Mecânica #3: Action Points

Depois de cobrir duas mecânicas que curto, resolvi começar a entrar um pouco em terrenos menos alegres. Uma hora vou precisar cobrir essas mecânicas toscas que existem. Então, vamos começar devagar. Não odeio Action Points, inclusive um dos meus jogos favoritos tem a mecânica. Entretanto, não é algo que eu vá procurando por aí. Inclusive, tenho uma tendência a evitar jogos assim, pois me remetem a alguns problemas irritantes. Vamos começar?

Para não perder a tradição dos gráficos, resolvi trazer a mecânica atual para comparar com as outras que vimos aqui na Engrenando. Talvez, nesse ritmo, daqui para 2050 eu tenha todas as mecânicas em um gráfico gigante?

Provavelmente, até o momento, a mecânica com comportamento mais regular. Não é tão recente quanto o Worker Placement, nem tão abrangente quanto Set Collection. Então, tá nesse crescimento meio que acompanhando o crescimento das publicações. Na realidade, talvez não seja tão regular assim, pois Action Points é uma mecânica ligeiramente datada. Veja bem, ligeiramente, pois depende de como está sendo implementado. O jogo mais antigo listado no BGG é de 1948, um tal de Special Train. Você provavelmente não conhece e, inclusive, se for pesquisar vai ver que é um Action Points bem capengoso. Um bom exemplo, então, talvez seja o Survive: Escape from Atlantis. Sua primeira versão foi lançado em 1982, mas até hoje em dia o jogo é publicado.

Certo, mas o que é realmente Action Points? Bom, o nome já diz: Pontos de Ação. Basicamente, na vez do jogador ele possui uns pontos de ação que irá gastar para realizar ações no seu turno. Obviamente, como o nome é Pontos de Ação, a gente não considera jogos com uma ação por turno como a mecânica implementada. Na verdade, tem vários jogos que tem um sisteminha de duas ações que não é considerado. O que eu acho estranho, mas entendo. E é aí que entra a parte ruim da definição, até que ponto é ou não? Tem um limite mínimo? Bom, é como sempre digo: definições são um problema. Em suma, a mecânica de Action Points nada mais é do que um método de seleção de ações, só que bem simples. Ao menos quando implementado no seu estado mais convencional. Isso rende, obviamente, algumas vantagens e desvantagens. Começando pelo bom…

  • Fácil Implementação: é uma mecânica sem muito mistério de como colocar em um jogo. Uma vez que você definiu seu jogo e o que é possível ser feito nele, não tem mais o que fazer. Basta dizer quais são as ações disponíveis para o jogador, definir uma quantidade de Pontos de Ação e pronto. Inclusive, meu primeiro jogo foi assim. Ficou bom? Não, mas é uma mecânica muito fácil de usar.
  • Barato: não requer tabuleiro/componente extra para ser usado como um sistema de escolha de ações. Claro que uma cartinha resumindo as ações é bom, mas é bem diferente do necessário para funcionar um Worker Placement, por exemplo, que precisa dos trabalhadores e do tabuleiro. Ou de um jogo Card Driven, que você precisa de um baralho.
  • Liberdade: é um sistema bem flexível para o jogador e ao mesmo tempo fornece alguma estrutura. Então, o jogador ainda tem seu turno, pode ter várias etapas que precisa fazer se houverem, mas chegou no momento das ações você fica livre meio que para fazer tudo que o jogo lhe oferece. Tanto é que nos primórdios, essa mecânica era muito utilizada para jogos de simulação de combate (guerra). Afinal, que maneira melhor de criar um simulador do que usando algo que é livre mas sem deixar solto demais?

Então, de maneira geral, Action Points é uma mecânica simples e um bom caminho a ser desbravado por autores iniciantes. Você pode fazer um jogo com bastante opções, mas ele continuar tendo poucos componentes. Fora que seu balanceamento e criação são mais rápidos que a maioria das mecânicas usadas para o mesmo propósito. O problema é que essas qualidades da mecânica podem pesar contra também. Uns aspectos negativos são bem notáveis.

