Mecânica #18: Closed Drafting

Já faz mais de um ano que não escrevo para essa coluna. Acho que fui desmotivando aos poucos com as mecânicas que fui fazendo. Fiz umas bem sem graça nas últimas postagens. Ou talvez foram só os ciclos que acontecem por aqui: em um momento saem dez postagens e em outros zero postagens de uma mesma coluna. Em todo caso, no início desse ano, comecei a postar na Ludopedia e perguntei se alguém tinha sugestões de mecânicas. E cá estamos nós com o primeiro pedido: Drafting. Assumi que era o Closed Drafting. Espero não ter errado. Obrigado pela sugestão, Vinícius.

Antes de começar, talvez fosse bom explicar a diferença da mecânica de hoje e de sua “irmã”: Open Drafting. Se você sabe inglês, já captou que uma é fechada e a outra é aberta, mas o que isso significa? Simples: em um você está vendo todas as opções e no outro apenas parte delas. Drafting, que não tem lá uma tradução boa, seria o ato de escolher algo de um conjunto específico. Quando fazemos o Closed Drafting, geralmente, cada jogador tem uma mão de cartas, escolhe uma (ou mais) carta(s) e passa pro outro jogador o restante de sua mão. Todos os jogadores fazem o mesmo, gerando uma espécie de carrossel de cartas na mesa. Já o Open Drafting, a informação é toda aberta, sendo assim é comum até ver outros componentes além das cartas, como dados por exemplo. Sabe quando você montava o time da pelada, escolhendo um jogador por vez alternadamente com o outro time? Isso é Open Drafting. Não vamos falar dessa versão hoje, mas quem sabe no futuro?

Ok, agora que você sabe o que é Closed Drafting e estamos focados nele, vou ficar me referindo à mecânica simplesmente por Drafting, para evitar a fadiga e por ser o termo mais usado mesmo. Com esse retorno da coluna, voltaremos também com os gráficos. Infelizmente, eu perdi os dados antigos, então tive que recoletar. Como faço isso na mão, peguei só três mecânicas dessa vez: Action Points, uma mecânica mais clássica e constante; Deck Building, uma mecânica recente que estourou; e, claro, Closed Drafting, a mecânica de hoje. Eis o comportamento:

Olha só, dessa vez botei 2021 – 2023. Claro que vão ter menos jogos, são menos anos, mas achei interessante botar informações o mais atualizadas possível. E sim, pelo gráfico Drafting “nasceu” com Fairy Tale (2004), mas nunca conseguiu uma explosão como Deck Building. Apesar de 7 Wonders (2010) ter feito a mecânica ganhar bastante popularidade, não foi a mesma coisa que o fenômeno causado por Dominion. Minha teoria é simples: Drafting não é uma mecânica com tantas possibilidades assim. Poucos jogos são o suficiente para criar um excelente escopo para a mecânica. Não se preocupe, vamos cobrir vários deles por aqui. Outro motivo para a discrepância do gráfico pode ser desatualização do BGG. Já que a mecânica foi inserida na última atualização, a base de dados ainda pode estar precisando que mais jogos sejam associados à mecânica.

No final das contas, Drafting ficou com quantitativos bem parecidos com Time Track. O que pra mim não faz muito sentido. Sempre achei Drafting mais popular. Então, resta achar que o BGG está desatualizado mesmo. Ou que é exatamente como eu falei: poucos jogos são o suficiente para popularizar a mecânica, sem necessariamente tê-la em muitos jogos. Se minha hipótese estiver correta, me dou dois tapinhas nas costas pela sagacidade.

Certo, passadas as reflexões iniciais, vamos ao que interessa, quais são os pontos positivos dessa mecânica?

  • Justo: a ideia do Drafting é permitir que os jogadores sejam menos reféns da aleatoriedade, pois no lugar de sacar cartas aleatoriamente, você está vendo elas e escolhendo-as (e passando pro oponente). Assim, se você tiver uma mão inicial magnifica, não poderá ficar com tudo e se seu oponente tiver uma mão inicial terrível, poderá conseguir melhores opções com o passar das cartas na mesa;
  • Simultâneo: devido sua estrutura de escolha escondida, Drafting é uma mecânica naturalmente simultânea, isto é, os jogadores podem tomar suas decisões ao mesmo tempo. Por isso, não é incomum jogos com essa mecânica irem até altas contagens de jogadores;
  • Interação: se bem implementado, o Drafting permite o que chamamos de Hate Drafting, trazendo interação para um jogo que antes poderia não ter. Então, você precisa sempre observar a mesa, para saber o que pode passar e o que não pode passar para seus oponentes;

E as desvantagens de usar Drafting? Existem? Onde vivem? O que comem?

