Mecânica #19: Open Drafting

Depois do Closed Drafting, nada melhor que seguir o fluxo e fazer o Open Drafting, né? Se você perdeu a definição, não se preocupa que vou repetir.

A mecânica Open Drafting é bem comum na vida. Quer formar um grupo para projeto? Open Drafting. Quer escolher um dentre as várias fatias de pizzas com sabores diferentes? Open Drafting. Escolher qual das atividades do projeto deseja fazer? Open Drafting. Então, a definição que eu daria seria: escolher algo dentro de um conjunto finito de modo que sua escolha tenha impacto sobre os demais envolvidos. Cabou. Então, só pela descrição já vemos alguns pontos positivos que vamos tratar depois. Antes disso…

Vamos ao gráfico. Antes de coletar as informações eu tenho a impressão que Open Drafting vai ter mais jogos que o Closed Drafting, eu chutaria muito mais, quiçá o triplo? Ainda mais que de uns tempos pra cá virou muito modinha usar Open Drafting nos jogos, especialmente esses mais jogos que puxam para um puzzle abstrato (olá, Azul, Sagrada, Cascadia e afins).

Eita, porra. Não esperava por isso. Simplesmente 20 vezes mais (nos anos com menor proporção). Realmente, um estouro. Passou, com facilidade a mecânica clássica de Action Points. Explicação? Tudo é Open Drafting. Sei nem como vou dar os exemplos aqui, vou ver se agrupo em categorias. Eita que essa postagem vai dar mais trabalho do que já dá costumeiramente. Bom, se você for ver, lá em 2001 já tinha uma reca de jogos com Open Drafting, enquanto que Closed Drafting tava meio que “nascendo”. Então, vamos caminhar para o passado e tentar encontrar o jogo mais antigo listado no BGG. Achei o jogo TRUT (1600), bem velho, hein? Aí fui ver do que se tratava e não tem Open Drafting nenhum. O que acarreta que o gráfico mostrado é, provavelmente, baseado em informações incorretas. Tou achando que “derivaram” essa mecânica de alguma outra antiga do BGG para ter um erro grotesco desse. Então, segui para encontrar algum que realmente tivesse Open Drafting. Cheguei no Funny Physiognomies (1824), que pelo que entendi os jogadores vão coletando partes de corpos (cabeça, tronco e pernas) para formar uma imagem e ganhar pontos com isso. Não tem detalhes, mas claramente me pareceu Open Drafting sim. Então, é como vimos no começo: é algo que fazemos corriqueiramente e, por consequência, está nas nossas vidas tem um bom tempo. Ok, Roberto, mas que jogo de Open Drafting é um antigo mas a gente tenha alguma noção do que se trata? Rook (1906) ou Jogo da Aposta, como é conhecido aqui no Brasil e você talvez já tenha visto por aí sendo vendido em várias lojas de brinquedo com o selo da Hasbro. Eu já tive esse jogo, mas repassei antes de jogar. Motivo? É um Trick Taking (eca) e, novamente, não tem Open Drafting de fato. Só Fake News. Oh diabos, realmente o BGG tá todo errado. Achei aqui Jeopardy! (1964), baseado em um programa de TV estilo Show do Milhão. Então, pelo visto, responder questões de múltiplas escolhas é um Open Drafting? Vamos fingir que sim, pelo menos é mais próximo que os outros dois que achei. Tá bom, cansei dessa busca sem sentido, vamos ver jogos mais próximos da realidade e da mecânica em si daqui a pouco.

Mas antes disso, o que essa mecânica, que o BGG não faz ideia do que seja, tem de bom?

  • Interação: como falei na definição, Open Drafting precisa ter impacto nos oponentes para existir, isto é, o que eu peguei não é opção para mais ninguém, isso gera interação de uma maneira bem natural e com possibilidades de bloqueios;
  • Controle: existe uma ilusão de controle maior no Open Drafting do que no Closed Drafting, pelo simples fato de você estar vendo todas as opções. Digo ilusão, pois a quantidade de opções total diminuem em comparação, basta comparar o tanto de cartas na mesa no 7 Wonders com o tanto de dados na mesa no Sagrada;
  • Estratégico: muitas vezes o Open Drafting é usado para evitar saque de cartas aleatório, deixando informações abertas para o jogador decidir se/quando quer pegar uma carta ou tile ou qualquer componente usado no jogo. Isso, obviamente aumenta o nível de estratégia do jogo por aumentar a quantidade de informações abertas no mesmo.

E as desvantagens de usar Open Drafting? Acho que será fácil de pontuar.

