Mecânica #7: Dice Rolling

Semana passada (sim, tivemos duas semanas seguidas de Engrenando), eu comentei que traria uma mecânica que tivesse uma presença maior do que Set Collection. Acho que pelo título você vai perceber que já cumpri. É quase como se eu não tivesse listando uma mecânica, mas sim um componente… Afinal, 99,9% dos jogos com dados tem dado rolando. Se você ainda não entendeu a mecânica… Dice Rolling é quando um jogo possui dados e estes são rolados (uau). É uma mecânica extremamente ampla e usada para trocentas coisas. Ou a postagem de hoje vai ser gigante, eu tentando apontar tudo que é possível, ou curta, eu desistindo de tentar enumerar para deixar algo genérico. Veremos o que acontecerá.

Sem muito preambulo, trouxe Dice Rolling para demonstrar que existe sim alguma mecânica (quem sabe no futuro veremos mais?) que barra o Set Collection. Claro que não foi só para isso, mas estou sempre gerando maneiras para eu me divertir sozinho na seleção da mecânica da vez. Antes de pegar os dados eu chutaria que Dice Rolling é perto de duas vezes mais frequente que Set Collection. Vamos ver no gráfico…

Eita que meu chute foi bonzão, hein? Retirei as outras mecânicas, pois iam sumir no gráfico diante do exagero do Dice Rolling. Pena que no BGG não tem demarcando certinho jogos que usem dados mas sem rolagem… Seria legal ver a diferença gigante (eu chutaria 1 pra 1000). Jogo mais velho de Dice Rolling nem tem graça ir atrás, deve ser aqueles não sei quantos antes de Cristo. Sendo que o jogo mais antigo que conheço, é um tal de Shut the Box (1750). Por incrível que pareça, eu já joguei. Afinal, é da minha época. Odiei esse jogo. Sorte demais, claro, usando dados lá nos primórdios. Não tinha como ser diferente, né?

Essa quantidade de jogos com dados é gigante pelos aspectos positivos proporcionados pelas rolagens de dados:

  • Familiar: quem não sabe o que é um dado e que ele deve ser rolado? Esse negócio existe nas nossas vidas faz séculos e, por consequência, faz parte do nosso cotidiano lúdico. Então, nada mais normal do que usar algo  tão cotidiano e lúdico nos nossos jogos, por mais modernos que eles sejam.
  • Gerador de números aleatórios: é a maneira mais fácil, prática e funcional de ter um gerador infinito de números aleatórios. Digo infinito, pois com apenas um dado você consegue rolar infinitas vezes em busca de infinitos valores aleatórios. Isso permite tanta, mas tanta coisa. Tanto é que a esmagadora maioria dos sistemas de RPG precisam apenas de papel (para uma ficha, geralmente) e dados. A maioria dos jogos eletrônicos tem alguma rolagem de dados (ou geração de números aleatórios) por trás. É uma invenção muito útil para simulações, coisas que os jogos costumam ter bastante.
  • Aspecto tátil: vamos lá, é muito agradável o peso do dado e chacoalhar ele entre as mãos fechadas, ou só balancear na mão aberta mesmo. O dado é, de longe, o melhor componente para o tato, muito superior a qualquer outro componente comum presente nos jogos. Além disso, podemos inserir também a emoção que precede a rolagem, o que deixa todo o processo até ritualístico. Algumas pessoas possuem até um dado da sorte, mas nunca vi ninguém dizer que tem uma carta da sorte. Talvez mágicos, né? Segundo o meu amigo, quando perguntei a ele sobre o sentimento tátil dos dados ele mandou um: meus dedos se regozijam com os dados de textura tão agradável que me sinto tateando o mais agradável cetim. Sim, ele é estranho.

Todos elementos importantes e você pode até achar o último bobo, mas é notável a empolgação de alguém fazer sua rolagem em algum jogo, se comparado com um saque de carta ou posicionamento de meeple. A emoção é real, queridos leitores. Entretanto, a emoção não é real para todos, nem todo mundo gosta de dado e eles realmente tem seus problemas.

