Participo ou não dos testes?

Mais uma pergunta na coluna Testando Jogando, terceira do bolo (veja a segunda aqui). Não sei se acontece ou aconteceu com vocês, mas depois de um tempo criando jogos eu comecei a me indagar sobre minha presença nas mesas de Playtest. Até hoje é um assunto que estou aberto à discussão, mas tenho uma determinada posição que irei expor como resposta para o questionamento de hoje. Na verdade, já vou deixar a resposta agora: depende.

Como na vida, muitas das respostas sobre Playtest não podem ser binárias. Não é possível responder essa pergunta com “sim” ou com “não”, pois não é fixo. A resposta depende de uma série de fatores:

  1. Estágio de desenvolvimento;
  2. Propósito do Playtest atual;
  3. Composição da mesa.

Então, vamos passar por cada um desses fatores?

Seu jogo pode estar engatinhando ou estar praticamente pronto. O estágio no qual o jogo se encontra é importante para definir o quão vantajoso é sua participação ou não em um Playtest. Suponha que você nunca jogou seu jogo com outros jogadores, apenas jogou ele sozinho. Neste caso, eu diria que sim. Você deve participar. Até o momento tudo que você fez foi simulatório, é importante você experimentar seu jogo com outras mentes pensantes. Você participando da partida, poderá ter uma noção se o jogo funciona como você esperava e se a experiência que você queria está sendo transmitida. Na realidade, a opção ideal seria testar duas vezes com um mesmo grupo. A primeira com você ausente e a segunda com você presente, isso se o jogo sobreviver durante uma partida inteira e estiver interessante o suficiente. O motivo disso será explicado mais adiante.

Agora, se seu jogo já passou por várias etapas e você já participou de vários Playtests, é importante que você não participe. Sempre que você participa, você deixa de observar a partida de fora. Um bom Playtest, é aquele que você extrai o máximo de informação possível. Então, quando você não está jogando é possível adotar o modo de observação e anotação. Você poderá observar problemas com calma, pensar em soluções e perceber reações em momentos específicos. Sem participar da partida, todas essas observações poderão ser anotadas quando necessárias. Se sua mente está ocupada jogando a partida, fica mais difícil você perceber certos detalhes. Outro problema é que, mesmo que você perceba, você vai precisar ficar interrompendo a partida para realizar anotações. Essas interrupções tiram o fluxo da partida e também ficará muito visível que você está anotando determinadas coisas podendo deixar alguns dos Playtesters desconfortáveis.

Playtest de Teotihuacã em uma de suas primeiras versões que convoquei 4 pessoas (limite máximo) justamente para eu não participar e anotar tudo que fosse relevante.

Outro aspecto importante, é não testar na doida. Todo Playtest precisa de um norte, um propósito. Esse propósito irá influenciar também na decisão de participar ou não. Você acha que determinada estratégia pode estar fraca? Ninguém melhor do que o Game Designer do jogo testando para verificar isso. Se terminou a partida e você não tinha chances de vencer, provavelmente ela está. Sempre que existir algum propósito que precise de um jogador experiente, nada melhor que você participar.

E se você quiser verificar a duração da partida? Neste caso, é melhor não participar. Normalmente o Game Designer “encurta” a duração da partida. Afinal, ele conhece tão bem o jogo que as decisões ficam muito mais rápidas. Se o propósito é testar a qualidade das Fichas de Ajuda ou iconografia, também é uma oportunidade para ficar de fora. Afinal, com você jogando, talvez ninguém tenha questionamentos, pois os jogadores podem ir captando a ideia dos ícones quando você faz as suas ações.

Quem joga também influencia na sua participação. Se a mesa for composta por vários jogadores experientes, nada melhor do que você participar. Assim, você poderá testar qualquer estratégia que desejar e fazer um balanceamento mais fino do jogo. Se seu jogo for para 3-5 jogadores e você tem apenas 2 Playtesters, como proceder? Simples: participe de partida. Não faz sentido se abster da partida se isso irá acarretar em não realizar o Playtest. Ou se você quiser testar especificamente com 5 jogadores e tiver apenas 4? Participe.