  • Analysis Paralysis: essa mecânica vai na contramão no design moderno de modo geral. Em vez de você fazer poucas coisas no seu turno, você tem trocentos Pontos de Ação para usar. O que isso significa? Que você faz vários “turnos” em um só. Consequentemente, você demora muito mais tempo no seu turno. Isso acarreta também no jogador ficar indo/voltando com as ações tentando otimizá-las ou, pior ainda, se a mesa for composta de gente chata. Aí, o jogador não pode ficar indo e voltando com as peças, então termina que ele passa 50 anos pensando para ter a certeza de que irá fazer tudo certinho. Termina que acompanhado ao AP (Analysis Paralysis) vem também o Downtime, que é outra bosta. Combo breaker: duas desvantagens em um só item.
  • Disponibilidade excessiva: diferentemente da maioria das mecânicas usadas para seleção de ações, com Action Points você não tem nenhuma interação entre os jogadores. Afinal, chega no seu turno a ação sempre está lá para você escolher ela. Então, deixa de ser um mero problema de interação, se torna também um problema de falta de desafio. As escolhas se tornam simples, pois não à escassez ou entraves nelas. Designs mais modernos estão optando por inserir algumas restrições, mudando um pouco a mecânica em si.
  • Genérica: jogos que usam Action Points precisam de outros aspectos muito mais fortalecidos para não ficar um jogo genérico e sem alma. Isto é, o enfoque do seu jogo não pode ser nas ações, mas sim em outros elementos. Isso não é tão fácil de fazer, mas é possível. Sabe como você pode perceber isso? Pegando um jogo que é centrado na mecânica de ações e mudando para Action Points. O jogo fica, notoriamente, ruim.

Resumindo, não sei vocês, mas eu vejo Action Points como uma mecânica ciladinha. Ela tem uns aspectos positivos interessantes, mas que não batem de frente com o negativo. Eu vejo sua utilidade em duas situações específicas: Ou seu jogo já tem outros elementos muito mais importantes do que o ato de escolher as ações em si que não precisa de nada interessante nesse aspecto ou seu jogo é para ser bem simples e direto mesmo, funcionando perfeitamente bem com a proposta do jogo. Talvez não tenha ficado ainda muito claro, mas eu vou dar uns exemplos.

Em Kanban, você aloca seu trabalhador em alguma das salas e opera nela gastando seus Pontos de Ação (1-3 dependendo).

No primeiro caso, eu poderia citar Hansa Teutonica (2009). Jogão demais. Nesse jogo você tem interação ferrenha durante a partida e as decisões são todas muito importantes, mesmo que você sempre possa realizar qualquer ação no seu turno. Portanto, você não precisa de uma mecânica de escolha de ação que dê interação ou desafio adicional. Hansa Teutonica também é um jogo com muita identidade, provavelmente introduzindo o tabuleiro pessoal com itens saindo para melhorá-lo. Algo que só foi realmente popularizar com Terra Mystica alguns anos depois. Por fim, temos sim o problema do AP… Infelizmente, esse não é resolvido não. A vantagem é que pelo menos a quantidade de ações só aumenta se os jogadores investirem nisso, não sendo um problema presente desde o turno 1 ou sequer em todas as partidas. Em todo caso, esse jogo não se beneficiaria de um outro sistema de ação, pois o sistema mais simples que existe já deixa o jogo com muita coisa. Kanban (2014) é um outro bom exemplo. O jogo tem um milhão de partes que interagem umas com as outras a serem consideradas, inclusive ele possui dois esquemas de seleção de ações. O primeiro é Worker Placement e o segundo é com Action Points. Decisão acertada, imagine um Worker Placement com um Drafting depois? Seria uma loucura.

Todo turno de Survive o jogador recebe três Pontos de Ação para gastar entre movimento dos seus meeples e movimento os barcos.

No segundo caso, eu poderia citar o que já foi citado: Survive (1982). É um jogo descompromissado, com muito Take That e risada. O foco do jogo não é a estratégia ou ficar pensando demais nas suas ações. Elas costumam ser um pouco óbvias e com muita dependência no caos que ocorrerá durante os próximos turnos. Então, usar Action Points aqui é uma excelente maneira de dizer: “o jogo é isso mesmo, não tem nada demais e não faria sentido colocar algo mais complexo aqui”. E pronto. Nem todo jogo precisa ser cabeçudo.

E todos os outros jogos que usam Action Points que não se encaixam nessas categorias? Bom, vamos xingá-los nesse instante. Vamos começar por um adorado: Pandemic (2008), seja lá qual for a versão. Pra que diabos os jogadores fazem várias ações em vez de cada um ir fazendo uma por vez? Simples: decisão de design para manter o balanceamento certo entre o bem (suas quatro ações) e o mal (as cartas de Infecção). Sendo que Pandemic se beneficiaria horrores de um fluxo mais veloz, pois tiraria um pouco do foco do turno do jogador. O que ocorre em Pandemic? Pontos de Ação é uma mecânica muito simples para um jogo cooperativo, tão simples que o jogo autoriza, sanciona e aplaude o Alpha Player. Com muitas ações em um turno isso é potencializado, pois o jogador da vez recebe toda atenção para si. Se você fizesse só uma Ação por turno, talvez o enfoque fosse menor no seu turno, em vez de todo mundo discutir a exata ordem das suas ações do seu turno. Esse sistema me fez pegar um ranço forte de jogos cooperativos nos primórdios. Todos os do Matt Leacock são assim, mas tem vários outros cooperativos assim, Arkham Horror e Eldritch Horror são do mesmo jeitinho. Não sei se apenas uma ação realmente ajudaria esses jogos, mas claramente se fizessem assim precisariam de uma reformulação completa na parte dos inimigos. Não parece ser algo que valeria a pena, até porque sou uma minoria.