  • Haters: nem todo mundo gosta de dado nos jogos de tabuleiros. Alguns chegam até a dizer que dados é coisa do passado e não faz sentido ter em jogos de tabuleiro modernos. Em geral, o raciocínio é de que tem muita sorte quando se envolve os dados e isso estraga a estratégia do jogo. Pode ser verdade em vários casos, talvez até na maioria. Entretanto, é possível sim criar jogos no qual o dado deixe ser um representante da sorte e passe apenas a ser um representante da aleatoriedade. E, meus caros, aleatoriedade faz parte da vida e da natureza, não tem como você odiá-la sem odiar a si próprio. Eita, filosofei.
  • Desvio padrão elevado: eu, particularmente, não vejo problema em jogos com sorte e azar. Sim, não apenas aleatoriedade, mas uma rolagem impactar (sem chances de reverter) algum jogador positivamente ou negativamente de maneira excessiva. O problema é quando esse excesso se torna muito grande. Um dado comum de seis lados variar de 1 até 6 é um desvio padrão muito grande. Um é bem longe de seis. Bem longe. Então, é importante ter em mente o impacto dos números do seu jogo, para o dado não pesar demais e ser o único fator relevante para o seu jogo.
  • Caótico: aleatoriedade é legal, mas nem sempre é viável ter uma aleatoriedade total dentro de um jogo. Em alguns momentos nós queremos um controle sobre ela e o dado é incapaz de proporcionar isso. Ele não possui uma memória, você pode passar a partida inteira rolando apenas 1 ou apenas 6. É improvável? Sim, mas não impossível. Então, se seu jogo depende de certa “ordem” para funcionar, a chance é dos dados estragarem tudo. Inserir mais rolagens podem mitigar isso, mas o fantasma do caos sempre estará presente.

Então, os dados nada mais são do que máquinas para geração de números aleatórios universalmente conhecidas e com uma personalidade imprevisível. Por consequência, eles são extremamente populares e presentes. A versatilidade é gigante, pois o dado pode ser usado praticamente para qualquer coisa. Ele é tanto usado para qualquer coisa que existem jogos que sequer rolam os dados, apenas usam eles como marcadores de algo. Estranho, né? Mas existem, só não vamos falar deles aqui, pois estamos falando de Dice Rolling. Então, voltando ao que importa… Rolar um dado pode ser usado para os dois grandes espectros da aleatoriedade: Input Randomness e Output Randomness. Isto é, ou você rola o dado depois que decide fazer algo (input) ou você decide o que vai fazer e o dado define o que realmente acontecerá (output). Então, isso acarreta em uma gama gigante de possibilidades. Já falei bastante disso por aqui, então não vou me estender muito. Vamos dar uns exemplos na doida de jogos que usam Dice Rolling bem e mal.

Nada mais frustrante que rolar um valor insuficiente para chegar em nenhuma sala e não poder fazer sua dedução em Detetive.

Por exemplo, dados são bem comuns para serem rolados e isso definir o quanto alguém se move. Isso é, inclusive, uma mecânica por si só. O falido Roll and Move. Não sei se vou falar dele um dia, já que dá para cobrir aqui. Quem usa isso? O famoso Detetive, sim, do Coronel Mostarda. Você rola um dado para mover seu boneco e isso é terrível, pois tirar um 1 é muito pior que tirar um 6. O desvio padrão é gigante. Geralmente, jogos que usam dados para isso falham miseravelmente. O motivo é simples: muita sorte e variação envolvida. Alguns jogos mais recentes usam de maneira melhor, como Colosseum (2007), no qual o jogador rola mas decide qual dos pinos vai mover. E, além disso, 1 ou 6 não necessariamente é melhor, depende das posições dos pinos. Então, talvez seu 1 rolado não sirva para um pino, mas sirva pro outro. Isso dá opções ao jogador, algo que falta quando você rola apenas um dado e tem apenas um pino. Merlin (2017) faz o oposto, você rola vários dados e com isso define sua ordem de uso. Essa ordem vai poder ser variada, consequentemente, variando as ações que serão tomadas. Mais uma alternativa para garantir escolhas ao jogador.

Jogador feliz com a sorte ao seu lado. A vantagem do combate em Eldritch Horror é que a quantidade de sucessos importa, já que é tudo revertido em dano.

Um outro uso muito comum do dado é rolagem para atingir um certo valor. Isso é extremamente usado em RPG, mas os jogos de tabuleiro também usam. Eldritch Horror (2013) é um jogo nessa linha. Basicamente, o sucesso é obtido tirando 5 ou 6, mas o jogador varia o número de dados. A ideia é simples: quantos mais dados, maior a chance. Entretanto, o resultado final é binário. O que para mim, é um problema. Em RPG isso é mitigado, pois geralmente existe um mestre e este pode criar uma variação de situações dependendo do resultado. Entretanto, em Eldritch você rola 10 dados e não tira um sucesso falhou. Ou rola 10 dados e tira 1 sucesso é igual a tirar 10 sucessos. Isso é ruim. Pior ainda é você rolar 10 dados e falhar, mas em outra jogada rolou 1 e teve sucesso. O caos do dado em jogos assim me costuma gerar apenas frustração, seja pelo excesso de azar ou sorte. Summoner Wars (2009) usa de uma maneira muito mais inteligente, o acerto é com 3+ e cada acerto é um de dano. Assim, deixa de ser binários e com a chance de sucesso mais elevada o jogo flui melhor.

