Lição #43: Cause uma boa primeira impressão

Depois de tanto investir em conhecer jogos novos e escrever sobre os jogos que conheço, eu tenho percebido o quão primeiras impressões são importantes. Na realidade, isso acontece com muita coisa na vida, mas não estamos aqui para filosofar. Estamos aqui para falar de Game Design. E vim tentar expor a importância da primeira impressão e como aumentar suas chances de melhorá-la com seus jogos.

Essa Lição foi inspirada pelo Desafio 100N, mais especificamente por conta do jogo Gnomopolis criado pelo Igor Knop e Patrick Matheus. Joguei Gnomopolis no Spa dos Jogos, junto com outros 30 jogos. Então, foi uma carrada de jogo e uma carrada de primeiras impressões. Muitas vezes o julgamento fica nebuloso ou o cansaço toma conta, mas tento fazer o melhor que posso para assimilar os jogos e aproveitar ao máximo a experiência. Gnomopolis é um Pool Building, estilo de jogo que eu praticamente abomino por conta dos Deck Buildings. Não suporto Dominion e seus vários “clones”. Acho todo jogo centrado em Pool Building contém ciclos de repetição que me deixam extremamente entediado. Não demora muito e eu ligo o modo automático e começo a jogar de qualquer jeito. Então, é bom ressaltar que eu, definitivamente, não sou o público alvo de jogos assim. Então, obviamente, não gostei do Gnomopolis e não tinha a intensão de jogá-lo novamente.

Como o universo de Game Designers brasileiro é pequeno, sou entusiasta e participo das comunidades de Game Designer no Facebook, termina que todo mundo meio que se conhece. Então, Igor Knop veio trocar uma ideia comigo sobre o assunto. Explicou a dinâmica do jogo e as possibilidades que não explorei. Depois da conversa, até estou topando uma segunda partida, mais para estudar do que por prazer, pois como disse: não sou fã do gênero. Resta uma cópia do jogo aparecer aqui pelo Cariri. Em todo caso, a parte importante é que ele comentou algo que é realmente extremamente válido: “Mas é a máxima: ter que explicar jogo é tão ruim quanto ter que explicar piada. já não têm muito conserto. A maioria dos jogos não tem uma segunda chance”.

Essa frase resume bem apenas uma das dificuldades do Game Designer nacional. Um jogo nacional que não proporcione uma boa primeira impressão, tem grandes chances de falhar por aqui.  Desde 2015, o processo de compra de jogo nacional é muito mais criterioso do que antigamente. Antes dos fracassos como Selene e Runicards: Dungeon, praticamente qualquer jogo nacional em financiamento coletivo atingia a meta. O público estava na ânsia por jogos nacionais e empolgados com tudo que saia. Por isso temos tanto jogo razoável (pra não dizer ruim mesmo) lançado antes de 2016. Não vinham tantos jogos para o Brasil ainda, apesar de já ter uma quantidade bacana chegando todo ano. Hoje em dia é bem diferente. O jogo nacional disputa com clássicos consagrados, lançamentos internacionais e o danado do hype. O negócio ficou realmente tenso. Termina que o jogo nacional é financiado por uma comunidade meio que fixa de Game Designers e entusiastas. Em alguns casos consegue-se força por conta dos Youtubers e essa parece ser a fórmula do sucesso. Com o jogo lançado, aí resta conseguir angariar mais públicos com o jogo realmente publicado e disponível em lojistas.

Afinal, é apenas após a publicação do jogo que as pessoas mais céticas vão conhecer o jogo. Vai jogar a cópia de um amigo ou em um evento ou em uma Luderia. Também é nesse momento que pessoas que não compram tantos jogos vão conhecer o jogo. Nem todo mundo tem uma coleção de 50+ jogos. Essa galera só compra o jogo que adora e que o grupo adora. Então, a primeira impressão é que vai garantir mais vendagem. Você leva um jogo para uma mesa de 4 jogadores que nunca jogaram. Imagina que a partida foi excelente. Dependendo do grupo, você pode ter ajudado a Editora a vender outras 3 cópias. Essa é a importância da primeira impressão. São tantas possibilidades de jogos que podem entrar na sua coleção que o requisito mínimo é pelo menos você jogar a primeira vez e gostar. Não é mais necessário extrair o máximo possível de um jogo que você acha mediano, pois existem outras opções para ir atrás.

