Lição #42: Multiplayer Solitaire não é xingamento

Em algumas das primeiras impressões que elaboro para o Desafio 100N eu comento sobre um jogo ser multiplayer solitaire. Muitas vezes pode soar como uma crítica ao jogo ou até um xingamento mesmo. Em alguns casos é sim. Entretanto, não é todo caso. Um jogo multiplayer solitaire não é necessariamente um jogo falho, ele pode ter sido simplesmente criado para ser assim e aqui irei comentar um pouco sobre isso e porque você não deve atolar interação em todo jogo.

Antes de começar, segue a definição que coloquei no Glossário aqui do blog:

Multiplayer Solitaire, estilo de jogo

Significaria algo como: “jogar sozinho em grupo”. É um termo que tende a ser utilizado como crítica a jogos com pouca interação. Em geral, a interação desses jogos é mínima, acarretando pouca influência um jogador no outro. Em outros, a interação de fato é nula, sendo a única interação no final da partida ao definir o vencedor (que venceu a partida por mais pontos ou por ter atingido o objetivo primeiro).

Então, não é uma falha de design ou problema de execução, mas simplesmente um estilo de jogo. Perceba que não é a completa isenção de interação (apesar de também poder ser), mas simplesmente quando a interação é baixa, sendo geralmente apenas um elemento do jogo que está ali simplesmente para agradar mais pessoas, especialmente as que reclamam da falta de interação.

Com a febre recente dos jogos Roll and Write, temos muitos jogos multiplayer solitaire saindo no mercado recentemente. Claro que isso já existia antes, em jogos como Factory Fun, Catan Dice Game, Ubongo, Mondo, Yahtzee, Dominion, Thurn and Taxis, citando apenas alguns. A “interação” em alguns desses acontece pelo aspecto corrida, isto é, cumprir algo antes dos oponentes. Entretanto, isso não caracteriza interação, você poderia substituir os jogadores por um timer e pronto. Alguns dos jogos citados tem umas cartas que interagem com os outros jogadores ou ações que modificam a próxima jogada que irão realizar, mas não é como se fosse uma grande interação, parece mais um evento que ocorreu aleatoriamente. Talvez você discorde do que eu estou falando, mas veja bem, não estou reclamando desses jogos, só estou apontando que são multiplayer solitaire. E é aqui que quero chegar: não tem problema um jogo ser assim. Existe público para esse tipo de jogo. Afinal, como qualquer estilo de jogo, existem pessoas que irão gostar e pessoas que não irão gostar. Claramente, pelos exemplos citados, temos jogos de sucesso que são multiplayer solitaire. Logo, é possível sim criar um jogo nesse estilo que funcione, agrade e até se torne popular.

Então, qual o propósito dessa Lição? Incentivá-los a criar jogos assim. Nem tudo precisa ter altas doses de interação. Na realidade, inserir interação no seu jogo pode lhe dar uma dor de cabeça gigante. Como balancear tudo no seu jogo e ainda conseguir balancear as ações dos jogadores entre si? É praticamente impossível. Se você for insistir por esse caminho, talvez estufe seu jogo com tantos sistemas para “controlar” os jogadores que ele vai ficar complexo sem necessidade.

Já fui culpado deste mal com Mataru Okara, no qual inseri um compensação pela interação negativa. Qual era a ideia? Ser roubado é muito ruim, sendo que toda vez que você é roubado recebe uma Carta de Chakra. Ao acumular uma certa quantidade Chakras você pode realizar poderosas ações, uma maneira de compensar ter sido roubado várias vezes. Até que a ideia não é ruim, né? Realmente… Na realidade eu gosto dela, sendo que Mataru Okara é para ser, hipoteticamente, um jogo simples e direto. Esse sistema só fez inserir mais elementos no jogo que precisam ser explicados, assimilados e levados em consideração durante a partida pelos jogadores. E, claro, como é um novo sistema, ele deve ser balanceado. Caso contrário, pode chegar um momento que é melhor você ser roubado do que você avançar sua estratégia. Talvez você até diga, “mas isso é legal, você inseriu uma nova camada estratégica”. Olha, eu até concordo, mas não para esse jogo em específico. Você tem que ter noção do produto que está criando e do escopo que ele possui. Não adianta adicionar camadas desnecessárias em um jogo familiar e simples. Termina que a partida perde o foco da diversão descompromissada, pra uma manipulação do sistema rumo à vitória.

Então, é possível que jogos com alta interação fiquem nos tentando a criar sistema que “corrijam” problemas como King Making. Especialmente os Game Designers que preferem Euro Games, como eu. Então, eu insisto: multiplayer solitaire não é xingamento, é um estilo de jogo viável de ser criado. Quais são os pontos positivos de criar um jogo nesse estilo?

A falta (ou baixas doses) de interação torna parte do trabalho mais fácil. Afinal, quanto menor a interação, menor o caos presente durante a partida. Isto é, você consegue prever com maior precisão como será o fluxo de jogo e até onde os jogadores poderão crescer na partida. Com isso, você não precisa lidar com King Making, por exemplo. Também fica mais fácil de balancear. Já que balanceamento vai virar quase que totalmente matemático, na minha opinião é uma vantagem. Afinal, matemática é muito mais confiável que o comportamento humano. Claro que alguns Game Designers terão mais dificuldade, mas isso pode até ser uma sacudida para lhe relembrar que criar jogos requer várias habilidades diferentes e, talvez, tenha chegado o momento de você estudar mais um pouquinho. Outro elemento positivo são os testes. É muito mais fácil testar um multiplayer solitaire. Sem comparação. Você pode testar inúmeros perfis de jogadores sozinho. Nossa, isso agiliza demais o desenvolvimento do jogo. Você pode balancear e verificar as mudanças em um curto período de tempo, deixando os testes com outros seres humanos para testar versões mais avançadas ou modificações de grande impacto na jogabilidade. Com Teotihuacã, que é um multiplayer solitaire, eu consegui testar horrores. Até escrevi sobre isso aqui e aqui. Devo dizer que foi o jogo que mais gostei de criar até o momento, não sei se é porque eu estava no auge criativo ou se foi pelo fato de conseguir testar sozinho tantas vezes e evoluir tão rapidamente.

Bom, por hoje é só. Espero que a postagem lhe convença a dar uma tentativa ou tirar aquele projeto da gaveta que você guardou achando que tinha interação de menos.

2 Comments

  1. Cássio Nandi Citadin
    12 de junho de 2019

    Excelente artigo Roberto. Você conseguiu passar bem a idéia de que Multiplayer Solitário tem seu lugar no mundo mesmo ainda sendo um termo usado mais de forma crítica.

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    1. Roberto
      12 de junho de 2019

      Valeu! =)

      Responder

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