Mecânica #5: Time Track

Agora temos uma mecânica que eu considero específica demais, mas que eu gosto bastante. Talvez eu não goste de alguns dos jogos que utilizem, mas o fator nunca é a mecânica de Time Track em si, são outros fatores totalmente distintos. Talvez você não faça ideia do que se trata a mecânica e não vou explicar no comecinho, pois é uma que realmente pode se beneficiar de uma definição/explicação mais detalhada. Adianto que não tem nada a ver com viagem no tempo (na verdade tem… acho?).

Novamente, mais alguma especulações. Se você tem acompanhado a coluna Engrenando, sabe que em alguns instantes teremos um gráfico. Pensando na mecânica de hoje, eu chutaria que a quantidade de jogos seria menor do que Worker Placement, que é o jogo com menos jogos até o momento. Estou chutando assim, pois, assim como Worker Placement, a mecânica de Time Track é muito o enfoque do jogo, uma mecânica meio que primária e em destaque. Existem outras mecânicas orbitando, claro, mas ela será responsável ou pela Seleção de Ações ou pela seleção de algum elemento muito importante na partida (Cartas, Tiles, ou seja lá o que for). Outro fator que pesou, é que raramente vejo jogos com essa mecânica. Ao contrário de Worker Placement que parece que todo dia sai um novo. Estou bem confiante que acertei, talvez possa até soar como uma mentira e que preparei o gráfico antes, mas não é…

Nossa, foram tão poucos jogos que removi Set Collection do gráfico para poder deixar Time Track visível. Acertei com louvor a previsão, mas é aquela, pelo visto era fácil demais ter acertado. Apenas 4 jogos entre 2001 e 2005? Bem pouco. O jogo mais antigo registrado no BGG é George Blanda’s Monday Nite Touchdown (1972), só pelo nome já dá para ver que é um jogo ruim. Só uma pessoa deu nota, o que levanta ainda mais suspeitas. Bom, o primeiro jogo que reconheço é o Neuland (2004). Esse talvez alguns de vocês saibam que existiu. Fato curioso (ou não) é que botaram um Imagem & Ação: No Limite (2008) com essa mecânica. Me considere intrigado. Tou achando que quem cadastrou achou que Time Track era apenas um jeito chique de dizer que o jogo tinha ampulheta. Será? Deve ter sido, já que não tem a mecânica Real Time lá, que seria provavelmente a correta. Agora, cá estou eu vendo um vídeo no Youtube para confirmar. É, tem nada a ver com Time Track. Hoje estou bom nas induções.

Certo, mas o que danado é Time Track? Basicamente, você vai ter uma linha do tempo, que geralmente vai parecer bastante com uma trilha de pontos, mas não é. Os jogadores todos iniciam no começo dela, novamente, como uma trilha de pontos. E vão avançando nela no decorrer da partida, novamente, como uma trilha de pontos. A diferença, é que essa linha do tempo não marca pontos, mas sim o tempo. Óbvio. Como assim o tempo? Cada pino estará em tempos distintos durante a partida, de modo que o pino mais “atrás” na linha do tempo será o jogador da vez. Isso permite, por exemplo, que um jogador jogue vários turnos seguidos, caso ele permaneça realizando ações com baixo custo de tempo. Vamos para um exemplo do mundo real. João e Maria receberam umas tarefas para fazer em casa e foram lá fazer, sendo que João gosta de focar e fazer tudo de uma vez, enquanto Maria fica fazendo pequenos pedaços. Então, é a vez de João escolher algo para fazer, ele escolhe… Fazer o almoço e aí ele fará tudo: arroz, feijão, carne, etc. Isso vai lhe custar 10 unidades de tempo. Ele avança na linha do tempo e é a vez de Maria. Maria escolhe lavar um prato. Isso custa apenas 1 unidade de tempo. É a vez de Maria novamente, ela escolhe passar uma camisa, custa mais 1 unidade de tempo. É a vez de Maria novamente… E assim vai, até que finalmente Maria faça uma ação que ultrapasse o marcador de João na linha do tempo. Aí, finalmente é a vez de João agir novamente. Acho que deu para entender. Se não deu, vai sem entender mesmo. Sendo assim, termina que a mecânica de Time Track é bem notável no jogo, já que o gerenciamento desse tempo está intimamente ligado à algo importante no jogo. Seja a realização das ações em si, seja na obtenção de algum recurso necessário para ganhar pontos. Quando chegar na parte dos exemplos vamos ver os vários casos.

