muitos jogos lançados por aqui o sentimento que passa é que realmente não foi realizado nada do tipo. Muitas vezes o manual (a parte mais importante do jogo, pois sem ele o jogo não é jogável) é tratado como “adicional”.

      Responder
  2. Cássio
    17 de maio de 2017

    Pinheiro, outra coisa, quase offtopic que queria lhe falar. O jogo Distrito 6, tive o prazer de ter acesso ao manual dele e tals. Já fiquei na ansiedade de poder jogar, mostrei pra um amigo engenheiro e ele mesmo ficou com vontade de pegar os componentes na mão haha
    Só ia comentar o seguinte: quando li Distrito 6 já imaginei que era algum jogo sci-fi com tema do filme Distrito 9 e pra minha surpresa nada tinha a ver.
    Não sei se sou o primeiro a te falar isso (acho que sou geek demais), mas fica esse ponto de atenção caso mais pessoas tenham achado isso.

    Responder
    1. Roberto
      17 de maio de 2017

      Legal que gostou do jogo Cássio, estou aguardando ansioso pelo resultado do concurso da Papaya. =)

      O negócio é que eu sou péssimo com nomes… Eu concordo contigo e outras pessoas fizeram a mesma conexão. Vê a listagem de nomes que tive para o Distrito 6:
      – New New York
      – New Coast City
      – Instant City
      – Dice to City
      – Dice in the City
      – Cidade Planejada
      – Noronha 2090
      – Cidade de Atalaia (Atalaia City)
      – Dicity
      – Dadópolis

      O nome no comecinho iria ser Dice City, mas já existe um jogo com esse nome… Aí tentei variações e não achei nenhuma legal. O que mais gostei foi o Dadópolis, mas existem muitos jogos com “polis” no final que são de construção de cidade (Quadropolis e até um nacional Gnomopolis). E muitas pessoas me falaram que ficou bem tosco. Eu fui até além chegando no péssimo CiDado… hehehehe

      Daí terminou que ficou Distrito 6, pois a sigla é D6 (temos 40 deles no jogo) e porque eu acho que a palavra “Distrito” se adéqua bem a realidade do jogo, pois é apenas um “pedaço” de uma cidade sendo construída. Concordo que pode remeter outra ideia, mas foi o melhor nome que cheguei até o momento…

      Responder
      1. Cássio
        17 de maio de 2017

        Entendi… que bom que CiDado ficou pra trás hahaha

        Responder
  3. José Noce
    29 de setembro de 2017

    Interessante essa questão do blind playtest. Eu msm não conhecia essa prática, apesar de já ter mandado protótipos pra algumas pessoas testarem. Realmente uma mão na roda para fazer os ajustes finos do jogo e principalmente do manual de regras, numa fase mais avançada do projeto.

    Responder

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