Propósito #3: Comparar versões

Eita que essa postagem tá na pendura faz um século. Lá em agosto do ano passado, eu comecei a postar sobre testar com propósito. Até agora escrevi sobre dois deles: Duração e Quantidade de Jogadores. Isto é, você testar especificamente para verificar a duração (e tentar ajustá-la) e testar com quantidades específicas de jogadores para ver se o jogo roda legal com todas as possibilidades que você gostaria. Hoje, retornei com outro propósito.

Tem um bom tempo que trabalho no Alters, meu jogo meio que estilo Dixit só que diferente. Eu acho Dixit genial, só que existem alguns “problemas” com o jogo. Entre aspas, pois alguns problemas são simplesmente o jeito do jogo ser, mas com algumas pessoas pode não bater legal:

  • Depende bastante do grupo: basicamente em Dixit você quer dar dicas obscuras ou confusas, geralmente por meio de referências. Conhecer a mesa faz parte da brincadeira. Então, jogar com desconhecidos é sempre mais difícil. Além disso, se alguém da mesa não tiver a fim pode meio que estragar a brincadeira, pois a pontuação depende bastante de todos tentarem acertar e de todos tentarem dar dicas difíceis;
  • Dar dicas pode ser difícil: tem gente que tem uma dificuldade extrema de dar uma dica “no meio do caminho”, como é necessário em Dixit. Ou elas miram no impossível ou no ridiculamente fácil. Isso pode ser frustrante. É raro, mas conheço pessoas que odeiam Dixit por conta disso.
  • Referências everywhere: O jogador pode se frustrar por nunca entender as referências, mesmo conhecendo os jogadores da mesa.
  • Um jogador é o foco na rodada: Todo mundo será o narrador um dia e isso deixa o foco muito naquele jogador. Dependendo da pessoa, pode ser desconfortável.
  • Possibilidade de anti-jogo: É raro, mas acontece sempre quando tem alguém meio sem noção na mesa. Basicamente é quando os jogadores combinam de errar quando um jogador é narrador, somente para ele não ganhar pontos. Isso acontece quando tem alguém perto dos 30 pontos. Essa atitude é meio paia, já que a mesa vai dar trocentos pontos para um outro jogador (chutando na carta dele) e, segundo, que você vai deixar o jogador que tá ganhando bem puto. Quando acontece nas minhas mesas eu sempre alerto que é anti-jogo. Isso é bem diferente de Take That, isso é simplesmente incorreto e meio que quebrar o jogo em prol de alguma chance de vitória. Seja um bom perdedor e perca com elegância.

Mas pra que toda essa introdução? Só para falar um pouco de Alters e contextualizar. Em Alters, eu tentei implementar uma ideia original (desenho com formatos geométricos) com uma dinâmica parecida com Dixit (votação para associar algo com cartas). O jogo é bem diferente de Dixit, mas o feeling é similar: um Party Game de boinhas para você rir das dicas (aqui são desenhos) que os jogadores deram (no caso, fizeram), onde é legal se esforçar para ganhar pontos, mas a vitória não importa tanto.

Claro que aproveitando todo meu conhecimento sobre Dixit, eu evitei os “problemas” citados. Não há tanta dependência de grupo, pois não existem dicas ou referências. Ainda é um jogo de associação, mas por desenhos com gabaritos, então fica fácil. Agora todos os jogadores jogam ao mesmo tempo, isso deixa tudo mais dinâmico e poupa jogadores de atenção indesejada. E por fim, o problema do anti-jogo não é completamente resolvido. Mas é muito difícil saber quem vai ganhar, tendo em vista que a partida dura (em sua versão mais atual) apenas 2 rodadas e as pontuações são bem próximas. Você pode realizar anti-jogo com o coleguinha, mas você vai perder pontos (e não ganhar, como Dixit). Então, estou bem feliz com o resultado.

Entretanto, alguns meses atrás eu estava num dilema de como levar o jogo adiante. Eu queria reduzir a duração, pois dependendo da velocidade do pessoal da mesa, a partida demorava. Eu estava diante de duas opções: manter o jogo no ritmo usual ou inserir elementos em tempo real para agilizá-lo. Ambas as ideias soavam boas e foi esse meu propósito dos últimos testes. Ver qual era a melhor opção. Isso é muito comum acontecer. É tão comum que por isso nasceu Henutsen, versão para apenas dois jogadores mais simplificada do Teotihuacã; nasceu/morreu Distrito 4 , versão sem turnos do Distrito 6, uma tentativa de criar algo mais fluído; e por isso que nasceu também o próprio Alters, que surgiu de uma fagulha para criar uma versão competitiva de Dr Pine Test.