Os dados não servem apenas para os jogadores realizarem suas ações em Burgundy, existe também o dado branco que apenas está distribuindo aleatoriamente a mercadora da rodada entre os portos.

É importante, sempre que usa-se dados criar maneiras de mitigar. Seja com re-rolagens, modificadores ou qualquer artifício. Yahtzee (1956) inseriu re-rolagens junto com pressionar a sorte. Não é a melhor implementação do mundo, mas é melhor do que apenas rolar e acontecer. O segredo é esse: dar opções e escolhas. Nenhum jogador quer ser apenas guiado como em Snakes and Ladders, no qual você apenas rola e tem a chance de pegar uma escadinha que lhe ajuda ou uma cobra que lhe derruba. The Castles of Burgundy (2011) e outros Euro Games fazem isso com primazia. Geralmente, temos algum recurso que ao ser gasto permite ou re-rolagem ou ajuste direto no valor. Tirei um 3 mas queria um 5? Gasto dois recursos e pronto. Troyes (2010) é um exemplo de faz-tudo, permitindo desde re-rolagens até “virar” o dado pro lado contrário usando um recurso chamado de influência.

Dados extras vendidos separadamente, claramente demonstrando que os que vem na caixa são meio que insuficientes. Safadeza.

A versatilidade dos dados é tão grande e amplia ainda mais quando você insere dados personalizados. Não basta ter um número, você pode ter ícones. Isso estoura as possibilidades. Seja para mudar a distribuição do dado, pois de 1 até 6 é demais. Você pode deixar apenas entre 2 e 4. Ou você quer ações distintas, e uma delas com maior frequência de ocorrer que as outras. Dá para brincar bastante. Jogos como Descent (2012) usam um sistema de combate totalmente baseado em dados coloridos com faces distintas. Facilita o processo, deixa os cálculos de probabilidades menos direto e dá margem para exploração. Outros Dungeons Crawlers , como Mice and Mystics (2012) e Arcadia Quest (2014) usam dados personalizados, justamente para aumentar o tema do jogo. Afinal, é melhor rolar um dado e ver uma espadinha do que um número que será convertido em sucesso ou falha.

O negócio pode ampliar ainda mais com os dados poliédricos. Os famosos dados com 4 faces, 8 faces, 10 faces, 12 faces e 20 faces, citando os mais comuns. Em jogos de tabuleiro, tem aparecido alguns com 8 faces e 12 faces. Provavelmente pela distribuição e possibilidade de inserir mais ícones ou aumentar/diminuir probabilidades de uma maneira melhor do que os dados padrões de 6 faces. O problema é que isso aumenta ainda mais o custo, especialmente quando customizados. Em Dead of Winter (2014), por exemplo, existe apenas um dado de 12 faces que todos os jogadores precisam ficar repassando na mesa. Em Battle of Westeros (2010) ou X-Wing (2012), são usados dados de 8 faces, mas que o conjunto não dá para todos os jogadores da mesa. Então, novamente, fica aquele passar de dados de um lado pro outro da mesa.

Uma boa alternativa para evitar os dados personalizados, é usar vários dados comuns de 6 faces. Catan faz isso desde 1995. O problema é que a distribuição é normal, isto é, é muito mais fácil conseguir um 7 do que um 12 com dois dados de 6 faces. Talvez no seu jogo isso seja interessante, mas não é para todo jogo. Machi Koro (2012) se beneficia disso, mas pode ser algo inviável para jogos que precisem de chances uniformes por valores, que é o caso da maioria dos jogos.

Acho que é isso, fiz um corre-corre de exemplos aqui. Espero que tenha servido, talvez não para demonstrar tudo que o dado faz, mas suas possibilidades.

Mas como implemento Rolling Dice no meu jogo? Sinceramente? De qualquer jeito quase. Eu tenho 21 protótipos e 7 deles tem dados. 1/3 dos jogos, é muito isso. Tem dado sendo usado para resoluções de combate, tem dado usado para pressionar a sorte, tem dado usado como trabalhador (Worker Placement, alô), tem dado usado como Pontos de Ação (opa, mais um que já vimos), tem dado sendo usado para Drafting. Então, é possível ver o quão versátil é o uso do dado. Rolling Dice transcende as mecânicas, vira um pensamento em cima de um componente.