Talvez você já esteja pensando sobre o que de bom tem nessa mecânica e já esteja vislumbrando algo. Quem sabe já veio a mente aquele jogo que você conhece que possui a mecânica e suas qualidades. Bom, eu consigo pensar em alguns aspectos positivos…

  • Representação visual: é muito bom saber de quem é a vez sem precisar perguntar a ninguém na mesa ou sem precisar de algum marcador para indicar o jogador o jogador da vez. Afinal, quem estiver mais atrás na linha do tempo é o jogador da vez. E, além disso, sempre que este jogador terminar o turno ele precisará mover seu marcador. Então, temos aspectos visuais e físicos  bem definidos de início e fim de turno. Dá para perceber o fluxo da partida, mesmo que você esteja desligado. Inclusive, o fato do turno ser mutável e você não ter plena certeza de quando irá jogar lhe mantem engajado na ação do oponente para saber se ele vai passar de você ou não.
  • Tática embutida: existe um ligeiro controle no seu turno e no turno alheio. Isso é algo bem diferente e inovador, além de proporcionar decisões bem importantes. Na maioria dos jogos o turno vai rodando de um mesmo jeito, ou talvez você tenha a opção de reestruturar para uma próxima rodada. Aqui o conceito de rodada não existe e os turnos não possuem nenhum padrão. Esse controle lhe dá algumas opções. Ou você pode fazer algo simplório e agir de imediato, evitando que seu oponente faça uma ação que você não gostaria que ele fizesse, ou pode simplesmente fazer uma ação gigante e ficar na torcida.
  • Balanceamento Matemático: tal qual Set Collection, aqui é bem fácil realizar um balanceamento matemático. Bom, bem fácil é um exagero, pois balanceamento por si só é complexo. Entretanto, é muito mais fácil dar um peso variável para cada ação do que criar ações distintas com o mesmo peso (como é o caso de um Worker Placement, por exemplo). Incomparavelmente mais fácil. Basta olhar para os Card Games competitivos, eles vão ajustando os custos e isso torna tudo mais direto.

Lógico que uma mecânica diferentona teria seus problemas também. Eu não acho que são muito graves, mas claramente alguém acha. Digo isso, pois imagino que se gostassem da mecânica veríamos cada vez mais jogos. Lá no gráfico teve uma pequena estourada na 3ª faixa de tempo, mas depois meio que estabilizou. Pena. Eu, particularmente, gostaria de ver mais jogos com Time Track, mas devo ser uma exceção.

  • Fiddly: querendo ou não, ser diferente e pouco utilizada tem seus problemas. Time Track não tem metodologias universais de Ordem de Turno no caso de empate e isso é um problema. Cada jogo trata de um jeito, em alguns é o pino que chegou antes, em outros é o pino que chegou depois e ainda tem a opção de ser aleatório. Claramente a melhor opção, ao menos no sentido lógico seria o pino que chegou antes ter prioridade, mas isso não ocorre em todos jogos sabe-se lá a razão. Talvez a manipulação dos pinos abaixo seja pior? Se for isso, acho bobagem. Outro problema é quando o jogo é muito grande para aplicar a mecânica, isto é, no seu turno você faz 2 ou mais ações e isso acarreta em várias caminhadas na linha do tempo diferentes. Aí os jogos usam um pino fantasma para simular sua caminhada para só depois você andar.
  • Tempo injusto: existe uma razão para os jogadores terem turnos em uma rodada, uma delas é para evitar desbalanceamento no tempo de jogo de cada jogador. Como assim? Se eu tenho um jogo de 2 horas com 4 jogadores, eu gostaria que cada um “jogasse” por 30 minutos, no mínimo. Também queremos que em um jogo com 20 rodadas com 4 jogadores, cada jogador jogue 20 turnos. Nenhuma das duas afirmações funcionam com Time Track. Isso é um problema, pois o jogador pode se frustrar na partida e se sentir pouco recompensado por tomar ações custosas, mesmo que isso lhe dê a vitória no final. Fica aquele sentimento de: ganhei, mas mal joguei.
  • Downtime: o problema acima se estende, pois além de você jogar menos, a maneira como o Time Track é feito pode fazer com que você também espere muito para jogar. Em uma mesa com 4 jogadores, em vez de você jogar e esperar 3 turnos para jogar… Você pode esperar 6 turnos ou 8 turnos ou 15 turnos. Tudo vai depender do quanto de tempo seus oponentes estão gastando.
Gnomos no corre-corre para resolver os problema do submarino.

