Resposta #2: Aspirante a Game Designer (Parte 4)

Chegamos para a segunda postagem da semana, que também será a conclusão dessa pergunta. Se você caiu de paraquedas e perdeu as outras partes dessa resposta, acesse rapidamente aqui: Parte 1, Parte 2 e Parte 3. Então, para fechar com chave de ouro, seguimos com os conselhos de Samanta Geraldini.

Olá novamente! Hoje estou de volta para continuar aquele nosso papo sobre Game Design. E depois da teoria, hoje vamos falar da prática. A parte mais legal, na minha opinião. Mas a mais difícil também, pois é agora que precisamos mostrar para nós mesmos que tudo aquilo que a gente leu e ouviu vai servir pra alguma coisa. O texto de hoje será dividido em três tópicos:

  • A concepção: como surge a ideia?
  • A maturação: elaborando a ideia na sua mente
  • A projeção: a criação do primeiro protótipo

O que vem depois disso já não faz mais parte do começo. E se você já conseguiu passar por essas 3 etapas, é porque você teve seu primeiro êxito e, certamente, vai querer continuar. Mas, afinal, o que são cada uma dessas etapas? Vou falar delas agora!


1) A concepção: Como surge a ideia?

Bom, essa parte é, ao meu ver, a que menos posso explicar como vai funcionar. Isso porque cada um tem um processo criativo diferente. Eu, geralmente, tenho ideias a partir de coisas que observo ao meu redor ou de assuntos que discuto e acho interessantes. Por isso, uma dica que posso dar aqui é: pense lúdico.

Com “pensar lúdico” quero dizer a você que, sempre que existir a oportunidade, tente encaixar pensamentos, momentos, assuntos e qualquer outra coisa que apareça na sua frente em um jogo. Essa coisa não necessariamente vai virar um jogo, ou então até vire um, mas talvez não muito bom. Tente pegar uma situação, como andar de bicicleta, e procure mecânicas que representariam isso em um jogo de tabuleiro. Busque temas inusitados cotidianos ou crie sua própria ficção. Explore componentes comuns e também incomuns. Tente enxergar o flow que falei no texto anterior em ações reais, e foque nisso para tentar criar mecânicas, universos e experiências de um jogo.

Depois de um tempo você poderá ter várias ideias, algumas ideias, 1 única ideia ou, até mesmo, nenhuma ideia. Sabe, de todas as formas, você é normal. E de todas as formas você ainda pode ser game designer! Isso porque “pensar lúdico” não é a receita para criar a ideia de um jogo, mas sim uma técnica para você exercitar sua criatividade. E, bom, criatividade é uma das coisas mais importantes pra fazer jogos. Em algum momento desse processo, você terá inspiração e seu jogo irá nascer!

Eu já ouvi algumas pessoas falarem sobre inspiração de uma forma muito mágica. Aquele estalo que vem do nada e… Eureca! Uma ideia incrível! Eu já ouvi outras pessoas falarem sobre inspiração de uma forma muito mais fria. Um pensamento que você constrói aos poucos, conduzindo-o a partir de esforço, conhecimento e lógica.

Ao meu ver, a inspiração tem um pouco dos dois. Ideias realmente boas não surgem do completo nada, pois conhecimento e referências são sempre alicerce para seu pensamento. Mas é fato que as chances de você ter uma ideia enquanto toma banho são bem maiores das de quando você está na frente do computador, pensando loucamente no que pode fazer pra criar um jogo. Concorda comigo?! Por isso, pensar lúdico e se dar tempo para ter ideias é o primeiro passo.

Outra coisa muito importante também sobre ter ideias de jogos, e que já vi muita gente no hobby discutindo isso é: quem nasce primeiro, o tema ou a mecânica? Minha resposta pode ser bem frustrante, mas bem… depende! E depende muito mesmo! Cada pessoa tem uma forma de pensar, como já disse acima, e aí incluímos também o “por onde eu começo a pensar meu jogo”.

Você pode pensar primeiro num tema e depois colocar mecânicas para ele virar um jogo. Você pode fazer exatamente o contrário, criando regras para algo totalmente abstrato e depois buscar uma roupagem para isso. Você pode, ainda, criar um jogo a partir de componentes, como “um jogo apenas com dados” ou, “um jogo que não tenha cartas”. Ou você pode ir mais além, e criar a partir de uma premissa mais ampla, como “um jogo que seja pequeno, do tamanho de uma caixinha de fósforo”, ou “um jogo que transmita sensações de traição e vingança” (cruel esse último, hein?!). Ou, uma última ideia, você pode criar seu jogo pelo público alvo, como “um jogo para crianças” ou “um jogo somente para 2 jogadores”.

Atualmente, eu tenho 3 jogos prontos pela Potato Cat. E todos eles nasceram de forma bem diferente: Cartas a Vapor nasceu primariamente de um tema, mas ele também foi muito modelado pelos componentes que tivemos que usar para criá-lo. No caso, somente cartas. Café Express nasceu da ideia de fazer um jogo pequeno para 2 jogadores e também do trocadilho de “Café Expresso” com “Trem Expresso”. New Eden Project nasceu ao mesmo tempo de um tema, uma mecânica e uma premissa: um jogo colorido que preencha toda a mesa, que tenha mecânica de colocação e conexão de tiles/cartas e que represente uma construção de cidade.