Sim, se você já criou algum jogo, é bem comum você ter ideias que geram bifurcações no seu desenvolvimento. Como assim bifurcações? Você cria duas versões meio que distintas do mesmo jogo. Só que não rola levar adiante as duas, é o dobro do trabalho para depois chegar num ponto que alguma das versões será abandonada. Resta, então, você tentar decidir o quanto antes qual caminho da bifurcação tomar e deixar o outro de lado. E foi isso que fiz com Alters.

Versão 1: duração elevada por conta das várias rodadas, pontuação um tanto enfadonha quando tem muitos jogadores. Sem nenhuma fase em tempo real, mas várias fases simultâneas (jogadores jogando ao mesmo tempo, mas sem um limite de tempo).

Versão 2: duração reduzida por conta de aspecto em tempo real inserido durante a votação, fase que mais demorava em todas as partidas com mais de 5 jogadores. Isso acontecia simplesmente por ter mais desenhos para votar e também por aumentar a probabilidade de algum jogador travar em sua votação com o velho Analysis Paralysis. Afinal, quanto mais jogadores, maior a chance de algum sofrer de AP.

Conjunto de cartas de pontos de dois jogadores (frente em cima e verso embaixo). A ideia pode ser um pouco confusa de explicar textualmente, mas tentarei. Basicamente, cada jogador teria essa pilha de cartas na sua frente e depois das votações ele distribuiria pontos (do maior +3 até o menor +1) para os jogadores na ordem de acerto. Isto é, quem acertou primeiro recebe o +3 e quem acertou segundo +2 e em sexto +1. Entretanto, o uso dessas cartas varia com a contagem de jogadores. Só são usadas todas em partidas com 8 jogadores. Sendo assim, o último jogador (mesmo que todos acertem) não ganha ponto. Pois ele seria o sétimo e só existem seis cartas de ponto. Só que é bem raro todo mundo acertar, o mais comum é muitos errarem, tanto pelo desenho ruim como pela pressão do tempo como por ser difícil mesmo. E aí, as cartas que o jogador não distribuiu, viram pontos negativos (verso da carta). Sendo assim, se apenas 2 jogadores acertaram, o jogador ficaria com 4 cartas suas na sua frente, viraria para o lado negativo e perderia -3 pontos (-1, -1, -1 e -0). Sacou? Se não, pergunta nos comentários.

O que fiz? Testei com mesa cheia (oito jogadores) as duas versões. Resultado? Preferi a experiência da Versão 1 apesar da duração mais elevada. A Versão 2 reduziu a duração da fase de votação para menos da metade. Entretanto, a contagem de pontos continuava enfadonha. Eu criei uma maneira dela ser simultânea, mas jogadores novatos se embananavam. Sendo assim, não adiantava a correria da mesa durante a votação, o ganho de tempo não era tanto assim. Além disso, ao realizar essa contagem de votos simultaneamente (isto é, cada jogador lidando com os seu), perde-se a magia do jogo: ver a arte do amiguinho, saber qual mancha ele queria desenhar e como falhou miseravelmente. A decisão não foi lá tão difícil dada as duas possibilidades. Apesar de eu achar o sistema em tempo real inteligente e com mais rejogabilidade, existiam elementos que eu considero importantes no jogo que seriam perdidos ao seguir por esse caminho.

No final das contas, segui com a Versão 1. E o foco era reduzi a duração. Depois de um tempo cheguei a uma solução boa: reduzir o número de rodadas e deixá-las diferentes. Assim, o jogo fica veloz e com as rodadas em um grau de progressão dá um senso (mesmo que pequeno) que o jogo tem uma espécie de arco. Então, ganhei em duas frentes: duração e jogabilidade mesmo. Pois, esse ajuste das rodadas serem diferentes deixou o jogo mais interessante.

Como recomendo fazer esses testes comparativos? Um o mais próximo do outro (se possível mesmo dia) e com o máximo de interseção entre as pessoas das partidas (se possível o mesmo grupo). Seria bom também que você não participasse das partidas, assim você pode ter uma visão externa e mais realista de ambas as versões. Claro que isso só vale se você já tiver jogado as duas versões. Se não, você vai ficar com a decisão enviesada ao ter jogado apenas uma delas. Também é interessante perguntar ao pessoal que jogou as duas versões qual versão preferiu e por qual motivo. Se for exatamente o mesmo grupo, você pode até fazer uma votação. Mas cuidado, faça de uma maneira que as pessoas não influenciem uma a outra. E cuidado também, nunca deixe os Playtesters ditarem como seu jogo ficará. O jogo é seu e você sabe o que quer dele. Não importa que todos tenham preferido uma das versões do jogo. Talvez tenha sido por algum motivo em específico: gosto daquele grupo ou alguma das partidas foi particularmente boa demais ou ruim demais. Agora se múltiplos grupos apontarem sua preferência, aí sim é algo a ser visto com extrema consideração. Em todo caso, você precisa observar muito bem todas essas versões do seu jogo e tentar entender todos os motivos do que aconteceu para realizar a melhor escolha. Escolha sabiamente.

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