  • Ordem do Turno: a ordem da escolha vai impactar bastante na participação durante o Open Drafting, afinal: quem escolhe primeiro tem vantagem. Diferente do Closed Drafting que todos escolhem simultaneamente mas de conjuntos diferentes;
  • Informação Excessiva: dependendo do que você for deixar como Open Drafting, talvez seja informação demais para os jogadores e vão deixá-los perdidos, especialmente nas primeiras partidas ou no começo da partida. Além de gerar certo Analysis Paralysis;
  • Frustração: pode ser bem frustrante, especialmente quando o jogo é apertado ou um quebra-cabeça bem restritivo, quando um outro jogador pega exatamente a peça que você precisava, acho que a frustração faz parte de qualquer jogo com interação, mas por conta da alta complexidade de planejamento a frustração é maior se comparado com jogos menos estratégicos.

Em suma, os problemas do Open Drafting advem justamente de ser uma mecânica com possibilidades estratégicas, especialmente se for usado como algo exposto desde o começo da partida. Afinal, pode não parecer, mas Open Drafting pode ser implementado de algumas maneiras que afetam drásticamente o jogo do ponto de vista tático ou estratégico, vejamos alguns exemplos.

Essencialmente, vejo o Open Drafting com duas grandes vertentes: uma fase do jogo, geralmente  com muita importância e praticamente todo o jogo é focado nela; ou um elemento do jogo, geralmente algo com também muita importância, mas que o jogo não é centrado apenas na mecânica. Se você não está entendendo nada, vou exemplificar com dois grandes pilares de cada uma dessas vertentes.

Na primeira vertente, como fase do jogo, temos famoso Azul (2017). Em Azul, os jogadores vão coletando azulejos coloridos usando um sistema de Open Drafting diferente do usual, mas que parte da mesma premissa: no seu turno você escolhe um conjunto de peças, depois o oponente escolhe e assim é sendo feito até acabar tudo. Então, o jogo é meio que focado na mecânica e nesse momento de seleção. O restante faz parte de organizar um quebra-cabeça para conseguir mais pontos. Esse estilo de jogo pode ser estratégico, mas a parte do Open Drafting é muito mais tático. Afinal, você precisa selecionar algo naquele momento que lhe ajude. Pode lhe ajudar no futuro ou não, mas é tático por ser algo decidido agora e realizado à todo momento. É tático por requerer adaptação do jogador em toda rodada, pois as peças presentes vão ditar seu comportamento.

Olha o tanto de construções existentes no Caverna. Excesso de informação pesado aí desde antes da partida começar.

Na segunda vertente, como elemento do jogo, temos Caverna (2013). Talvez você, viciado em olhar o BGG, diga que não está listado. Entretanto, o blog é meu e eu digo que é sim mas vou explicar. Em Caverna existem várias construções, todas elas iniciam a partida já disponíveis e abertas para todos os jogadores verem. Entretanto, quase todas tem apenas uma cópia. Isto é, é um recurso limitado que está exposto e quem pegar primeiro, pegou. Isso é claramente a definição do Open Drafting. A diferença é que aqui você precisa ter um espaço para construir, para então poder realizar uma ação para depois pagar os recursos para, finalmente, obter essa construção. Então, perceba o que quis dizer com frustração aqui. Existem construções que dão pontos de vitória no final do jogo e você só pode comprar após cumprir várias etapas e, devido a natureza do jogo, você provavelmente não vai comprar nas primeiras rodadas. Talvez você compre na sexta rodada? Então, no começo da partida você viu a construção, gostou e pensou: vou fazer ela. Chegou na quinta rodada, já se arrumando para colocá-la na próxima, foi outro jogou e pimba, pegou. Isso é mais frustrante que estar no nível 9 em Munchkin e não conseguir chegar no nível 10, pois um jogador jogou uma carta que impediu isso. Motivo? Você focou e planejou por vários minutos algo e no último segundo aquilo foi tirado de você.

Splendor e seus múltiplos Open Draftings na mesa.

Já que resolvi falar dessa frustração, já vou embalar no Splendor (2014) que tenta corrigir isso com a reserva de cartas. Splendor é basicamente a definição pura do Open Drafting. O jogo é todo informação aberta e durante toda a partida você está usando a mecânica. Seja na aquisição das fichas, seja na aquisição das cartas ou seja na aquisição de tiles. Sério, é tudo a mesma coisa. E aí, tendo em vista o nível de frustração que poderia ser causado por você ter planejado 7 turnos e chegar no 6º turno a carta que você queria ter sumido, você tem a opção de reservá-la. Genial. Claro que é uma faca de dois gumes, as aí você sente que a culpa é toda sua e isso é um sinal de um jogo com design bem feito. Como assim? Ora… Suponha que você quer uma determinada carta bem difícil de fazer, mas fica na reflexão de que ninguém vai pegá-la, pois ninguém pode adquiri-la. Então, você foca seus planos nela e aí, no momento que você finalmente tem todos os recursos para pegar a tal da carta… Pimba, o oponente reserva. Mesmo sem chances de conseguir baixá-la até o final do jogo. Culpa sua que forçou sua sorte na desatenção dos oponentes. Observação: não vejo a menor graça em Splendor, mas entendo perfeitamente seu sucesso e respeito sua elegância. Por sinal, Project L (2020) é bem parecido com Splendor, apesar de fisicamente parecer ser bem diferente.

