Lição #30: Inovar é difícil

O sonho de praticamente todo Game Designer é criar algum jogo inovador, quiçá revolucionário, com uma mecânica inédita. Obviamente, a parte da mecânica é bem complicada, mas algo inovador é mais palpável e factível. Entretanto, está longe de ser fácil. O título da lição de hoje pode até parecer óbvio, mas é mais difícil do que você imagina.

Atualmente, eu conheço pouco mais de 500 jogos modernos. Se você tem acompanhado as lições desde o começo, sabe que eu comecei a criar jogos conhecendo apenas 9 jogos e depois retomei a empreitada quando conhecia mais de 200 jogos. Nesse ano eu resolvi realizar o Desafio 100N, justamente para conhecer cada vez mais jogos. Inclusive, me forçar a conhecer jogos fora da minha zona de conforto ou dos estilos que mais gosto. Certo, mas porque estou comentando isso? Bom, eu tento conhecer tantos jogos por duas razões: aumentar meu arsenal como Game Designer e aumentar minhas chances de elaborar algo inovador.

Conhecer vários jogos permite que você saiba o que existe por aí. Assim, você pode evitar repetir certas coisas ou repeti-las de propósito, pois se encaixam perfeitamente no seu projeto. A questão é que, na minha opinião, um jogo inovador não necessariamente precisa de uma mecânica nova. Caso contrário, teríamos hiato de anos e mais anos até aparecer jogos inovadores. Para um jogo ser inovador, ele precisa de algum aspecto que o diferencie de todos os outros que existam no mercado. Esse aspecto pode ser:

  • Um tema bem diferente. Photosynthesis poderia ser usado como exemplo. Eu não faço ideia se existem outros jogos sobre plantas crescendo mais e mais de acordo com o Sol. Talvez até exista, mas o jogo vai mais longe e ainda insere uma mecânica diferenciada do sol girando ao redor do tabuleiro e influenciando de diferentes maneiras as árvores. Acredito que um tema bem diferente não seja uma via tão interessante para inovação. Se Photosynthesis não tivesse a mecânica do Sol, teria passado despercebido pelo público.
  • Mecânica nova. São os raros casos como Dominion, que não foi o primeiro Deck Building, mas com certeza popularizou e criou o esquema clássico de várias cartas disponíveis para serem compradas e do deck cíclico com o descarte.
  • Componentes diferentes. Seria o caso do Dice Forge, que na realidade também não foi o primeiro com esse componente, mas aparentemente é o que está tendo maior destaque devido à robustez do componente e da qualidade de arte do jogo. Eu tentei seguir esse caminho com Mataru Okara, que os jogadores lançam Shuriken e, por conta desse componente, outras ideias diferentes foram anexadas ao jogo.
  • Estilo diferente. Seria o caso dos cooperativos, que hoje em dia deixou de ser uma novidade, mas Reiner Knizia inovou com seu Lord of the Rings em 2000. Outro exemplo são os jogos Legacy, mas são jogos que parecem ser extremamente complexos de serem criados.
  • Mecânica conhecida, mas com um diferencial. Pessoal normalmente chama esse diferencial de twist. Acontece muito com jogos de Worker Placement e também com o Game Designer Stefan Feld. Alguns exemplos são Die Speicherstadt, que tem uma mecânica de leilão bem diferenciada, no qual o preço aumenta a medida que mais jogadores tem interesse no item, mas podem ir desistindo; ou Manhattan Project, que não existe rodadas de alocação/execução, o jogo vai fluindo com os jogadores alocando e removendo trabalhadores até alcançar uma quantidade de pontos. Acredito ser essa a possibilidade mais viável de inovação, pois você tem uma base sólida para trabalhar e é notável o que é diferente no jogo.
Créditos: Ido E (the review board).

Então, partindo do pressuposto que inovar tematicamente não é o suficiente e todo jogo que quer, de fato, inovar precisa de inovação na mecânica, podemos dizer que inovar não é apenas criatividade. Sua ideia genial de mecânica diferenciada não vai, necessariamente, gerar um novo jogo. O fato de não existir um jogo com aquela sua ideia não significa que alguém não tenha tentado fazer. Na realidade, é muito provável que alguém tenha tentado fazer e falhou. Por isso, inovar é difícil. Você precisa ser criativo e trabalhar duro em cima daquela sua ideia inovadora para ela funcionar. Como não existe nenhum outro jogo utilizando aquela mesma ideia, você trabalha sozinho na sua criação. Você não tem para onde correr por soluções ou atalhos. Você criará partes do seu jogo do zero.

É aí que mora o perigo. Criar algo do zero é complicado e pode ser desmotivador ver aquela sua ideia genial desmoronar a cada Playtest. Você vai cometer erros triviais. Eu tenho um Worker Placement chamado Nossa Tribo e o twist é que todos os jogadores controlam todos os trabalhadores. Esbarrei em problemas ridículos desde a primeira partida, problemas que faziam o jogo simplesmente não funcionar. Afinal, como eu nunca tinha visto um jogo com essa ideia especificamente, eu não tinha base para criar uma mecânica completamente funcional desde o começo. É nesse momento que acontecem os experimentos. Com o tempo o jogo foi sendo testado e ajustado até se tornar jogável. Atualmente, eu dei um intervalo, pois como é difícil vender ideias de jogos maiores para as Editoras nacionais, estou tentando emplacar outros jogos menores para retomar o desenvolvimento deste.

Certo Roberto, falasse demais hoje. Qual é, de fato, a lição? Bom, a lição de hoje é um alerta para tomar cuidado. Muitas vezes você começa empolgado com uma ideia muito inovadora e tenta fazer com ela seu primeiro jogo. É quase certo que essa ideia vai render uma desistência daquelas de levá-lo à lona por um bom tempo. Se desafie aos poucos e tenha noção de que o terreno da inovação é severo, podendo ser repleto de erros e frustrações. Saiba que a inovação, por si só, não cria um jogo completo. Você precisa trabalhar a ideia juntamente com outros elementos até que aquela ideia vire, de fato, um jogo.

Não estou dizendo para desistir da inovação, estou apenas alertando. Eu, pessoalmente, só acho que um jogo deve ser criado se houver alguma inovação nele, por menor que seja. Eu tento alcançar alguma inovação em todos os meus jogos, mas eu tento usar do meu bom senso para não perseguir inovações extremamente complicadas. Já citei o exemplo de Mataru Okara e Nossa Tribo, mas Ciberguerrilha tem o diferencial de a face negativa do dado influenciar o turno atual e os turnos dos demais jogadores; Distrito 6 e Teotihuacã utiliza o que tenho chamado de Double Use Dice, fora o twist do Distrito 6 que é um Worker Placement que seus trabalhadores sempre diminuem, em vez de aumentar; mas vou parar por aqui, esse texto já ficou grande o demais. Obrigado pela leitura, espero que tenha sido útil.

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