Agora, se a mesa for composta apenas por novatos, não é bom você participar. Sua participação vai influenciar na jogada das pessoas que desconhecem o jogo. Inclusive, esse é um dos Playtests mais importantes. Seu interesse é que a experiência do jogo esteja bacana desde a primeira partida. Se você não fisgar seu jogador na primeira partida, muito dificilmente seu jogo está bom o suficiente para ser produzido. Alguns jogos são bastante complexos e só conseguem ser compreendido completamente em mais partidas, mas eles precisam de algum fator que façam os jogadores retornarem. Seja a curiosidade de entender melhor o jogo ou algum elemento do jogo que é bastante interessante mas não foi completamente assimilado. Se seu jogo for complexo ao ponto de frustrar os jogadores, isso não é uma boa primeira experiência e com certeza não será bem recebido pelo público. Por isso, citei no começo que o ideal é você ficar de fora a primeira partida e jogar a segunda. Entretanto, é raro conseguir isso com um grupo de Playtest, com exceção de jogos bem rápidos.

Então, resumindo: é importante sim você participar dos Playtests do seu jogo, mas você também precisa se ausentar para detectar o funcionamento do jogo com completos novatos e em ocasiões especificas. Aproveito, para recomendar que a melhor maneira de realizar um Playtest desse gênero é partir para o Blind Playtest. Se você conseguir estar presente é melhor ainda, pois poderá ter acesso a todas as informações sem nenhum intermediário deixando de transmitir certas informações que poderiam ser relevantes.

Para fechar, deixo aqui o recado para a última etapa de um jogo: divulgação em eventos. É importante você se ausentar da partida nessa etapa, servindo apenas como explicador. Em eventos, é comum as pessoas formarem grupos com os amigos e aproveitarem os jogos juntos. A atmosfera, sem sua presença como jogador, fica muito mais agradável para o grupo. Aumentando as chances do grupo gostar do seu jogo.

Concorda com a resposta? Responderia diferente? Deixe nos comentários.

2 Comments

  1. Ricardo Amaral
    29 de junho de 2018

    Ótimo posto, Roberto.
    Tenho uma pergunta. Durante um blind playtest com o designer observando, se os jogadores tiverem alguma dificuldade com alguma regra, ou entenderem uma regra errada, o Designer deve interferir de imediato? Algo como “leia a
    página x do manual novamente” ou já explicar a regra corretamente, por exemplo?

    Responder
    1. Roberto
      29 de junho de 2018

      Valeu Ricardo! Resposta meio longa, mas aí vai:

      Então, o ideal é que o Playtest aconteça como se você não estivesse lá. Assim, você pode ir pegando todos os erros de regra, inclusive os em cascata. Por exemplo, se o jogador errar durante o Setup e você interferir, vai tirar a oportunidade dele notar esse erro quando for explicar alguma outra parte das regras e aquilo não condizer. Você observando o Blind Playtest pode perceber até quando o erro não é do manual, mas sim do jogador mesmo que se embananou com algo e depois corrigiu, é bem comum (“eita pessoal, me confundi, é tal coisa”).

      O que eu recomendo como momento para interromper é se a explicação estiver com erros muitos grosseiros. Em geral, o pessoal estuda todo o jogo para jogar, correto? Então, após todo esse processo se completar e antes da partida iniciar, pode ser interessante você interpor e explicar a regra correta. Afinal, um teste com erros extremamente grosseiros não estará lhe ajudando. Apontar a página no manual me parece ruim, pois cria uma ilusão pra você próprio. Afinal, o jogador não teria essas dicas se estivesse sozinho. Então, é melhor dar logo a regra correta, do que você se iludir que ele lendo o local que você indicou significa que o manual está bom. Quando o fato dele não ter encontrado ou não ter compreendido já é um indicativo que o manual precisa de ajustes.

      O Blind Playtest com você presente é mais difícil do que você não estando lá… Afinal, é uma boa oportunidade para evitar que você e os Playtesters perderem tempo, mas requer ponderação no uso desse “poder”. hehehe

      Espero ter ajudado. Abração.

      Responder

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Scroll to top