  • Dessincronia: quem nunca jogou um jogo de Draft e faltou uma carta? Ou você recebeu uma carta a mais? Isso não é exatamente culpa da mecânica, mas sim de algum jogador que cometeu algum deslize; ou o camarada que distribuiu as cartas deu a quantidade errada para alguém. Sendo que se a mecânica aumenta a possibilidade de tais erros ocorrerem, a culpa é parte dela também;
  • Bengala: atualmente, tenho visto alguns jogos com trocentas cartas que usam Draft como uma maneira de balancear o jogo. Isso é Lazy Design na cara dura. Vai esperar que a mecânica conserte seu jogo? Ai ai ai, coisa feia. Tem uns jogos que vão além e disfarçam isso com uma “variante avançada”, então estão meio que dizendo: “nossas cartas são balanceadas, mas com o Draft fica ainda melhor”. Sim, não é culpa da mecânica, mas é um problema recorrente em seu uso;
  • Sorte: apesar dele servir para mitigar a sorte de um saque de carta comum, ainda há sorte no Drafting. Seja na mão inicial ou seja aquele momento que você escolhe uma carta e o oponente lhe passa exatamente o que você precisava, já que você só releva sua escolha depois de ter passado a carta. Dependendo de como as cartas do jogo forem montadas (em sua distribuição ou poderes), pode até ser pior do que sacar X e descartar Y;

Então, pelo visto, Drafting não tem problemas… Os problemas surgem com o mal uso da mecânica por jogadores ou Game Designers? Acho que isso meio que resume toda mecânica, mas sim… Eu não acho que o Drafting tenha algo intrinsecamente problemático. Ainda citei a sorte, mas isso faz parte de qualquer jogo com interação, saque de cartas e informação secreta. Que tal saber quais jogos usam a mecânica para vermos os problemas no mundo real?

Tableau de um dos jogadores em 7 Wonders

Vamos começar pelo gigante 7 Wonders (2010). Os jogos de Antoine Bauza não me agradam muito muito, pois acho seus jogos sempre com buracos no desenvolvimento: de modo geral possuem problemas de desbalanceamento bem claros e, eu diria, amadores. O que para mim é estranho, já que ele é bastante renomado e tem seu jogo saindo por editoras enormes. Claramente eu devo estar errado e, claramente, eu sou uma minoria. Seus jogos agradam muitas pessoas e recebem, inclusive, diversas premiações. 7 Wonders é um desses, um jogo extremamente popular que joga de 2-7 jogadores, recebeu tanto prêmio que nem cabe na caixa direito o tanto de ícone, incluindo o maior do mundo: Kennerspiel Des Jahres. O jogo é realmente interessante e foi um marco para a mecânica, tanto é que existem vários “clones” do 7 Wonders. Acredito que foi esse jogo que popularizou a mecânica. Bom, ao menos o tanto quanto pode. E não foi pouca coisa. Ok, mas qual as falhas de 7 Wonders? E quais as coisas boas? Vamos começar pelo ruim logo: ele usa o Draft como “correção” para o sacar aleatório, isto é, tentando diminuir a sorte e aparentar maior controle aos jogadores, mas é tudo ilusório. Como são vários tipos de cartas, é bem possível que a carta que você deseja nunca chegue até você e que a sua mão inicial não tenha muita coisa do seu interesse. Isso é incontrolável, eu sei, talvez fosse resolvido por uma distribuição diferente das cartas. Um fator misto, mas que termina sendo negativo é a guerra. É bom, pois insere interação que não seja apenas pelo Drafting, mas é ruim pois envolve apenas seu vizinho. Isso deixa a interação artificial e localizada. Eu entendo os motivos, se você fosse interagir com todos da mesa, uma partida com 7 jogadores seria bem ruim de manejar. Só que é aí que entra o exagero de 7 Wonders: essa quantidade de jogadores é forçada. Segundo o BGG, o jogo funciona melhor de 4-5 jogadores, e eu diria que estão certos.