Certo, voltando um pouco para as vertentes. Eu diria que essas vertentes ficam em uma escala. Com Azul no extremo de um lado e Caverna do outro lado. Onde ficaria Splendor? Supondo uma escala de 0 à 10, eu diria um 7. Não existe uma fase exclusiva para o Open Drafting, mas o jogo como um todo é um. Quais outros jogos e exemplos poderiam entrar ali junto com o Azul?

Quebra-cabeça fechadinho nessa grade 5×4.

Sagrada (2017), Pyramido (2023), Calico (2020), Carnavalesco (2022), Kingdomino (2016), Cascadia (2021), Roll Player (2016). Todos estes são jogos bem similares: um quebra-cabeça no qual você vai pegando as peças usando a mecânica de Open Drafting. Então, dado pequenas variações a ideia é sempre parecida: pegar algo e encaixar no seu quebra-cabeça. Alguns são mais soltos, como Cascadia que não tem um modelo final. Outros penalizam caso não siga um padrão, como Kingdomino que lhe dá pontos extras se você fizer uma área 5×5. Já os demais são bem restritivos, Calico, Sagrada e Roll Player possuem até um tabuleiro com buraco para você encaixar os componentes. Eu adoro um bom quebra-cabeça, mas todos esses que são restritos demais enfrentam o mesmo problema: impacto excessivo da aleatoriedade na última rodada. Como assim? Suponha no Sagrada, você só consegue encaixar no seu último espaço um dado azul ou vermelho de valor seis. Última rodada: não saiu nenhum desses. Deu ruim para você. Perceba que não foi interação que lhe atrapalhou, foi só a aleatoriedade. E isso vai lhe dar pontos negativos. Tudo bem. Sagrada e Pyramido tentam corrigir isso colocando habilidades especiais para serem usadas durante a partida, mas se você usou seus recursos. Deu ruim novamente. E se não usou, o fato de precisar gastar seu recurso especial, enquanto outros jogadores não precisaram, demonstra que você teve um impacto significativo. Azul resolve esse problema não tendo um quebra-cabeça que será finalizado até o fim da partida, além dar muito mais opções e também de você pegar muito mais peças (quanto mais peças pegar, menos impacto a aleatoriedade terá). Cascadia deixando você sem fronteiras, crescendo para onde quiser. Então, por mais que eu aprecie jogos de quebra-cabeça, quando esse problema de último turno existe me dá uma certa dor no coração. Especialmente em jogos mais recentes, pois é um problema claramente conhecido e que não pode ser ignorado por você, coleguinha Game Designer.

Depois desse longo parágrafo com jogos com valor 0 na minha escala inventada. Vamos ver uns exemplos mais leves da mecânica. Ticket to Ride (2004) tem Open Drafting. A mecânica foi inserida meramente como maneira de evitar a pura sorte num saque cego de cartas. Uma fórmula de sucesso e reimplementada por vários outros jogos como: Ethnos (2017), Wingspan (2019), Alhambra (2003), Airlines Europe (2011) e provavelmente uma reca de jogos usam essa mesma mecânica, a diferença desses para King of Tokyo (2011) é que neste as cartas tem custo. Outros tem custo variável que quando você compra uma carta você precisa ir “pingando” recursos para pegar a carta dependendo da posição dela numa fileira, é assim em Century: Spice Road (2017) e Canvas (2021). Concordia (2013) já segue um esquema mais simples, o custo é acrescido de algum valor de acordo com a posição da fileira e ao comprar, o custo de todas as cartas na fileira diminui. Só que tem mais um negócio interessante aqui: Concordia é um Deck Building. E eu acho que existe uma relação de praticamente 1:1 de Deck Building com Open Drafting. Isto é, quase todo Deck Building tem a mecânica de Open Drafting. O motivo é simples: a construção do baralho é feita de maneira planejada, você precisa ver suas opções para traçar sua estratégia e montar seu baralho, como em Dominion (2008), Clank! (2016), e The Quest for El Dorado (2017).

Da esquerda para direita: sem custo, custa um recurso qualquer (2 espaços), custa um tecido (2 espaços) e custa um recurso qualquer e um tecido.