Então, tanto faz por onde seu jogo vai nascer. Pense lúdico, dê tempo para a inspiração e tenha sua ideia a partir de onde se sentir mais confortável. Se a sua ideia for boa e você conseguir seguir os 2 passos seguintes, é o que importa!


2) A maturação: elaborando a ideia na sua mente

Depois de algum tempo, seja curto ou longo, você terá uma ideia de jogo que irá te fazer querer ir adiante nesse negócio de game design. Aí, você vai estar chegando na maturação da ideia. Nesse momento você vai precisar unir sua criatividade com seu conhecimento, pois de nada vale uma boa ideia se ela não for bem trabalhada.

Antes de criar um primeiro protótipo e achar que seu jogo já pode ser testado ou até mesmo jogado, existem alguns passos interessantes para você defini-lo um pouquinho melhor. Um fator importante aqui: toda essa parte do processo de criação vai se passar em sua mente e você não precisa gastar nenhum dinheiro. Mesmo assim, é muito valioso que você dedique tempo e empenho, e que também utilize ferramentas simples pra te ajudar na organização. O que eu indico é criar 3 documentos (no computador ou na mão mesmo), com informações importantes pra você conseguir avançar na criação do seu jogo.

O primeiro documento é um meio termo entre um brainstorm e um manual beeeem primitivo do jogo. O importante é que você anote suas ideias, as regras que você criou (mesmo que desconexas ainda), o tema, referências e tudo o mais que você já tem em mente. Esse documento vai ser como um caderno de notas, onde você vai atualizando todo seu progresso criativo até achar que tem algo suficiente para fazer um protótipo.

Anotações e rabiscos para alguns jogos que, no momento, estão engavetados. Prefiro escrever no papel primeiro, e depois passar isso para o computador de forma mais detalhada, mas isso vai depender muito de pessoa pra pessoa. O legal de anotar tudo é que boa parte da ideia não morre com o tempo, e você pode trabalhar nela quando tiver mais tempo e/ou habilidade pra isso.

O segundo documento é uma planilha ou lista com os componentes do jogo. Liste primeiro os componentes que você pretende usar: cartas, dados, tabuleiros..? Dê um nome mais específico a eles, como “carta de monstro” e “carta de artefato”, para que você consiga organizá-los melhor.

Depois disso, comece a definir quantidades para eles. É um pouco difícil tentar definir, por exemplo, quantas cartas exatamente você vai precisar no seu jogo. Então utilize um número mais ou menos aleatório, que você acha que vai se encaixar com sua proposta. Se você não acertar, terá tempo no futuro para essas questões de equilíbrio. Esse número vai variar MUITO de projeto para projeto, então não posso ajudar aqui. O que você pode fazer é usar jogos semelhantes como referência, e depois ajustar essas quantidades conforme a necessidade.

Ainda nessa planilha, tente descrever um pouco melhor esses componentes e incluir ações/efeitos a eles. Essa já é a parte mais próxima de criar um protótipo, pois você já está pensando mais a fundo nos elementos do seu jogo. Mas por enquanto você pode deixar algumas lacunas, desde que as ideias surjam e você sempre atualize o documento com elas.

Planilha que criei no começo da criação do New Eden Project. Nela eu listei os tipos de cartas que queria utilizar e a quantidade de cada uma delas. Conforme a criação do protótipo, a planilha ficou bem maior que isso.

E o terceiro documento é um mockup dos componentes do jogo. Crie um layout provisório para os componentes, listando as informações que eles precisam conter. Não precisamos de nada bonito aqui, você pode desenhar no papel mesmo, ou usar qualquer software de imagens (até o Power Point funciona).

Crie um layout para cada tipo de componente, e não para todos os componentes (você ainda não está criando o protótipo, né?!). Isso vai te ajudar a ter ideias e pensar no funcionamento geral de cada um deles. Também poderá te mostrar possíveis problemas ou soluções para algo, e com isso você vai conseguir avançar na criação.

Esse documento pode estar atrelado ao primeiro, desde que você consiga encontrar bem as informações.

A criação desses três documentos é a parte mais gostosa de criar um jogo. Então acredito que você vai se divertir com esse desafio todo. Caso você não esteja se divertindo, repense um pouco: talvez você não goste de fazer jogos, ou não esteja preparado o suficiente ainda. Às vezes jogos serão engavetados durante esse processo de maturação da ideia. Você pode perder o interesse por ele, ou ter uma nova ideia que parece mais promissora. Tudo bem, isso acontece. Mas lembre-se: se você não se dedicar nessa parte e se esforçar um pouquinho para avançar na criação do seu jogo, ele nunca será um jogo de fato.

Lembre-se também de utilizar todo o conteúdo teórico que indiquei no texto anterior. Conceito de narrativa, imersão, conhecimento de mecânicas e tipos de jogos, interação “designer – jogador”, etc. Isso vai ajudar bastante!