Foram em cima desses problemas que acho que Phil Walker-Harding se inspirou para criar Sushi Go! (2013). Mais um jogo famosão e adorado. Tal qual 7 Wonders, temos aqui um Drafting em três rodadas, um número mágico e que funciona bem: dois é pouco e quatro seria demais. Eu diria que Sushi Go! é praticamente um 7 Wonders Junior. Elimine os tipos de cartas e coloque simplesmente cartas com maneiras diferentes de pontuar. Para que recursos? Simule esse acumulo com cartas que precisam de múltiplas cópias para pontuar. Disputa apenas com os vizinhos? Não, vamos disputar contra todos na mesa usando cartas de fácil contagem e visualização. Você acha que apenas pontuação à cada rodada é muito imediatista? Insira, então, um aspecto de longo prazo: pudins como sobremesas. Bicho, essa sacada do pudim é genial, além de temática é o tipo de pontuação que tem impacto no final do jogo sem ser desbalanceada, deixando os jogadores atentos e interessados na sobremesa. Eu não acho Sushi Go! um ótimo jogo, mas é mera questão de gosto. Eu acho que ele tem muitos méritos e é extremamente bem bolado. Não diria que é inovador, mas atende bem a sua proposta e seu público. Quer fazer um jogo de Draft levezinho? Você precisa jogar Sushi Go! para saber o que é um produto bem feito. O balanceamento aqui não é perfeito. Veja só os Nigiris valendo 1, 2 ou 3 pontos, claramente desbalanceado. O negócio é que esse desbalanceameto serve para criar decisões interessantes. A decisão surge no momento que existe o Wasabi que é um multiplicador (algo que sempre deixa a pessoa animada). Aí você pode pressionar sua sorte com o Wasabi. Baixei um Wasabi no turno anterior, agora boto esse Nigiri de 2 ou espero o de 3? Vai que só chega um mísero Nigiri de apenas 1 ponto? Ou pior ainda, não chega mais nenhum e baixei o Wasabi a  toa? É uma dinâmica que vale a pena existir, apesar da contra partida do desbalanceamento. Resumindo: Sushi Go! tem várias coisas inteligentes acontecendo e de uma maneira acessível.

Dois outros jogos que seguem a fórmula do 7 Wonders, mas que não tiveram o mesmo alcance do Sushi Go!, são It’s a Wonderful World (2019), que deixa tudo mais simplificado e adiciona umas possibilidades de combos; e Paper Tales (2017), que é bem parecido, só que são 4 rodadas em vez de 3. O jogo tem até o combate com vizinhos, recursos e vários aspectos inspirados diretamente no 7 Wonders. A diferença reside em um esquema que tem surgido cada vez mais com a “evolução” da mecânica: você não baixa a carta assim que pega ela, como em Sushi Go! e 7 Wonders. Aqui você forma uma mão e decide quais usar posteriormente. Isso é interessante, mas demonstra cada vez mais a real motivação de usar Drafting em um jogo: balancear o jogo dando mais oportunidades de escolha dos jogadores sobre as cartas. Ambos os jogos costumam entrar em promoção. Acho que isso serve de demonstração que Drafting (em sua implementação mais crua) é um território difícil de se entrar com algo marcante e, por isso, não existem tantos jogos assim já que a disputa é com jogos premiados e consagrados.

Duas cartas de mesmo custo, só que uma muito mais fácil de “cumprir” (qualquer quantidade de ratos dá pontos), enquanto que a outra precisa de uma quantidade bem específica e tem a mesma proporção em pontos (2 por rato). Existem casos similares em outros aprendizados (objetivos) do jogo.

Então, para tentar entrar no mercado com algum jogo que use a mecânica, você precisa de mais. E é isso que Isle of Cats (2019) faz tendo várias fases distintas e o foco do jogo está nos poliominós. O problema é que o uso do Drafting é para realizar um balanceamento postiço. O jogo é claramente desbalanceado em suas cartas, é só ver o exemplo ao lado. Ao conhecer o jogo e tendo contato com essas cartas nas primeiras partidas, eu achei bem irritante e considero uma falha de design bem grave, pois é causada unicamente pela preguiça. Não é possível que os desenvolvedores não tenham percebido que era desbalanceado tanto matematicamente quanto na percepção e sentimento dos jogadores. Eu, por exemplo, me sentia beneficiado ao pegar a carta mais fácil e meu oponente pegar a carta mais difícil, assim como me sentia prejudicado no caso contrário. Só que o jogo tem mais do que o Drafting e tem mais do que essas cartas. O que o deixa divertido, apesar das falhas descaradas no balanceamento. Ah, uma boa ideia no Drafting aqui é que você escolhe duas cartas em vez de apenas uma. Quem nunca recebeu uma mão de cartas em um jogo de Drafting e queria manter mais de uma? Essa ideia não é novidade do Isle of Cats. Sushi Go! é tão inteligente que insere uma carta que faz exatamente isso (você baixa ela na sua mesa e no futuro você retorna ela para mão e baixa duas em vez de apenas uma), sim tive que falar de novo dele, me surpreendo como a simplicidade está presente ao mesmo tempo que existem tantos elementos interessantes.

