Lição #28: Balanceamento = Matemática + Sentimento

“Esse jogo é quebrado” ou “esse jogo é desbalanceado” é uma frase bastante usada entre o pessoal dos jogos de tabuleiro moderno. Muitas vezes, essa afirmação é feita com base em uma única partida. Bom, não vim hoje reclamar dos críticos de plantão, mas vim hoje falar sobre esse assunto delicado, o tal do balanceamento.

Afirmo de antemão: tudo que eu falar aqui será minha opinião sobre o assunto. Sinta-se livre para discordar nos comentários, mas em nenhum momento assuma que estou dizendo fatos.

Balanceamento é uma ilusão. Não ilusão no sentido de que o Game Designer é iludido ao tentar balancear o seu jogo, mas sim ilusão no sentido que deve enganar os jogadores. Sim, isso mesmo: nós, Game Designers, precisamos enganar os jogadores para eles acharem que o jogo é balanceado. E isso, meus colegas, pode ser muito mais difícil do que realmente balancear um jogo. Não entendeu nada? Vou explicar de onde formulei essa teoria.

Estava testando Teotihuacã com alguns amigos. No jogo, cada jogador constrói uma Pirâmide de dados. É um jogo que permite várias estratégias, pois o jogador não conseguirá fazer tudo que dá ponto durante a partida, ele precisará escolher alguns caminhos e onde focar seus esforços… Algumas estratégias são até antagônicas. Pois bem, uma das “bifurcações” estratégicas é definir se o segundo andar da Pirâmide será feito usando Rampa ou Polia. A questão é que as duas estratégias estavam completamente balanceadas matematicamente, isto é, se você optar por qualquer uma das duas, você vai conseguir fazer sua Pirâmide com o mesmo gasto de ações/recursos/etc. Perfeito, não? Não.

Teotihuacã preparado para 2 jogadores.

Os jogadores dessa partida acharam a Polia mais forte do que a Rampa. Então, vem a pergunta chave: devo ignorar a matemática e ajustar baseado na opinião dos jogadores? Não necessariamente. Você precisa ter cuidado com o Feedback recebido e entender de onde veio esse Feedback. As estratégias estavam balanceadas matematicamente, sendo que usar Polia é muito mais fácil (em termos cerebrais e de otimização) do que usar a Rampa. Então, o jogador que optou pela Rampa se sentiu injustiçado ao ver que o jogador que optou pela Polia conseguiu ter sucesso de um jeito mais direto. Minha escolha foi diminuir os gastos para usar a Rampa, compensando a dificuldade de planejamento necessário para ser bem sucedido na estratégia. Então, o jogo ficou desbalanceado, mas por um bom motivo. Caso contrário, após algumas partidas todos perceberiam que Polia é mais fácil de planejar e consegue atingir o mesmo potencial da Rampa com menos neurônios. Assim, resta mais espaço para poder planejar em como ganhar mais pontos por outras vias.

É como o balanceamento de poderes assimétricos. O poder mais complexo precisa ter maior retorno, pois o jogador precisará investir certo tempo para aprender as nuances de como utilizar aquele poder.

Então, no final das contas, não basta a matemática para balancear um jogo. Você precisa transmitir um sentimento de balanceamento, mesmo que ele seja uma ilusão. Até porque, balanceamento perfeito não é bom para o seu jogo. É isso mesmo, você não leu errado. Vamos para um exemplo que tenho usado quase sempre: Bruges.

Bruges é um jogo do Stefan Feld, Game Designer que gosto bastante. Em Bruges, os jogadores realizam algumas ações por turno com base em dados rolados no começo da rodada e cartas da mão. É aquele tipo de jogo que tem sorte, mas ela é mais ou menos justa com todos os jogadores. A questão é que toda ação dá ponto, toda ação é exagero… Mas quase toda ação. Por exemplo, ganhar dinheiro não lhe dará pontos, mas lhe permite baixar personagens que dão. Então, é difícil os jogadores “errarem” algo. Termina que chega no final da partida e os jogadores estão com pontuação extremamente próxima, sendo que um jogou pela primeira vez e o outro já jogou mais de vinte partidas. Inclusive, não é incomum um novato vencer um veterano por um ou dois pontos. Não estou dizendo que o jogo não tem decisões, mas o balanceamento é tão perfeito que a diferença na pontuação será deixada ao acaso: comprou um combo poderoso no começo, foi alvo de alguma praga por azar, etc. Eu gosto bastante da jogabilidade de Bruges, mas não vi mais sentido em jogá-lo depois que percebi que minhas decisões tinham um impacto bem pequeno para o resultado da partida.

Então, qual a lição que quero deixar aqui? Balanceamento é importante e deve ser feito, mas não fique muito bitolado na matemática. Balanceie com a experiência em mente e crie um ambiente aparentemente justo para todos os participantes, especialmente levando em consideração as complexidades das estratégias e poderes.

13 Comments

  1. Matheus Ulisses
    11 de outubro de 2017

    Nunca tinha pensado nessa parte dos neurônios, gostei bastante da matéria.