Ok, Roberto. Você me convenceu que é importante meu jogo causar uma boa primeira impressão. Tudo bem. A questão é: como fazer isso? Bom, eu não sou nenhum gênio ou especialista em vendas de jogos ou em primeiras impressões. Entretanto, tenho algumas ideias que podem aumentar as chances do seu jogo ter uma boa primeira impressão. Nada testado e aprovado, mas acredito que tudo fará algum sentido.

Já foram 26 partidas de Troyes e toda vez preciso reler a descrição de algumas cartas. Eu até penso que a iconografia não é ruim, mas se não fosse eu já teria assimilado tudo.

Acredito que o primeiro obstáculo que qualquer jogador enfrenta são as regras. Portanto, tenha um bom manual. Como ter um bom manual? Faça Blind Playtest do bichano. O jogo precisa ser jogado corretamente na primeira partida, ou poderá estar fadado a falhar. Pior que jogar incorretamente, é o jogador desistir de jogar um jogo, pois o manual não ajuda. Isso acontece, não estou brincando. Tem gente que adquire tantos jogos que chega um momento que ela deixa de conhecer um dos jogos, pois não conseguiu assimilar o manual rapidamente. O manual é a porta de entrada pro seu jogo, se ele falhar, não importa o quão excelente seja o seu design. Existe uma opção para reduzir as chances do seu jogo bombar e que tem funcionado bastante hoje em dia: vídeos. Entretanto, vale a pena ressaltar: não crie seus próprios vídeos. Existem vários Youtubers que já fazem isso a alguns anos e com certeza vão conseguir fazer um trabalho melhor que você. Distribua seu jogo entre os de sua preferência com alguma antecedência, assim as pessoas podem inclusive usar desses vídeos para decidir comprar seu jogo. É bônus duplo: divulgação e material didático.

As barreiras para jogar seu jogo devem se manter no mínimo. Então, se você quiser deixar seu jogo iconográfico, faça um trabalho bem feito. Se sua iconografia precisar diversas consultas ao manual, até por quem estudou o jogo para explicar, existe um problema aqui. Como detectar isso? Blind Playtest novamente. Como corrigir? Você tem três opções: ou você vai precisar modificar exaustivamente até encontrar algo que funcione ou você encontra alguém extremamente capaz e profissional para fazer por você (não sei nem o quão viável seria isso, mas é uma opção) ou você desiste de iconografia e parte para texto mesmo. Sendo que ainda temos um problema: texto também pode gerar ambiguidades e complicações. Faça o máximo ao seu alcance para remover qualquer tipo de dificuldade textual, mesmo que isso acarrete você remover alguma carta do seu jogo. Sim, senhor. Uma carta não fará falta se ela prejudica a primeira impressão do seu jogo.

A percepção dos jogadores com relação ao seu jogo é muito importante. É mais importante você ter um jogo que parece ser balanceado do que um jogo que é de fato balanceado matematicamente mas não transmite esse balanceamento aos jogadores. A razão é bem simples: o jogador na primeira partida não conseguirá de fato avaliar o balanceamento do jogo friamente e com cálculos. Uma partida não é o suficiente para descobrir se um jogo é (des)balanceado, tirando alguns casos particulares. Então, o ideal é que você tenha elementos que pareçam balanceados. Como atingir isso? Ouça os Playtesters. Se algum elemento é constantemente apontado (por jogadores vencedores e perdedores) como forte demais ou fraco demais, ajuste-o. Por mais bem balanceado que ele esteja. “Ué, assim eu vou destruir meu trabalho e quebrar meu próprio jogo”. Não é para tanto. Pequenos ajustes não quebram um jogo e podem transmitir um sentimento de balanceamento muito poderoso. Não adianta estar tudo perfeitamente balanceado, se na primeira partida o jogador diz: “esse jogo tem uma estratégia vencedora, não faz sentido jogar novamente”.

Outro detalhe importante é que você precisa ter cuidado com o tanto de “inovação” você insere no jogo. Não gaste todas as suas ideias em um único jogo, ele ficará pesado para ser compreendido até mesmo por jogadores mais experientes. Se você for investir seu tempo em Game Design, existirão muitas oportunidades para inserir suas ideias em outros jogos. Como perceber que o jogo está cheio demais ou com dinâmicas muito complicadas? Dá para ver no Playtest quando os jogadores insistem em cometer os mesmos erros de regras ou permanecem perguntando sobre o mesmo sistema várias vezes. Se os jogadores não conseguem assimilar esses conceitos rapidamente com seu suporte e sua explicação (que deveria ser excelente). Imagine lendo do manual ou sendo ensinado por outras pessoas? É a receita para dar errado. É compreensível querer colocar o máximo de elementos interessantes no seu jogo, mas é preciso ponderar a dosagem ou você terá um jogo muito diferentão… Consequentemente, difícil de ser assimilado de primeira.