Outro jogo que usou esse esquema de pegar duas cartas em vez de uma é o Capital Lux (2016). A priori você pode achar que o Draft é só mais uma maneira de deixar o jogo mais justo, mas não é só isso. Como é de extrema importância saber quais cartas e quais valores estão na mesa, o Drafting serve como uma “previsão” do que poderá ser jogado naquela rodada. Insere um elemento de memória que geralmente não gosto, mas aqui é tão interessante que eu perdoo. Como o jogo é muito interativo e os jogadores tem impacto direto nas jogadas uns dos outros, você vai perceber que terá impacto sim pegar uma carta com valor 4 ou com o valor 5 de um determinado personagem. Essa escolha poderá ser a diferença entre conseguir a maioria entre todos da mesa mas também não passar do limite estabelecido pela capital no centro da mesa. Se você nunca jogou Capital Lux, recomendo, é uma lição de Game Design, fora ser um carteado muito bom com várias mecânicas muito bem integradas.

Citadels tem muitos defeitos, como essa carta que só deixa o jogo mais lento e com um Take That muito sem graça. Mas a parte do Drafting é bem resolvida.

Dando uns bons passos para trás, precisamos falar de Citadels (2000) que usou Drafting antes de ser modinha e antes de ser uma metodologia de escolha com várias mãos de cartas circulando na mesa. Então, no jogo, vai ter só uma passada de cartas, você vai escolher uma e pronto. A quantidade de cartas, obviamente, vai diminuindo dependendo de quando for sua vez. Essa dinâmica até que funciona bem e é inteligente, já que Citadels é um Draft com informação secreta e dedução. É interessante que o jogo é diferente o suficiente para ser jogado até hoje e não ter nenhum outro jogo que o substitua. Talvez por ser um jogo com muitas particularidades, ninguém quis arriscar enveredar por esse caminho. Eu não gosto do jogo, na realidade vejo vários problemas, mas essa parte do Drafting faz completo sentido e é perfeitamente encaixada no fluxo do jogo. Um jogo que faz algo similar é o Mafia de Cuba (2015), mas é um jogo completamente diferente e nem possui a mecânica Closed Drafting listada no BGG.

Como já comentei no começo, tem os jogos que botaram Drafting só para balanceamento e dar mais controle. Tem uns bem famosos e queridos. Vou citá-los aqui mas acho a implementação mais pobre da mecânica. Um que utiliza como variante para jogadores experientes é o Terraforming Mars (2016), toda rodada você faz um Drafting para definir as cartas que vai receber naquela rodada. Devo admitir que faz sentido aqui, pois usando Drafting você vê mais cartas do que simplesmente sacar uma quantidade de cartas pré-determinada. Como o jogo tem várias cartas que combam umas com as outras, essa possibilidade de ter acesso à uma mão “virtual” maior permite um jogo mais estratégico. O problema é que aumenta a duração da partida consideravelmente, já que você precisará ler uma reca de carta e escolhê-las com sabedoria. Muitos anos antes, teve o Agricola (2007) usando Drafting, também com o propósito de conseguir sinergia, mas feito de maneira diferente. Os jogadores montam sua mão de cartas para a partida inteira no começo do jogo, acho isso exagerado demais. Apesar de soar extremamente estratégico, ainda pode acontecer azar e sorte. Isto é, você não pegar nenhum combo interessante ou terminar com uma mão toda sincronizada para jogar durante a partida. Eu não gosto do Agricola por duas razões: você fica brigando contra o jogo, em vez de contra seus oponentes; e essas cartinhas são muito desbalanceadas e você fica meio que refém delas para que seu jogo flua bem ou mal. Em Newton (2018) acontece algo similar a Agricola, mas com um impacto menor. Você faz também um Draft no começo da partida para personagens que terá acesso durante a partida. Eles podem ditar um pouco sua estratégia, mas são mais um bônus do que algo extremamente necessário para vencer ou se sair bem na partida. Já Imperial Settlers (2014) é um daqueles que coloca a mecânica meramente como auxiliar na distribuição de cartas na mesa. Você tem seu baralho de civilização exclusivo, mas existe um baralho de cartas gerais que você faz um Draft para aumentar a diversidade de opções.

