Lição #53: Se puder, publique sozinho

Existem momentos que me pego refletindo sobre o que vou postar por aqui. Se devo postar, se de fato vai ajudar alguém. Pode não parecer, mas seguir o conselho errado de alguém pode ser catastrófico. Então, acho que é importante refletir antes de botar algo aqui que pode, talvez, até prejudicar alguém. Entretanto, depois da minha última postagem sobre Regicida, cheguei na conclusão da Lição de hoje. Trarei (meus) números e informações (que podem ser) preciosas para você que pensa em publicar seu jogo sozinho.

Claro, que antes de iniciar a postagem tenho um aviso bem importante:

Publicar sozinho pode lhe render um prejuízo de milhares de reais

Portanto, tenha isso em mente. Nunca faça o que eu fiz se você não puder viver sem o dinheiro usado na produção do seu jogo. Nunca pense em seu jogo como um investimento, talvez você tenha o raciocínio “ah, mas quem melhor para investir no meu sonho além de mim mesmo?” ou “meu jogo é muito bom, vai ser um sucesso”. Tudo isso pode lhe levar em uma enrascada.

Eu produzi Regicida sozinho por três grandes razões:

  • Perder esse dinheiro não iria me prejudicar;
  • Eu queria ter essa experiência pelo menos uma vez na vida;
  • Eu queria um projeto para não enlouquecer trancado em casa na pandemia.

Nessa lição eu não quero lhe convencer a publicar sozinho, inclusive se você nunca nem pensou nisso, para de ler para não entrar em tentação. Eu vim aqui hoje mostrar meus números e explicar melhor os motivos de eu achar que vale a pena publicar sozinho. Vale ressaltar, que eu nunca mais faria novamente. E também vou dizer por quais motivos. Bom, depois de tanta enrolação, vamos começar de verdade?

Começando já na lapada: Regicida teve 200 cópias produzidas que custou a bagatela de 4050 reais. Esse custo é ignorando a gasolina para ir até os Correios, ignorando meu tempo como Game Designer, ignorando meu tempo para montar cada uma das cópias (tome tempo) e todos os custos que são levados em consideração por uma Editora, por exemplo. É apenas o quanto me custou para imprimir o jogo, pagar a artista e comprar parte do material de envio (envelopes). Então, basicamente, 20 reais por cópia.

Talvez, nesse momento, você esteja pensando: “Tu vende o jogo por 60 reais, tais ganhando uma grana empurrada com isso! São 200% de lucro”. Não, não é. Pois desconsiderei inúmeros gastos. E mesmo que fosse, as Editoras trabalham com margens similares, se não maiores. De onde tirei isso? Do furico? Não. Conheço jogos produzidos por 20 reais que são vendidos por 100 (impresso por terceiros, sem gráfica própria). Sim, cinco vezes mais. E chutaria que muitos jogos são nesse mesmo esquema. É só raciocinar um pouco. Eu consegui produzir Regicida com tiles (não cartas, que são mais baratas) e com apenas 200 cópias por 20 reais. Imagina uma tiragem de 1000 cópias de um jogo apenas de cartas e feitas em uma gráfica própria? É só refletir, camarada. Sim, existem Editoras no Brasil que produzem seu próprios jogos. E não, não são apenas as gigantes Grow e Estrela.

Dando mais números… Atualmente, fugiram da minha casa 95 cópias de Regicida e eu tive um lucro de R$ 457,94. Sendo assim, o tanto que vendi somou um valor de 4050 + 457,94 = 4507,94. Vamos fazer umas continhas simuladas. Vou botar aí +5 cópias por 60 reais e depois vou dobrar o valor, ok? Assim, daria o valor que eu teria após as 200 cópias terem saído daqui de casa. Teríamos, então, (4507,94 + 300) x 2 = 9615,88. O que daria um valor, por cópia, de R$ 48,07. Ué, não tava sendo vendido por 60 reais? Como ficou só 48? Simples: descontos, promoções, cópias para criadores de conteúdo, desconto no frete, frete gratuito ou quaisquer outra iniciativa que faça a cópia ir embora por menos que o valor definido originalmente.

Então, a precificação é muito importante, especialmente para gerar um negócio sustentável. Eu não pensei muito nisso, pois eu só queria produzir o jogo e vê-lo publicado. Então, coloquei um valor que considerei justo em comparação com outros títulos do mercado nacional. Essa lógica faz pouco sentido comercialmente, já que produções independentes precisam ter um preço mais elevado devido a baixa tiragem. Em todo caso, acho que fiz certo para o que eu queria e esperava do jogo. Existe uma postagem sobre precificação do Jamey Stegmeier no blog dele, essencialmente o valor de venda (MSRP) precisa ser 5 vezes maior que o de produção. Ele explica bem direitinho aqui, mas acho que esse cálculo faz sentido, especialmente para continuar produzindo o jogo com lucro e não apenas gastando tudo que recebeu da tiragem anterior para produzir a nova tiragem.

