Resposta #3: Analysis Paralysis

No começo do ano eu pedi uma ajuda para perguntas para o Pinheiro Responde e fui prontamente atendido pelo leitor Matheus Xenofonte. Se você não sabe o que significa Analysis Paralysis, você pode ler no Glossário ou continuar a leitura dessa postagem que o termo será extensivamente explicado e discutido.

Então, Analysis Paralysis é uma expressão usada entre gamers para indicar que um determinado jogador está muito tempo pensando e não consegue tomar uma decisão. É aquela “paralisia” que alguns jogadores tem quando simplesmente não conseguem decidir qual jogada realizar. É praticamente o mesmo fenômeno que ocorre em um restaurante, quando a pessoa não consegue decidir qual comida pedir. Acho que deu para captar o conceito, certo? De agora em diante, vamos nos referir a Analysis Paralysis apenas pela sigla AP.

O maior problema gerado pelo AP é bem direto: Downtime. Downtime é o tempo que um jogador esperou sua vez chegar novamente. Obviamente, se um jogador sofre AP durante a partira, irá aumentar o Downtime para todos os outros jogadores. Aumentando o Downtime, consequentemente aumenta a duração da partida. Existe uma certa discussão se AP é culpa do jogo ou do jogador, eu digo que é culpa de ambos. Entretanto, o jogador está apenas se divertindo. Então, a culpa deve cair sobre o jogo e, consequentemente, sobre o criador daquele jogo: o Game Designer. Isso mesmo, a culpa é sua.

Certo, mas qual foi exatamente o questionamento de Matheus sobre o assunto?

Mais uma coisa que você comenta muito, eu acho que merecia uma postagem só dela: Analysis Paralysis, como minimizar.

Pois bem, como minimizar o AP? A melhor maneira de tratar qualquer problema do seu jogo é descobrir suas origens e tentar resolvê-lo na raiz, isto é, na sua essência. Seguem as razões de um jogo aumentar as chances de um jogador ter AP durante uma partida:

  1. Muitas opções. Todo jogo com muitas opções é um potencial espaço para o AP. Quanto mais opções o jogador tem, mais ele precisa refletir em qual opção escolher.
  2. Opção menos ruim. Chegou na sua vez e todas as opções que você tem disponível são desinteressantes, seja por lhe beneficiar pouco ou por, consequência, beneficiar outro jogador. Tentar escolher a opção menos ruim demanda tempo, pois exige cálculos e ponderações.
  3. Só opção excelente. O inverso também ocorre. Se todas as opções forem excelentes, fica complicado você definir qual escolherá, pois ficará com medo de ter tomado a escolha incorreta.
  4. Muita liberdade. Todo jogo que deixa o jogador livre para fazer o que quiser tem um potencial de AP. A maioria das pessoas tem uma certa dificuldade em traçar uma estratégia “às cegas”, isto é, sem ter um ponto de referência.
  5. Muita tática. Jogos focados no aspecto tático (decisões de curto prazo) são uma das maiores razões do AP, pois não adianta o jogador pensar fora do seu turno, já que quando chegar na sua vez todas as suas opções estarão diferentes.
  6. Muito impacto nas decisões. Se em um determinado jogo você só irá realizar 5 decisões durante toda a partida, é bem provável que você gaste muito mais tempo pensando em sua jogada do que um jogo que você irá realizar 20 decisões.
  7. Informação perfeita. Jogos com essa característica, isto é, jogos no qual não existe informação escondida tem grande propensão ao AP. Afinal, se não existe informação fora do alcance dos jogadores, tudo pode ser calculado. Essa possibilidade de calcular tudo aumenta as chances do jogador querer pensar em todas (ou na maioria) das possibilidades.

Certo, são muitas razões. Vamos para o exemplo mais gritante que conheço. Estou falando de Five Tribes, é essencial falarmos dele para qualquer discussão sobre AP. O jogo de Bruno Cathala possui várias razões para gerar AP e elas inclusive se modificam no decorrer do jogo. No começo da partida, existem muitas opções (todos os meeples estão na mesa) e muita liberdade (tudo dá ponto). Com o caminhar da partida, suas decisões tem muito impacto (uma jogada sua pode definir a vitória, já que você ganhou apenas 5 pontos quando poderia ganhar 15). Chegando próxima ao final da partida, e até durante alguns momentos chaves, você precisa encontrar a opção menos ruim. Por fim, tanto o leilão para definir a ordem dos jogadores como a própria jogada em estilo Mancala são extremamente táticos. Para fechar o AP com chave de ouro, a única informação secreta existente no jogo é a saída das mercadorias e dos gênios. Que não são quesitos básicos do jogo, mas sim apenas uma das diferentes formas de pontuar. Então, o jogo é quase todo de informação perfeita.

Isso não significa que o jogo é ruim, só que existe uma propensão gigante para AP. A culpa, nesse caso, seria de quem? Do próprio Game Designer. Como reduzir essa propensão? A única maneira que enxergo é reformular o jogo por completo ou inserir elementos aleatórios para diminuir o impacto das decisões: leilão cego e meeples entrarem aos poucos no tabuleiro. Isso faria o jogo melhor? Provavelmente não, mas com certeza reduziria o AP. Tudo vai depender do que você está desejando para o seu jogo.