Alguns desses jogos geram um resultado final bem bonito e agradável.

Sim, existem várias maneiras de usar Drafting, termina que conseguimos pensar em padrões de uso da mecânica. Uma onda que rolou foi a união de Drafting com Tile Placement. Acho que o raciocínio foi: por que não usar tiles em vez de cartas? E assim surgiram jogos como Between Two Cities (2015) e Fields of Green (2016), Among the Stars (2012), Best Treehouse Ever (2015) e Ancestree (2017). Que se você conhece, alguns deles são cartas mesmo, mas se “comportam” como tiles, isto é, existe encaixe entre elas na mesa e o posicionamento importa. Eu acho essa ideia bem boa, já que um dos problemas de Carcassonne é justamente a sorte. Então, com o Drafting, nesse caso eu acredito que você diminua um pouco esse fator. Não é que os tiles sejam desbalanceados, mas que existem tiles bons para você e tiles bom para seu oponente, dependendo do que vocês estão montandoe e de como estão montando. Então, o Drafting meio que deixa todo mundo feliz. Ou não, sempre tem um desgraçado pegando as peças que você gostaria. O que eu acho legal, pelo menos é um jogador que está interagindo e não apenas o jogo que está lhe podando.

Acho que tá bom de jogo, né? Ou não… Vamos falar de mais alguns só para não reclamarem que não citei. Blood Rage (2015) é mais um desses que usa Drafting para mitigar a sorte e propiciar combos/sinergias. Bem similar à proposta do Isle of Cats nesse sentido, mas o jogo por si só é bem diferente, por ser um Controle de Área. Um outro numa linha similar, mas não tanto, é o Bunny Kingdom (2017), digo similar por ter um Controle de Área. Só que eu acho o Bunny Kingdom extremamente problemático no balanceamento. Tem cartas que servem de multiplicadores x1, x2 ou x3. Eles balancearam a x3 dando restrições de posicionamento, mas x1 e x2 são simplesmente desbalanceadas na cara dura. Pior, que uma é o dobro da outra, deixando o negócio ainda mais perceptível e frustrante.

Acho que falei demais sobre os jogos dessa vez, mas quis cobrir as vária possibilidades do Draft. Ah, calma, antes de fechar deixo aqui a menção honrosa do clássico Magic: The Gathering (1993), que provavelmente introduziu a mecânica muito antes dos jogos de tabuleiro para fazer campeonatos com boosters abertos na hora. O que quis mostrar com os vários exemplos é que apesar do Drafting ser uma mecânica bem comportada (fixa e sem tantas opções de variação) ela tem pequenas nuances que podem trazer uma diferença impactante no jogo. A mecânica pode estar lá apenas como algo superficial ou pode ser o detalhe que faz o jogo brilhar.

Não é uma foto do Magic (claramente), mas é do Bunny Kingdom, que também foi criado por Richard Garfield. Jogo bem bonitinho e vistoso, mas com alguns problemas de balanceamento e sorte.

Então, agora chegou o momento da verdade. Você quer usar Drafting no seu jogo? Vou já começar com um alerta: cuidado com a armadilha. Alters inicialmente tinha Drafting para que os jogadores tivessem mais opções das habilidades. Com mais opções, é esperado que você consiga habilidades que combinem com o desenho que você precisa fazer. Só que isso adicionava uma fase que só aumentava a complexidade do jogo, sem realmente adicionar tantas opções assim. Não é todo mundo que conhece a mecânica, vai ser mais uma coisa que você precisa explicar no manual, vai ser mais uma coisa que os jogadores vão precisar compreender e vai ser mais uma coisa que vão precisar fazer antes de iniciar realmente a jogar. O ideal é simplificar essas coisas. Então, removi. E para dar mais opções aos jogadores, simplesmente coloco para ele sacar mais cartas e descartar. Simples, direto e funcional. O bom é que desse jeito consigo fazer o mesmo com a escolha dos desenhos. Eu não podia colocar os desenhos como parte do Drafting, pois são secretos, mas apenas comprando e descartando só o jogador vê. Assim, o jogador pode fazer a melhor combinação de habilidades e desenhos! O que quero dizer com tudo isso? Reflita para ver se você realmente precisa da mecânica no seu jogo.