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    1. Roberto
      11 de outubro de 2017

      A parte dos neurônios, especificamente, eu também nunca tinha pensado… Saiu na hora da escrita. =D Que bom que gostou. 😉

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  2. Fred Barcelos
    11 de outubro de 2017

    Já jogou As Viagens de Marco Polo?
    É, na minha opinião uma aula de como LIDAR com balanceamento!
    Repare que não afirmei que o jogo é balanceado, mas ele o é, de forma absurda.
    Os personagens parecem injustos, viajar parece que não vai levar a lugar nenhum (em termos de pontuação) e tudo isso engana negativamente um jogador novato. É um jogão que deve ser esaudado por quem quer começar a pensar em balanceamento.

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    1. Roberto
      11 de outubro de 2017

      Opa Fred, já joguei sim… =)

      Não joguei o suficiente para dizer se é balanceado ou não, mas me pareceu ser bem amarradinho. E realmente, é um bom jogo para se conhecer e estudar em questões de balanceamento e poderes assimétricos.

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  3. Cássio
    11 de outubro de 2017

    Grande Pinheiro!

    Muito interessante sua impressão sobre balanceamento, ainda mais dando exemplos.
    Fica a dica para um dia vc falar (se é que não falou) sobre como fazer o balanceamento… ouvi falar do mito do uso de planilhas/excel hehe

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    1. Roberto
      11 de outubro de 2017

      Opa Cássio, acho que não falei não… Tirando essa postagem de hoje, nunca fui muito a fundo em balanceamento.

      Planilhas não devem ser mito, mas eu não uso hehehehe Mas vou fazer uma postagem sobre o assunto sim. =)

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  4. Vinícius
    15 de outubro de 2017

    O problema que você apontou no Bruges é comum a diversos jogos com salada de pontos (eu tenho essa mesma impressão com o Kemmet, por exemplo). Mas eu não acho que isso tenha a ver apenas com o balanceamento. O jogo ser balanceado significa que diversas estratégias são igualmente eficientes, ou seja, que não existe uma estratégia dominante. Isso não quer dizer que QUALQUER estratégia deva funcionar, caso contrário o jogador é dispensável, o jogo se joga sozinho. É uma das piores sensações que o jogo pode passar, eu acho.

    Responder
    1. Roberto
      16 de outubro de 2017

      Kemet é salada de pontos, mas não acho que tenha o mesmo problema do Bruges. Ele tem outros problemas como Kingmaking.

      Sobre não ser problema de balanceamento no Bruges, tenho que discordar… Pois se ele fosse balanceado de acordo com a dificuldade das estratégias (criar combos eficientes dar mais pontos do que simplesmente fazer canais, por exemplo), ele não teria o problema que tem.
      Quando você diz: “balanceado significa que diversas estratégias são igualmente eficientes, ou seja, que não existe uma estratégia dominante”, você está definindo Bruges. É possível ganhar com diversas estratégias e não existe estratégia dominante. =) Não é qualquer estratégia que vence, mas é fácil deduzir quais não é possível vencer. Por exemplo: colocar casas o jogo inteiro não vai lhe ajudar, ganhar moedas o jogo inteiro não vai lhe ajudar, etc.
      Obviamente o problema de Bruges vai além do balanceamento, mas ele contribui com o jogo transmitir esse sentimento de “minhas ações não importam”, pois falta um balanceamento de acordo com a habilidade do jogador.

      Um jogo não pode ter estratégia dominante, mas isso não significa que precise ter várias igualmente eficientes. Caso contrário, você terá o problema de Bruges, especialmente em jogos com baixa interação como ele. Com a interação você consegue resolver muito dos problemas de balanceamento, só é preciso ter cuidado para o tiro não sair pela culatra e virar Kingmaking.

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  5. Vinícius
    15 de outubro de 2017

    POR OUTRO LADO, é importante que o jogo mantenha as partidas pelo menos um pouco equilibradas. Quando o jogo termina com uma diferença pequena na pontuação, o perdedor se sente motivado a jogar de novo acreditando que se ele fizer uma ou outra ação de modo diferente ele vai vencer. Já li em mais de um canto que o ideal seria que o perdedor fizesse 75% da pontuação do vencedor, pra dar esse gostinho de quero mais. Quando o jogador perde de lavada, com menos da metade da pontuação do vencedor, ele se sente desmotivado a jogar de novo. É algo a se considerar.

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    1. Roberto
      16 de outubro de 2017

      Sim, levar uma surra afasta novatos… Especialmente os mais competitivos. 75% é uma margem boa de pontos.

      No caso de Bruges do primeiro pro último a diferença é no máximo de 10 pontos, não sendo incomum ter pontuações como: 55, 54, 53 e 52.

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  6. Germano
    7 de novembro de 2017

    Ótima abordagem, coisas que parecem não andar juntas influenciam bastante na percepção dos jogadores.
    Foi esse post que me trouxe para cá e me fez querer ler todos os demais, é agradável e construtivo ler teus textos.

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    1. Roberto
      7 de novembro de 2017

      Então, seja bem-vindo ao blog Germano. 😉 Fico feliz em saber que gostou do conteúdo.

      Responder
  7. Darison
    23 de novembro de 2017

    Isso é muito importante mesmo. Estoques fazendo um jogo onde existem magias de 6 elementos diferentes, e é bem difícil deixar eles balanceados, pra que todos os elementos sejam uma boa opção mas sejam únicos também

    Nunca tinha pensado em elementos como a preferência poderia influenciar no balanceamento. Por exemplo é bom mais fácil as pessoas escolherem o elemento raio do que o ar.

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