Lição #33: Dois é o dobro de um

Ok, ok. Você deve ter lido o título e pensado em pular essa postagem. Eu sei que o título enuncia algo óbvio. Entretanto, muitos Game Designers novatos pecam nessa questão. Hoje a postagem será sobre balanceamento e, como você já deve saber, balanceamento é matemática e sentimento. Focaremos na parte matemática.

O que quero dizer com esse título? Em muitos protótipos eu tenho observado os números 1 e 2 como algo menor e algo maior. Como assim? Você rola um dado para dar dano, as faces têm 1 e 2 de dano. Você saca cartas que lhe dão algum benefício, algumas dão 1 recurso outras dão 2 recursos. Você coleta pontos aleatórios durante a partida, estes pontos podem ser 1 ou 2. E é aqui que eu digo: meu estimado colega Game Designer, não faça isso, pois dois é dobro um. Isso significa que por conta de um fator completamente aleatório (saque de carta, rolagem de dado), um jogador pode obter o dobro do benefício que outro jogador. Isso é bem problemático. Imagine chegar no final da partida e o jogador vencedor dizer “nossa, a partida foi apertada, ganhei por apenas 1 ponto”. Isso é excelente, né? Claro que não, isso significa que ele ganhou pelo mero acaso de quando sacou aquela carta de pontos mais do que o adversário. Pior ainda é se o jogador que venceu tiver 5 cartas e todos os outros terem 7 ou 8 cartas.

1+1=2 e 5+1=6. Entretanto, a diferença entre 1 e 2 é muito maior do que 5 para 6. Não podemos ver apenas uma soma de um, mas sim a razão entre os dois números. Isso é comum acontecer até mesmo em alguns jogos publicados. Afinal, muitos Game Designers, optam por números pequenos para evitar escalonar nosso jogo demais. Entretanto, dependendo da quantidade de saques e rolagens de dados feitas na partida, essa aleatoriedade vai prejudicar demais a escala sorte x estratégia em seu jogo. Claro, não precisa aumentar os 1 para 10 e os 2 para 13, um simples aumento de 1 para 2 e 2 para 3 já reduz demais esse impacto. Antes, um jogador sortudo teria uma diferença de 100% de um azarado. Agora, a diferença será de “apenas” 50%. Atualmente, na maioria dos meus jogos, eu evito ao máximo o valor 1, deixando tudo a partir de 2. Isso inclusive, me deixou o valor 1 livre para utilizar como um brinde para tarefas bem fáceis ou triviais, algo como um benefício simplório que satisfaz o jogador, mas não tem tanto impacto no jogo. Acredito este ser um uso muito mais interessante e benéfico do valor 1.

Dados de C3X.

Vou extrapolar um pouco a matemática e trazer um exemplo do meu segundo jogo: C3X. Já faz um tempo que não falo dele aqui no blog, mas esse é um momento oportuno. C3X é um jogo de combate e o dado para definir distância/dano era composto dos valores: 0, 1, 1, 2, 2 e 3. Isso é muito pior que apenas 1 e 2. Imagine, eu fazer uma rolagem de dano com 5 dados e tirar 2, enquanto que você com apenas um dado tira 3? É, simplesmente, ridículo. Entretanto, o problema aqui não era apenas com 2 ser muito maior que 1. O problema aqui era o zero. Zero é infinitamente inferior a 1, 2 ou qualquer número positivo. Evite colocar algum esquema aleatório em seu jogo com o valor 0. Algumas exceções são quando você lida apenas com dados de sucesso e falha (que são essencialmente 1 e 0) e no caso de existirem valores negativos e positivos.

A priori, eu achava essa ideia do zero ótima, pela possibilidade de emoção. Afinal, tudo pode acontecer. Tenho apenas um de vida, prestes a morrer. O jogador me atacou com uma serra elétrica e vai jogar 5 dados. Ainda há esperança de sobreviver. Entretanto, você precisa avaliar se essa esperança vale as possíveis frustrações durante a partida. Talvez o jogador que viveu fique muito feliz, mas o outro que tirou tudo zero vai dizer que o jogo é completamente baseado em sorte.

Claro que a solução do jogo não era simplesmente alterar os dados, pois o problema ia além: as rolagens eram muito importantes. Se as rolagens fossem mais corriqueiras e tivessem menos impacto, diminuiria o agravante do dado. O problema é que cada rolagem em C3X poderia definir a partida, cada rolagem era um momento de tensão e de fortes emoções. Às vezes, isso é até algo excelente em um jogo, mas C3X era um jogo relativamente longo. Deixando essas fortes emoções pontuais problemáticas, pois poucos segundos poderiam definir uma partida de 2 horas. Eventualmente, substitui o valor zero dos dados de C3X pela exclamação (vide imagem). Essa exclamação é um potencial crítico, usado em ataques especiais.

Por hoje é só. Apesar de longa, a Lição é bem direta, mas acredito que instrutiva. Deixo apenas dois recados finais: tudo que falei aqui pode ser ignorado, se a proposta do seu jogo for ter esse impacto da sorte; e, no caso do seu jogo ser extremamente estratégico, lembre-se sempre que aleatoriedade não é um problema, o problema é como você a utiliza. Abraço e até a próxima.

2 Comments

  1. Danyllo Barbosa
    16 de março de 2018

    Simplesmente incrível a sacada! Valeu!

    Responder
    1. Roberto
      17 de março de 2018

      Obrigado, Danyllo! Espero que essa lição lhe ajude 😉 Abraço e bem-vindo ao PinheiroBG.

      Responder

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