Vamos para alguns exemplos meus. Começando pelo Ciberguerrilha. É um jogo de construção de robôs, no qual o objetivo do jogo é construir o melhor robô possível. A questão é que a partida pode encerrar antes mesmo de alguém construir um robô completo, pois a condição de parada da partida não está conectada à construção do robô. Isso fazia com que os jogadores pensassem muito no que fazer, pois terminar a partida sem um robô pronto era muito frustrante. A dificuldade transmitia um sentimento de sempre estar atrás da opção menos ruim e que as decisões tinham muito impacto, afinal fazer uma peça a mais poderia ser a diferença entre a vitória ou derrota. Reduzi o custo de todas as peças. Isso reduziu também o AP, pois os jogadores sentiam o jogo mais leve. Apesar de ser todo o resto igual.

Outro exemplo é o Distrito 6. O jogo começou com uma alocação de dados e construção desses dados para gerar pontos. E só. Os pontos eram obtidos durante a construção e mais alguns pontos eram adquiridos ao final da partida. Os jogadores ficavam perdidos com a liberdade, sem saber quando e onde construir. Adicionei duas novidades: objetivos e pontos bônus que mudava a cada rodada. Os objetivos deram um guia de uma estratégia para os jogadores, enquanto que os pontos bônus deram um guia tático para os jogadores.

Então, quais são as nossas opções para remediar e evitar o AP? Vamos para algumas dicas gerais:

  • Inserir objetivos para dar um norte ao jogador. Se o objetivo for a curto prazo você insere de bônus decisões táticas, se forem de longo prazo você insere de bônus decisões estratégicas.
  • Dividir grandes decisões em várias decisões menores. Então, em vez de ter uma única ação que pode mudar o jogo, você pode reduzir o impacto das ações durante vários turnos e torná-las menos impactantes.
  • Progressivamente aumentar o número de opções em vez de começar com tudo disponível no começo da partida.
  • Customização é legal, mas existe uma linha entra legal e AP. Se você colocar opções demais, o jogador vai travar antes da partida começar.
  • Reduza o escopo de decisões do jogador. Por exemplo, Drafting aberto com todas as opções na mesa pode ser mais estratégico, mas obviamente demora mais para escolher do que um Drafting fechado, com menos opções disponíveis.
  • Não permita o jogador fazer muita coisa de uma vez. Isto é, se você deixar o jogador ter cinco ações em uma única rodada, ele vai demorar pensando qual a melhor ordem e as melhores ações em várias combinações. Isso acontece bastante com Pontos de Ação, se você puder dar apenas 3, não dê 10.
  • Faça uso da sorte quando for viável para a proposta do seu jogo. O jogador se sente mais relaxado em tomar decisões quando se depara com algum fator de sorte, pois o erro dele não é 100% dependente dele.

Espero ter esclarecido e deixado algum conhecimento útil aos colegas. Por hoje é só!

6 Comments

  1. Sumaré
    24 de junho de 2018

    Ao ver o título do post, já pensei no Five Tribes… um jogo que apesar de tudo o que falam de positivo dele, não me dá a menor vontade de jogar.
    Ultimamente fujo de jogos com propensão a AP. Já que estamos “velhos” e nosso tempo para o hobby está curto… que seja então gasto “jogando” é não esperando os coleguinhas jogarem. 😛

    Responder
    1. Roberto
      25 de junho de 2018

      Não sou um grande fã do Five Tribes, mas acho que vale a pena conhecer hehehehe Dou uma fugida de jogos com AP, mas acho que esses jogos servem como estudo.

      Responder
  2. MATHEUS ULISSES XENOFONTE
    25 de junho de 2018

    Eu estava esperando esse! Valeu Roberto, esclareceu tudo e ainda me deu umas ideias boas.

    Responder
    1. Roberto
      26 de junho de 2018

      De nada Matheus, eu que agradeço a sugestão. Que bom que lhe foi útil. 😉

      Responder
  3. Hudson Moraes
    11 de novembro de 2022

    A coisa que mais me impressiona nesse hobby dos jogos modernos é que as pessoas criaram um NOME para a demora dos jogadores em jogar! 😀
    Acho até engraçado. Em outras atividades isso simplesmente não existe. Mas parece ser uma obsessão entre os hobbistas dos jogos modernos.
    Ok. Exagerei. Obsessão não. Porém, um tema recorrente.

    Responder
    1. Roberto
      13 de novembro de 2022

      Na verdade competições costumam ter nome ou até penalidade para quem demora a jogar… No futebol é fazer cera e pode render até advertência/cartão. Inclusive, se você fizer isso numa pelada (vale nada, competição no mínimo) o povo vai lhe dar uns tapas. No xadrez tem um tempo e pode fazer você perder a partida. E por aí vai.

      Tudo bem que jogo de tabuleiro não é necessariamente uma competição séria, mas o problema do AP não é nem pela seriedade da coisa, é só pela falta de respeito mesmo da pessoa demorar muito mais tempo que qualquer outro da mesa. Afinal, dependendo do jogo, isso pode deixar os demais jogadores sem se divertirem por conta da demora excessiva.

      Responder

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