Então é isso, por mais interessante possa parecer o Time Track, ele tem alguns vícios que ainda precisam correção. Talvez nunca cheguem essas correções, pois vários dos problemas são da natureza da mecânica. Entretanto, mesmo assim, gosto dessa danada. Eu quis conhecer Neuland (2004) apenas por essa razão, mas o jogo peca na parte do Fiddly. Em excesso. É um jogo bem simples e fácil, mas diferentão demais para se tornar claro numa primeira partida. Imagine um jogo com Time Track mas que você encadeia as ações? É pedir para dar errado. Segundas partidas geram uma experiência bem superior, mas ainda assim dá para sentir que as engrenagens faltam óleo. Red November (2008) eu também só comprei pela mesma razão: ter Time Track. O interessante é que também é um jogo cooperativo. Aguardando por mais jogos assim (cooperativos e com essa mecânica). O problema aqui são vários. Primeiro que no seu turno você faz uma carrada de coisa, consequentemente o pino fantasma existe e é um saco. A sacada de usar o tempo como recurso para gerar uma dificuldade de rolagem parece genial, mas não é. Entendeu nada? Bom, vamos lá. A dinâmica aqui são gnomos andando em um submarino e consertando os problemas que aparecem. Para consertar algo você rola um dado, se não me engano de 10 faces, e a dificuldade que você precisa atingir depende do tempo gasto. Isto é, se você gastou 4 de tempo, você resolve tirando 4 ou menos. Se gastou 10 de tempo, você nem precisaria rolar o dado. O problema disso é ser tudo ou nada. Então, você investe 8 de tempo e falha? Deu ruim DEMAIS. Em Caps Lock para ilustrar o quanto deu ruim. Termina que a vitória no jogo é muito enviesada pelo elemento de sorte e pouquíssimo para o elemento estratégico e tático.

Jogador amarelo acabou de realizar uma ação que foi posicionada no final de tudo (espaço mais à direita da tela). Agora é a vez do jogador azul, pois está mais atrás. Se ele fizer uma ação após o amarelo e o jogador verde também, o vermelho poderá realizar as próximas três ações antes do amarelo sem nenhum prejuízo. Logo, não há razão para não fazê-lo.

Acho que esgotei meus maus exemplo de implementações da mecânica. Eu odeio Tokaido (2012), mas acho uma excelente implementação da mecânica em si. O problema da ordem é resolvido com uma linha do tempo com espaços em cada ponto. Assim, o jogador que chegou antes agirá antes, como diz a lógica e Leis da Física. Meu único problema aqui é apenas a trava que acontece em momentos no jogo, forçando os jogadores a irem em um espaço em específico. Não é um problema gritante, mas tira em parte a liberdade do jogador. Em todo caso, eu não saberia como resolver sem retirar um dos aspectos que mais gera pontuação no jogo. Meus problemas com Tokaido são outros, em especial balanceamento. Mas aí não é novidade para o Antoine Bauza. Talvez eu pudesse citar também o Glen More (2010) como algo no meio do caminho. Aqui você não realiza ações com a mecânica, mas adquire Tiles. Sendo assim, o problema aqui está na aquisição excessiva de Tiles. Isto é, se um jogador sair correndo, você pode pegar vários e vários Tiles, enquanto ele pagou apenas um. O jogo balanceia um pouco isso, então não é um problemão. Inclusive, me lembrei de um jogo do mesmo autor e que usa a mesma dinâmica, só que para selecionar ações: Kraftwagen (2015) Aí sim, vira um problemão. Afinal, com Tiles excessivos você pode dar uma penalidade, mas por ações excessivas? Veja bem, não é um problema em um jogo de Time Track o jogador fazer várias ações de custo menor (em tempo) que a do outro jogador. Isso faz parte da mecânica e do balanceamento. O problema de Kraftwagen é que todas as ações tem peso igual, o Time Track não é implementado como um recurso de tempo, mas apenas como uma janela de oportunidades. Isto é, se você andar muito para frente você pega o que queria, mas deixa passar outras ações igualmente importantes. Não faça isso no seu jogo. Cria um sentimento de jogo travado, pois os jogadores raramente vão querer avançar demais, para não dar muitas ações de graça ao oponente.