Tendo em vista que você realmente precisa e quer usar, geralmente você já sabe onde vai inserir, mas vou descrever alguns dos momentos possíveis:

  • Início da partida: só recomendo para jogos mais estratégicos. Alters estava fazendo dessa maneira e nem de longe é um jogo estratégico. Eu já estava querendo, antes da partida começar, que o jogador tomasse decisões para toda a partida. Não que elas fossem incrivelmente difíceis, mas cria uma dissonância com um jogo tão leve. Além disso, mesmo que seu jogo seja estratégico, seria bom a opção de jogar a partida sem isso ou, se você não confiar na aleatoriedade do baralho, você ter um Setup padrão para iniciantes.
  • Toda rodada: esse é o mais padrão, provavelmente você está no caminho certo da implementação, mas saiba de alguns detalhes: i) seu jogo terá mais decisões táticas que estratégicas, se for isso que quer, ótimo, se não, é bom rever; ii) tente inserir a possibilidade de interação, isto é, leitura fácil da mesa para saber o que os oponentes precisam, possibilidade de mudança de foco no meio da rodada e cartas com sinergia; iii) evite texto ou informação excessiva na carta, caso contrário, toda rodada os jogadores vão ler várias habilidades e isso pode ser cansativo.
  • Ocasional dependendo de certas jogadas: inserir uma mecânica para algo ocasional no jogo me parece como a pior opção possível. Eu entendo o uso, mas eu diria para fugir disso. Quer usar ainda assim? Ok, mas dê impacto na mecânica, isto é, já que alguns jogadores vão ter mais informações que os outros, faça essa informação ser útil para algo (marcar o oponente, saber o que virá no futuro, etc). Caso contrário, só virou um saque de cartas com frufru.

Em todas as opções, não se esqueça de jamais tentar se aproveite da mecânica para inserir cartas desbalanceadas. Você não é famoso como Antoine Bauza para que as pessoas ignorem e ainda ser premiado.

Acho que eu não preciso explicar sobre o Drafting em si, os exemplos já meio que fizeram isso. Só lembrando que você pode mudar a quantidade de cartas escolhidas por rodada, pode ser uma, duas ou três (talvez três seja demais). O motivo de você aumentar a quantidade é para inserir mais liberdade de escolha (aumentando a chance de sinergias) ou para agilizar o processo, qualquer uma das duas justificativas são válidas. Você também pode optar por ou já baixar a carta de imediato ou formar uma mão para usar depois. Essa escolha vai depender do que você quer fazer no jogo, a segunda opção fica reservada para jogos mais complexos ou que a ordem das cartas tenha impacto significativo na partida. Devem ter outras opções, mas já faleiescrevi demais.

É isso pessoal. Demorou, mas tivemos mais uma mecânica apresentada por aqui. Espero que tenha sido útil. Seja para incrementar sua biblioteca mental de jogos ou para lhe dar alguma dica de como implementar a mecânica no seu próximo jogo.

4 Comments

  1. Thiago Guido Vieira Ribeiro
    16 de fevereiro de 2024

    Ótimo texto!!!
    Curto bastante a mecânica de Draft. Amo 7 wonders e gosto do draftosaurus e sushi go. Dos mais pesados, acho que ela funciona bem no agrícola e TFM.

    Responder
    1. Roberto
      17 de fevereiro de 2024

      Opa Thiago, obrigado pelo elogio.

      Eita, me esqueci completamente do Draftossauros, por alguma razão fiquei na cabeça que ele era Drafting Aberto. Acho que pelos componentes, não me lembrava que a gente mantinha os dinossauros escondidos.

      Responder
  2. Vinícius Raio
    20 de fevereiro de 2024

    mto legal, gostaria de ver sobre o drafting aberto tbm! adoro troyes e sei que você também! talvez ele merecesse uma análise só dele kkkkkkkk

    penso o mesmo sobre o citadels, ele tem seus méritos mas eu não gosto do jogo, muito demorado para um jogo teoricamente simples.
    Mas o mérito dele é único, a dedução e a tensão por não saber o que seu oponente viu nas cartas antes de você no draft é maravilhoso, diferente de outros drafts os últimos jogadores tem menos informações.

    Responder
    1. Roberto
      21 de fevereiro de 2024

      Olha ele aí! hehehehe

      Vamos ver se sai esse Drafting Aberto. ;D Troyes é bom demais.

      Sim, o uso do Draft no Citadels é muito bom. Pena que o jogo tem esses Take That esquisito. Mas com a expansão melhora, dá pra trocar uns personagens e tals.

      Responder

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