Certo, Roberto, aí você vendeu quase que metade das cópias produzidas. Agora só faltam 100, tudo ótimo, né? Não. Eu demorei três anos para alcançar isso. Obviamente, a culpa é minha: péssimo em propaganda, em divulgação, em vendas e qualquer coisa relacionada a ganhar dinheiro. Eu, tenho pra mim, que nunca vou conseguir vender todas as cópias de Regicida. Mas ainda assim, valeu a pena. Motivos, você pergunta?

Um deles é o aprendizado de modo geral. Eu aprendi sobre produção, tive uma maior noção de custos, tive que lidar com gráfica (e suas safadezas), tive que lidar com criadores de conteúdo (e safadezas de alguns). Não foram apenas ensinamentos com relação ao mercado de jogos, mas para vida mesmo. Não sei vocês, mas eu acho que isso vale bastante. Teve a parte da conquista em si, conseguir vender até não ter mais prejuízo foi um marco que em vários momentos eu achei que não chegaria. Só que chegou. Teve também todo o processo de conhecer pessoas, falar com pessoas, criar novos laços. Essa parte também é boa. Eu diria que a melhor. Eu odeio vender jogos, mas falar sobre eles? Adoro. Não foi o caminho mais fácil e, muito menos, o melhor caminho. Mas foi um caminho. E que eu não faria novamente.

Não faria novamente, pois por mais que tenha me gerado retornos em várias partes da minha vida, me custou. Me custou tempo que eu poderia estar fazendo outros projetos, focado em mim ou em pessoas que eu gosto. Eu achava bem chato ter que promover o jogo, ir em eventos com esse propósito. Sim, não dou para ser vendedor mesmo. Então, a experiência valeu, mas não o suficiente para fazer novamente. Se eu pudesse voltar no tempo, eu faria novamente? Claro, afinal seria a primeira vez com todos os seus aprendizados. Mudaria algo? Com certeza.

Primeira coisa que eu mudaria: a quantidade. Duzentas cópias foi demais, tanto é que ainda estou com metade delas escondidas em múltiplos lugares secretos. Eu faria apenas 100 cópias, por mais que isso diminuísse ainda mais minha margem. Mas, também diminuiria o custo de produção total e o meu tempo envolvido nesse projeto. Segunda coisa que eu mudaria: faria parcerias antes de finalizar a produção com criadores de conteúdo e lojistas, para o jogo ser amplamente divulgado e acessível por qualquer pessoa no país. Claro, isso demandaria ainda mais trabalho, mas também seria aprendizado e (provavelmente) diminuiria o fator tempo investido no final das contas. Terceiro, uma pré-venda envolvendo os lojistas e também o Diversão Offline teria sido bem interessante. Quarto, talvez organizar o blog para que ele tivesse um e-commerce de verdade, acho que perdi algumas vendas pela “bagunça” que é a compra por aqui. Em suma, eu faria o que eu aprendi depois da experiência que me poupasse o gasto mais importante: tempo. Talvez com esse fator reduzido e viabilizado, eu até tivesse a vontade de repetir o processo. Ah, claro, não vou me esquecer de outra coisa que eu mudaria: a caixa. Essa desgraçada dificulta muito a vida de todo mundo para guardar o jogo.

É isso. No final das contas, valeu a pena produzir Regicida. Aprendi muito e conheci várias pessoas especiais por conta desse joguinho. Então, se puder, publique sozinho. Talvez, vendo os meus valores, você entenda melhor os riscos e as (possíveis) recompensas.

Se você gostou dessa publicação e quiser saber mais sobre a história de Regicida, eu fiz um diário enorme sobre todo o processo, do conceito até a venda mais recente. Saca aqui as várias partes:

Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6 | Parte 7

Você também pode me ajudar nessa saga de vender esse tanto de cópias aqui. Ou visitar a página do jogo apenas para ver vídeos ou coletar mais informações.

6 Comments

  1. Bruno Marchena
    25 de novembro de 2023

    Ótimo texto!

    Responder
    1. Roberto
      27 de novembro de 2023

      Que bom que gostou, Bruno!

      Responder
  2. Caio Lianon
    29 de novembro de 2023

    Maravilha de aprendizado!!!
    É inspirador ver alguém assumir responsabilidade do começo ao fim pela sua criação, e um exemplo que devia ser possível para todos (infelizmente como vc falou, nem sempre é)

    Responder
    1. Roberto
      30 de novembro de 2023

      Valeu, meu querido. Espero que tu possa fazer o mesmo com suas criações. Abração.

      Responder
  3. Miqueias
    21 de janeiro de 2024

    Belo texto! Pretendo lançar meu jogo sozinho também!

    Responder
    1. Roberto
      22 de janeiro de 2024

      Valeu, Miqueias! Boa sorte na empreitada. É uma maratona.

      Responder

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