Vemos essa mistureba de mecânicas em diversos lugares com Open Drafting. Meadow (2021) e Quadropolis (2016) são jogos que usam basicamente uma mistura de Worker Placement com Open Drafting. Ambos os jogos possuem uma grande matriz e você posiciona trabalhadores nas beiradas dessa matriz para pegar os itens de acordo com o valor colocado. Isto é, se eu botei um valor 3 na primeira linha, eu vou pegar o elemento posicionado na primeira linha e terceira coluna. Tudo isso é um joguete para você se planejar bem para adquirir tudo que deseja usando os trabalhadores no momento certo. Inclusive, Quadropolis não tem Open Drafting listado como mecânica, o que não faz o menor sentido. Ou então a mistura de polióminos com Open Drafting em Barenpark (2017), Patchwork (2014) e Isle of Cats (2019). A razão é até intuitiva: não seria ótimo você jogar tetris podendo escolher as peças que vão entrar no seu tabuleiro? Uma sacada simples e bem acertada. Tanto é que foi replicada várias vezes.

Vários jogos bonitos, escolhi só um deles para embelezar essa postagem.

Assim como a aquisição de polióminos, também é comum aquisição de tiles com Open Drafting. Dois jogos do Feld fazem isso de maneira bem distinta: Carpe Diem (2018) e Castles of Burgundy (2011). Um você simplesmente foca nisso passeando entre áreas distintas com vários tiles. E o outro você usa ações especificamente para a aquisição. Então, Burgundy demanda mais etapas, enquanto Carpe Diem é mais direto. Ambos são quebra-cabeças mais soltos que os já citados Tile Placements Pyramido, Kingdomino e Calico, pois não necessariamente a pessoa vai fechar todos os espaços. E isso deixa o jogo sem o problema da última rodada.

Tem uns Card Games que variam muito no uso do Open DraftingColoretto (2003) é um exemplo claro da presença da mecânica, mas de maneira bem particular. Tão particular que quando copiam todo mundo percebe de onde veio a inspiração. Point Salad (2019) é feito Splendor, só que com a diferença que não tem custo nas cartas. O que deixa o jogo estranhamente fluído e divertido, claro que perdendo em estratégia. Mas nem sempre queremos estratégia, né? Point City (2023), sucessor do Point Salad foi por essa vertente e não necessariamente é um jogo melhor ou pior. Em Fantasy Realms (2017), os jogadores podem ou comprar do baralho ou de um descarte aberto. Assim como Abyss (2014), que os jogadores podem se beneficiar das cartas deixadas para trás pelos oponentes em rodadas anteriores.

Não vamos esquecer também de jogos que usam Open Drafting apenas ocasionalmente. Como Dominant Species (2010), que os jogadores adquirem as cartas apenas em momentos chave do jogo, mas é algo de extrema importância e com muita estratégia envolvida; Alchemists (2014), que você consegue equipamentos no dcorrer da partida, mas que eles já estão expostos desde o começo para que você se organize para tal; La Granja (2014), que toda rodada você pode adquirir um telhado que vai lhe dar habilidades e pontos.

Cartas feias, mas de impacto significativo do Dominant Species.

Eu quis demonstrar com esse tanto de exemplo que Open Drafting é algo presente em vários lugares. Diferentemente do Closed Drafting, sua aplicação pode ser da menor à maior. Outra diferença para Closed Drafting é que o Open Drafting não define o estilo do seu jogo, sendo extremamente versátil em enriquecer as mecânicas. O único cuidado necessário é com a quantidade de informação que você irá expor de uma única vez aos jogadores. E, dependendo da sua intenção, o jogador ter maneiras de se proteger contra a interação negativa que pode ser proveniente da mecânica. Digo esse cuidado de modo geral. Afinal, é necessário ter todo um cuidado extra se você quiser fazer o próximo puzzle restritivo com Open Drafting. Cuidado com o desgraçado do último turno. Modéstia a parte, Teotihuacã e Henutsen são puzzles com formato restrito (será feita uma pirâmide, olha que coincidência Pyramido…) só que você não é tão impactado pela sorte no último turno. Até porque o jogo não termina quando todos os jogadores finalizam seu puzzle. Pode acontecer de nenhum jogador finalizar, apenas um ou vários. E isso não impede o jogador de vencer (não ter completado). Não entendeu nada? Pois é, as vezes eu tenho umas ideias boas, olha lá nas páginas dos jogos.

Então, como implementar Open Drafting no seu jogo? Devido a vastidão da mecânica, não vou fazer um tutorial, mas eu diria para ter cuidado com os possíveis problemas que a mecânica podem trazer. Não é tão difícil assim, exceto o caso já citado acima. E é isso. No mais, recomendo o uso da mecânica, pois de fato enriquece os jogos com suas possibilidades de diminuição da sorte e aumento de interação (não hostil, que é do jeito que acho legal).

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