Playtest Solo

Aqui está a primeira postagem da coluna Testando Jogando. Chegamos ao primeiro estágio de Playtest. Você já passou por algumas etapas para chegar aqui. Você já teve sua ideia de jogo, você já elaborou as mecânicas de jogo, você já até preparou o protótipo do seu jogo. Agora chegou a hora da verdade: botar seu jogo na mesa. Mas não se preocupe tanto, nesse estágio você não vai passar vergonha, ao menos não na frente de ninguém.

Antes de avançar no assunto, gostaria de esclarecer o termo Playtest Solo. É quando você, game designer do jogo, senta-se sozinho para jogar o seu jogo simulando diversos jogadores. Isto é, você controla todos os jogadores e todas as suas ações.

Eu acho extremamente importante o game designer testar sua ideia. A maneira mais segura de fazê-lo é testar sozinho primeiro, por mais difícil que seja testar sozinho. Talvez você se pergunte o propósito disso tudo. Qual o motivo de eu não levar direto meu protótipos para outras pessoas? Existem dois motivos, um egoísta e um altruísta, escolha qual preferir:

  • Egoísta: se seu jogo nunca foi testado antes, a chance de dar tudo errado é grande. Isso vai lhe queimar naquele grupo de pessoas e dificilmente você vai conseguir testar com aquele mesmo pessoal.
  • Altruísta: se seu jogo nunca foi testado antes, não é legal você expor outras pessoas a uma experiência que pode ser problemática. É melhor que você apresente um jogo divertido ou, no mínimo, funcional para esse pessoal.

É feito você preparar uma comida que nunca preparou antes, e pedir para alguém provar, sem que você tenha provado antes. Pode estar ruim, mas tão ruim que não vale a pena que outra pessoa passe por esse processo desnecessário. Você não precisa da opinião de terceiros para perceber que o gosto de algo é terrível. Assim como você não precisa da opinião de terceiros para perceber que seu jogo está uma droga.

Essa etapa é como se fosse um teste de requerimentos mínimos. O jogo está fluindo? O jogo não está completamente quebrado? O jogo resistiu uma partida inteira sem maiores problemas? A parte de diversão é subjetiva e é difícil de detectar em uma partida solo, mas alguns conseguem. Então, tire esse momento inicial para avaliar o que falta no seu jogo de modo essencial, isto é, características que precisam ser inseridas ou removidas para que seu jogo torne-se o que você imaginou que ele seria.

Playtest Solo de uma das primeiras versões do Distrito 6, um jogo de alocação de dados. Eventualmente será apresentado aqui no blog. Partida simulando 3 jogadores, Roberto contra Pinheiro contra Hugo (minha 3ª personalidade).

Em alguns casos será bastante difícil realizar o Playtest Solo. Jogos com muita informação escondida ou com grande aspecto social, como jogos de dedução ou blefe. Entretanto, por mais difícil que seja de simular outras pessoas, com algum esforço é possível. Você não quer fazer um teste real, isso é uma simulação para perceber falhas mais grotescas. Por exemplo, você pode perceber que em um jogo de blefe, o jogador que sempre falou a verdade ganhou. Isso não é um bom indicativo… Afinal, se é um jogo de blefe e não precisamos mentir para vencer, qual o propósito? Ou um jogo de dedução que é possível em dois turnos deduzir o objetivo do jogo, baseado apenas na sorte das ações realizadas. Também não é um jogo interessante, pois a sorte está tendo uma influência superior à dedução em si.