Resumindo: os Playtests serão seu campo de estudo para criar um jogo que cause uma boa primeira impressão. Resta você trabalhar para isso. Entretanto, tenha algo em mente: nem todos os jogadores são seu público-alvo. Saiba como colher esse Feedback para evitar informações de alguém que odeia o gênero ou que não tem idade o suficiente ou que simplesmente não está acostumado com jogos no estilo do seu (seja pelo peso ou pela dinâmica).

Para fechar, é importante ressaltar também para que você não fique bitolado pela primeira impressão perfeita. Isso pode transformar seu jogo em algo tão simples que se torne simplório. Então, fica o alerta para ter cuidado. Por hoje é só.

2 Comments

  1. Cássio Nandi Citadin
    15 de julho de 2019

    Fala Roberto!

    Sua introdução sobre o Gnomópolis e jogos brasileiros lembrou o texto do Ignacy da Portal Games onde ele critica os críticos de Cry Havoc por terem metido o pau no jogo após uma única partida (traduzido pelo Israel no nosso blog https://medium.com/spiel-des-djows/pr%C3%A9-julgamentos-on-mars-6a8ee3f81bb9). Aliás, excelente abertura sobre a concorrência do designe nacional X internacional/clássico/hype.

    Sobre Manual, para alguns pode ser que a vontade de jogar (pelo tema principalmente) faça a parte das regras mal escritas serem um pequeno detalhe. Já ouvi relatos de grupos que jogaram GoT Board Game com as regras quase inventadas na hora, algo tipo 80% house rules 20% regras de verdade. No meu caso, já deixei de jogar e vendi o jogo no dia seguinte por conta do manual péssimo.

    Essa coisa da iconografia, como vc falou é uma via de duas mãos. Alguns jogos se tornam muito simples pois as ações estão ali na cara do jogador, outros se tornam uma nova linguagem.

    Adoro essa sua Teoria do Falso Balanceamento haha

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    1. Roberto
      16 de julho de 2019

      Opa Cássio,

      Li esse artigo do Ignacy na época, o próprio Igor acho que foi quem compartilhou no grupo de GD no Facebook. O Ignacy me parece uma pessoa muito inteligente e com boas ideias, mas ele é meio que cheio dos direitos hehehehe O manual de Cry Havoc, por exemplo, é terrível. E o jogo tem dinâmicas estranhas, claramente inseridas como soluções de design para o jogo não quebrar na sua frente.
      Li rapidinho o artigo de vocês, e Vital Lacerda é o capeta. O cara parece que cria jogos para mostrar o quão inteligente é ou ele cai na armadilha do tema, pois como os jogos dele puxam muito pelo tema e são Euros ele entra no pior dos mundos: Euro Temático. Pra mim fica uma lambança. São jogos deselegantes e com exceções por conta do tema. Não joguei um jogo dele ainda que não tivesse alguma dinâmica complicada apenas pela complicação. Mas aí, entra a questão mais importante: ele tem vários fãs. Então, eu assumi que não sou o público alvo dele.

      Acho que os casos do manual pouco importar são raríssimos. GoT é um caso bem a parte, pois é um jogo claramente desbalanceado, cheio de exceções atrapalhando o andamento do jogo, mas que ainda assim encanta por conta da temática. A pessoa pode ignorar as exceções, pular umas regras que o jogo continua funcionando… Afinal, ele é desbalanceado mesmo, que importa as exceções das regras? hehehe Eu mesmo adorava as partidas e nem de perto é meu estilo de jogo.

      Criar uma nova linguagem com iconografia é um tiro no pé… Ao menos eu acho. Eu tive Earth Reborn e ele praticamente “escrevia” com iconografia. Era bem inteligente e até dava para você entender, mas no final das contas não dava para entender tudo. Então, todo aquele trabalho ia pro ralo quando você precisava consultar o manual e ler uma descrição de 5 linhas de uma habilidade que era só ícones.

      Eu acho interessante essa parte “psicológica” do GD. Apesar de não ter noção nenhuma teórica, eu tento fazer observações práticas hehehe

      Valeu pelo comentário, sempre bom interagir contigo. Abraço.

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