Quando você achar que já definiu várias coisas legais pro seu jogo e é nele mesmo que você vai investir, é porque chegou a 3ª fase da criação: o protótipo!


3) A projeção: a criação do primeiro protótipo

Depois de ter uma ideia de jogo e pensar bastante nela, você precisa fazer um protótipo. O protótipo é um primeiro esboço físico do seu jogo, capaz de ser jogado, testado e analisado para que você consiga melhorá-lo até que ele se torne um jogo de verdade. Vale ressaltar aqui que esse primeiro protótipo que eu estou falando é aquele que só você e pouquíssimas outras pessoas vão ter acesso e jogar, pois ele vai ser bem, mas bem cru mesmo! Acredite!

Protótipo do Café Express.

Bom, vamos lá. Faça um design provisório para os componentes no seu jogo em algum software de computador, imprima, recorte e monte tudo, ou então faça tudo na mão mesmo, escrevendo com caneta. Algumas pessoas acham esse trabalho um pouco chato, mas se você quer trabalhar com jogos de tabuleiro, vai precisar disso.

Você não precisa se preocupar com a beleza e a qualidade dos componentes. Desde que tudo esteja compreensível e dê para jogar normalmente, sem que a experiência de jogo fique comprometida, não faz mal nenhum se as imagens foram pegas da Internet, os textos estão rasurados com caneta e se as cartas ficaram um pouquinho tortas porque sua habilidade de corte não é lá grande coisa.

Aliás, não se importe também em utilizar componentes alternativos, como botões no lugar de fichas de madeira ou plástico, ou de pegar esses componentes emprestados de jogos que você já tenha em casa.

A LudensLab, gráfica e editora de jogos, também tem um kit para game designers com alguns componentes em branco, para você escrever ou colar adesivos sobre eles. E várias peças de plástico, como peões, dados, fichas e outras coisas, para você utilizar também. Dê uma olhadinha, isso pode te ajudar.

Depois que seu protótipo estiver pronto, teste-o. Mas teste-o não como um criador, e sim como um jogador muito exigente e detalhista. E teste-o sozinho, no que eu costumo chamar de “modo esquizofrênico”. O famoso “eu comigo mesmo”. Procure falhas e acertos, veja se as mecânicas casaram bem, ou se algo está dando errado. Conte o tempo de jogo, e veja se durante todo esse tempo você esteve entretido. Meça o grau de diversão, estratégia, sorte e outros fatores que considerar relevantes. Veja quais elementos ficaram desbalanceados e anote tudo, para poder arrumar isso depois.

Analise, com todo o cérebro e sem nenhum coração, se o protótipo pode evoluir e virar um jogo. Nem sempre isso vai acontecer, e talvez você tenha que mudar muitas coisas nele, engavetá-lo ou simplesmente desistir dessa ideia e partir para outra. Mas não desanime e continue criando.

Se achar que ele pode ir pra frente ou estiver em dúvida, colha opiniões de outras pessoas. Mas tente apresentar seu protótipo para pessoas mais críticas e que tenham plena consciência de que isso é só um protótipo.


Os passos 1, 2 e 3 que comentei aqui irão se repetir mais de uma vez, com um mesmo jogo. Você vai ter uma ideia, irá maturá-la e testá-la. Ela não estará perfeita, e você terá que pensar em soluções para consertar as coisas. Então vai criar um novo protótipo e testar mais uma vez. E repetirá isso, até que o seu protótipo fique bem mais próximo de um jogo. Daí em diante, você poderá fazer playtests abertos, apresentar o protótipo a mais pessoas e pensar mais no visual final do seu jogo.

Se você conseguir chegar nesse estágio de protótipo que falei, então você é um game designer. Espero que você goste do processo, pois trabalhar no que gostamos é sempre muito melhor. E espero que você tenha várias ideias e não apenas comece no game design, como também continue nele. Espero, também, que minhas dicas tenham ajudado em algo e que todo o tempo que você “gastou” lendo esses meus textos gigantes tenham valido a pena.

Como sempre, gosto de dizer que estou disponível para falar mais sobre game design com qualquer um que esteja precisando de algumas dicas. Não sou a melhor pessoa do mundo, mas garanto que te darei atenção e tentarei ajudar. Precisando, só me achar nas redes sociais.

Obrigada pela oportunidade e pela atenção. E que novos game designers surjam por aí, com várias ideias ótimas e jogos inovadores!

2 Comments

  1. Henrique
    18 de maio de 2018

    Essa série Aspirante a Game Designer tem sido muito útil e inspiradora! Recentemente, comecei um projeto com mais 2 amigos, todos de 1a viagem, e estamos muito animados, ainda que perdidos. Mas os artigos estão sendo um ótimo norte para nos guiar!
    Muitíssimo obrigado!

    Responder
    1. Roberto
      18 de maio de 2018

      Que excelente notícia, Henrique. Aproveita que vocês estão com fôlego e empolgados para já aprontar um protótipo e testar essa ideia!
      Abraço e sucesso.

      Responder

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