Deste modo, dependendo do estilo do jogo, será possível realizar poucos ou muitos testes sozinho. Com Mataru Okara¹, por exemplo, o avanço que eu obtenho com Playtest Solo é muito pouco, pois é um jogo que requer dos jogadores habilidade manual, blefe e dedução, eu não consigo simular muito bem os outros jogadores. Assim, termina que eu consigo detectar apenas problemas mecânicos mais gritantes e nunca captar informações mais complexas, como o jogador com maior habilidade sempre vence (o que não é muito interessante em um jogo com elementos de destreza) ou o quão importante é o blefe. Enquanto que outro jogo que criei recentemente, não possui nenhuma informação escondida. Assim, consegui testar 9 vezes sozinho. Em cada uma das vezes, pude realizar modificações de impacto significativo nas mecânicas do jogo, melhorando-o bastante no decorrer de pouco tempo. Tanto que a maior crítica, após o Playtest com Amigos, foi um possível desbalanceamento de uma estratégia, fator que considerei diversas vezes jogando sozinho, mas estava achando balanceado; e as possibilidades de Analysis Paralysis², fator que eu não percebi sozinho, pois testei tomando as decisões rapidamente. É bem complicado avaliar o impacto de demorar com alguma decisão jogando sozinho, pois você está tomando todas as decisões e envolvido durante todos os turnos de todos os jogadores.

Um ponto importante que eu preciso ressaltar é a duração da partida. No Playtest Solo a duração da partida é completamente incorreta ou se bater com a duração real é mera coincidência. As razões são obvias, mas vou expor mesmo assim. i) você joga um turno por vez e você pensa cada turno apenas na vez daquele jogador; ii) você conhece seu jogo como ninguém, você jogará mais rápido do que jogadores que estejam conhecendo o jogo; iii) você pode se perder em vários momentos nas estratégias e ações, atrasando o andamento da partida. Assim, não vale a pena pegar a duração da partida. Agora, uma informação extremamente relevante é o tempo de um turno. Você provavelmente pode medir isso com alguma precisão e com base nessa informação você pode definir a quantidade de turnos que poderá colocar no seu jogo para atingir uma determinada duração.

Resumindo, teste seu jogo sozinho enquanto for possível progredir com ele mecanicamente. Corrija suas falhas mais problemáticas e até melhore as mecânicas do jogo, se for possível, baseado no Playtest Solo. Quando o jogo estiver funcional e não for mais possível avançar, ou o avanço estiver muito lento, chegou o momento de encerrar o Playtest Solo e partir para a próxima etapa: Playtest com Amigos.

Atenção, apesar do Playtest Solo ser a primeira etapa dos testes, nada impede de você retomá-lo no futuro. Na realidade, eu até recomendo realizar testes sozinho quando seu jogo passar por grandes modificações. Assim, você evita que uma mecânica quebrada passe para seu grupo de testes.


¹ Mataru Okara é um dos meus jogos. Em breve mais informações.

² Analysis Paralysis é um termo utilizado na comunidade board gamer para indicar que um jogador trava no seu turno pensando em qual jogada realizar. Muitos debatem se isso é um problema do jogo ou do jogador, eu considero um misto.

5 Comments

  1. Emerson
    17 de março de 2017

    Esse artigo bateu na alma agora =P

    Bem verdade, jogue uma partida completa contra vc mesmo.

    Parabéns pela nova coluna.. Muito boa!

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    1. Roberto
      17 de março de 2017

      Muitas emoções.

      Acho muito bom testar sozinho, pode parecer meio autista mas eu gosto. =) Dependendo do jogo, progride bastante.

      Valeu. =D

      Responder
  2. Ricardo Amaral
    24 de março de 2017

    Perfeito, Roberto!
    Faço isso com alguma frequência com meu projeto e já pude evitar muita coisa desagradável aos grupos de testes, observando como o jogo roda num teste solo.

    Responder
    1. Roberto
      24 de março de 2017

      Exatamente Ricardo =) Eis um dos grandes benefícios de se criar Eurogames. Às vezes até me divirto bastante jogando sozinho… =P

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  3. Darison
    24 de novembro de 2017

    Você falou uma coisa importante. Devemos ter cuidado com o que pedimos para as pessoas jogarem. Dizem que a primeira impressão é a que fica e em jogos é a mesma coisa, se em um primeiro teste o jogo estava deveras tedioso, quando um amigo for testar novamente ele já não terá a mesma paciência e também uma expectativa de momentos ruins, essa expectativa não será fácil de ser apagada pois ele vai ser mais critico

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