Pontos de Ação que você pode usar para: mover seus meeples, colocar um acampamento, descobrir um nível de templo, recuperar um tesouro, trocar tesouros, colocar um novo meeple, colocar um guarda no templo. Ufa.

Um exemplo clássico, e provavelmente um jogo que botou a mecânica no mapa dos jogos de tabuleiro modernos foi Tikal (1999). Sendo que ele comete um erro em especial, o problema do Analysis Paralysis e Downtime. Aprendam com os grandiosos Kramer & Kiesling, não dê muitos Pontos de Ação por turno a um jogador e muito menos um crescimento exponencial das opções. Nesse jogo eles usam 10 pontos e variam os custos das ações. O que aumenta ainda mais a necessidade de otimizar o turno e, consequentemente, aumenta as chances daquele jogador que curte pensar demais à pensar mais ainda.

Acho que é uma boa falarmos aqui de Merchants & Marauders (2010). Acho que a mecânica escolhida foi a certa, mas tem um problema que seria importante você evitar nos seus próprios jogos: ações com durações diferentes demais. O que isso quer dizer? Um turno em M&M pode durar 5 segundos ou 5 minutos. Isso acontece, pois as ações variam demais no quanto você demora para realizá-las. Mover o barco é algo muito rápido e que não demanda nenhum tempo, enquanto que combate entre barcos pode demorar consideravelmente mais e no meio do caminho (em duração) temos as ações nos portos. Algumas ações são minijogos e outras não, isso que cria essa disparidade. Talvez, a melhor opção seria ser justo: ou bota minijogos em todas as ações ou em nenhuma. O problema é que se você botar em todas, facilmente a melhor opção seria que cada jogador tivesse apenas uma ação por turno. Ou se não for ter minijogo em nenhuma ação, você poderia até aumentar a quantidade de ações por turno. O que quero dizer é: se você for usar Action Points, mantenha as ações o mais próximas possível, nem que para isso você precise juntar ações em uma só ou algo assim. Essa discrepância de tempo é frustrante, pois vai chegar no final da partida em uma mesa com três jogadores com um dos jogadores tendo demorado 70% ou mais da partida, enquanto os outros dois jogaram só 30% dela. Tudo isso apenas por conta do tipo de ação tomada pelos jogadores.

Blood Rage (2015) já é um Action Points mais diferentão. Ele tentou mesclar turnos simples com Pontos de Ação. Isto é, no seu turno você faz uma ação só, mas gasta uma quantidade variável de Pontos de Ação. O processo se repete até você zerar seus Pontos de Ação. Eu, inclusive, não considero que esse jogo possua essa mecânica, mas não vou brigar com o BGG, né? Em todo caso, aqui é um bom exemplo. É um sistema simples e que pode ser facilmente balanceado para se adequar a realidade do seu jogo. Sim eu menti, ainda tem uns bons exemplos de uso da mecânica. E já que falei em Blood Rage, posso dizer que algo similar é feito com Kemet (2012). Que também não considero Action Points, tá mais para um self Worker Placement. Conclusão? Action Points só ficam realmente legais quando não são exatamente Action Points.

Jogador recebe pontos de fé (barra em cima) e gasta nas ações, sendo que apenas uma por turno. Um pouco diferente do usual de Action Points, mas para mim, uma mecânica muito melhor e mais fluida.

Certo, mas como implementar? Não tem nem o que fazer. Primeiro defina seu jogo, depois defina as opções do jogador, bota tudo como ação. Pronto. Está feito. Exemplificado com Rogue’s Quest, que não é um bom exemplo, mas é um exemplo. Eu queria criar um jogo que um ladino invadia um castelo em busca de tesouros. Quais as possibilidades? Arrombar portas, mover-se, atacar, esconder-se, desarmar armadilha, etc. Cada uma dessas é uma ação possível. Dei alguns Pontos de Ação para o jogador e o jogo estava rodando já. Depois disso, restava ir balanceando, cortando ações, adicionando outras. Não tem mistério. Resta você testar e balancear e encontrar variações que melhorem a experiência. Uma recomendação que vou aproveitar a oportunidade para deixar é: se for ter Action Points no seu jogo, tenha todas as opções em um resuminho.

Postagem um pouco mais curta, acho que estou pegando o jeito. Ou perdendo?

2 Comments

  1. Vinícius Raiio
    18 de junho de 2021

    gosto mto do seu blog, e essa coluna “engrenando” está sendo MUITO util, continue escrevendo sobre as mecanicas, ajuda bastante no processo de desenvolvimento dos meus jogos. Muito obrigado

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    1. Roberto
      18 de junho de 2021

      Massa Vinicius, obrigado pelo comentário… Serve para dar um gás. ;D

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