Francis Drake é uma mistura de Worker Placement (apenas um pino por espaço) e Time Track (você nunca pode realizar ações posicionadas antes).

Deixando os bons exemplos para o final. Thebes (2007) e Thebes: Tomb Raiders (2013) são jogos que usam muito bem a mecânica. Em especial o segundo. Basicamente, você gasta tempo para coletar cartas ou jogar cartas. Ponto. Simples, direto e balanceado. Uma boa maneira de realizar Seleção de Cartas de um jeito interessante que não seja o já manjado Drafting ou simplesmente compra cega. Francis Drake (2013) faz algo similar ao Kraftwagen, mas corretamente. O problema de Kraftwagen é que você tem um loop de ações que quando você faz uma delas, ela vai para o final do ciclo. Então, as ações ficam nesse fluxo constante. Em Francis Drake temos a mesma ideia, só que sem o loop. Você tem uma linha do tempo com as ações daquela Época (são três épocas o jogo, salvo engano) e o jogador que avançar demais, nunca realizará as ações mais atrás na linha do tempo. Portanto, há uma excelente abertura para táticas, planejamento, blefe e leitura de mesa.

Não poderia esquecer também de Patchwork (2014), que usa o tempo como mais um recurso. Então, para adquirir os Tiles você paga uma quantidade de botões (as moedas do jogo) e tempo. Simples e funcional. O jogo ser de 2 jogadores apenas proporciona partidas disputadas e que cada ação é realmente importante. Se não conhece, dá uma olhada, é uma excelente implementação da mecânica. Único aspecto dúbio é, novamente, no caso do empate o pino que está em cima agir. Como é um jogo para 2 jogadores, não vou reclamar muito, pois as oportunidades serão bem similares disso acontecer.

Foram poucos exemplos? Pareceu, mas talvez nem tenha sido. Nas outras mecânicas eu escolhi alguns dos jogos. Aqui eu botei quase todos que eu conhecia. Mas como usar? Falando por cima, pois as opções são vastas.

Primeiro passo é definir para que servirá o Time Track. Ele sempre irá definir a Ordem do Turno, claro, mas que mais ele irá definir? Será uma espécie de recurso, que você adquire Cartas ou Tiles com tempo? Será apenas uma restrição na escolha de algo? Isto é, o Time Track não é composto apenas por tempo, mas de elementos (sejam Ações, Recursos, Tiles, Cartas) no quais você captura chegando ali? Basicamente essas são as duas opções correntes. Talvez você crie uma terceira?

Uma vez definido isso, se optou pela primeira opção, precisará definir onde entrará o custo e quanto será esse custo. Tente pegar uma medida básica para um balanceamento inicial. Por exemplo, no caso dos Tiles de Patchwork, você poderia inicialmente definir um custo de tempo por tamanho da peça e depois ajustar de acordo com demais elementos (habilidades especiais, recursos extras, etc). Se você optou pela segunda, aí você precisa se enveradar na sua outra mecânica, seja Worker Placement, Tile Placement, Set Collection ou qualquer outra. Time Track pode ser o grosso do jogo, mas pode ir além. Use-a para auxiliá-lo. Seja como mecânica de Seleção de Ações ou apenas uma mecânica diferentosa para Ordem do Turno.

Talvez esse final tenha ficado mais abstrato que o normal, mas acredito ser o esperado. É uma mecânica pouco explorada. O que é perfeito para nós experimentarmos em cima. Então, acho que depois desse tanto de falatório, chegou na sua vez na linha do tempo. Você, Game Designer, aproveite o embalo dessa leitura para usar essa mecânica em algum dos seus projetos. Aproveita e depois me chama para testar.

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