Certo, Roberto, mas tem como dar algo mais palpável? Sinceramente… Não tem razão disso. Acho que por menos que você conheça jogos, você sabe as utilidades para um dado. Juntando com os jogos que falei aqui, você pode ter descoberto uma ou outra utilidade a mais. Deixe sua mente fluir e tente pensar em um jeito diferente de usá-lo, isso pode gerar muitas ideias novas. Claro, talvez você esteja tendo uma ideia que alguém já teve… Então, depois que pensar na sua, se informe. Não para descobrir que é uma “cópia” e desistir, mas sim para saber que algo parecido existe e você possa colocar algo diferente ou reaproveitar soluções. Sim, não tenha medo de usar uma mecânica (ou variação dela) já usada. Não é tão difícil se diferenciar de algo que já existe mudando os penduricalhos (mecânicas auxiliares ou principais) no seu jogo.

Então, bota a cabeça pra funcionar… Exerça sua criatividade e crie um jogo com Dice Rolling que seja interessante e divertido.

2 Comments

  1. Bruno Marchena
    14 de setembro de 2021

    Acho muito interessante a ideia de rolar 2d6 e continuar brincando com a distribuição normal e fugir do padrão implementado por Can’t Stop ou Catan. Em Catan, por exemplo, os recursos que serão obtidos com os resultados dos dados ficam fixos a partida inteira a depender da disposição das fichas com os números sobre os tiles hexagonais. Isso às vezes irrita o jogador que não tenha conseguido ocupar espaços de boas probabilidades de coletar aquele recurso (tijolo, por exemplo) que no setup ficou localizado com os números 6 ou 8. Caso ele só tenha conseguido pôr uma construção num espaço de tijolo com o número 2, por exemplo, ele precisará fazer todo um caminho tortuoso para monopolizar outros recursos e tentar suprir a sua demanda por tijolos nas negociações com os demais jogadores (ou se fiar em outras estratégias mais sofridas de vitória). Sei que há em Catan várias formas de mitigar isso, mas sempre imagino como seria um jogo que faça o contrário: a disputa entre os jogadores é por pôr ou tirar um determinado recurso, em determinado momento da partida, no “centro da distribuição normal”. Logo, a partir do seu desempenho em outros mecanismos do jogo, você conseguiria posicionar melhor a probabilidade de aquisição daqueles recursos/vantagens, utilizando ainda os dados como instrumento de amostragem. Não sei se me fiz entendido, mas esse textão todo é para perguntar se você conhece algum jogo que já tenha feito isso. A probabilidade dos resultados das rolagens de 2d6 não há como gerenciar (a não ser para aqueles colegas prestidigitadores safados), mas talvez brigar pelo que se possa potencialmente ganhar com aquela rolagem gere uma disputa interessante num jogo. Ou não? hahahaha

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    1. Roberto
      15 de setembro de 2021

      Acho que não entendi, um pouco confuso essa abstração pra mim.

      Mas acho que Can’t Stop já foge um pouco disso, pois ele combina 2 dados, ué. E é até melhor, pois você rola 4 e combina como preferir. Acho o uso dos dados aqui (e da distribuição normal) excelente.

      Em todo caso, sobre tua pergunta, que como falei não sei se entendi, mas concordo que Catan tem esse problema de ficar fixo e do jogador ficar preso e virar refém nas negociações e tudo mais… Mas eu, particularmente, não gosto de Catan.

      Tu deve conhecer, mas Machi Koro usa a mecânica de Catan, mas cada jogador meio que monta seu tableut de resultados. Já é melhorzinho não ter essa restrição do tabuleiro, mas perde muito na interação. É um multiplayer solitaire.

      Dice City não usa 2d6, usa vários coloridos e funciona como se fosse um Deck Building mas que os dados definem o que vai acontecer. Eu acho a ideia bem boa, não gostei tanto assim do jogo.

      Depois tu explica melhor tua ideia hehehehee Talvez seja os 2d6 gerarem os recursos mas outras ações serem necessárias para coletá-los para si? Se for isso, acho válido… Mas perde o impacto da rolagem, né? Vira um mero elemento de “alimentação” de recursos, já que não vai para nenhum jogador diretamente. O impacto da sorte e emoção se perde. É feito a alimentação do tabuleiro de Castles of Burgundy, todo turno você rola para ver onde vai parar a mercadoria (mas se você quiser tem que ir pegar lá). Não é incomum o povo até esquecer de rolar esse dado, de tão sem graça que é isso, pois não há decisão, é apenas um esquema de spawn aleatório. hehehehe

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