Registro #4: Jogos parecidos?

Já faz quase um mês desde o último Pinheiro Diário, pelo visto devia ser Pinheiro Mensal. Ba dum tss! Na realidade, a demora é por conta do restante do conteúdo do blog, mas cá estamos nós. Admito que nesse mês não trabalhei tanto quanto gostaria, mas trabalhei. E vim aqui reportar ao meu chefe: eu mesmo. Ou seriam vocês? Não importa. Durante esse mês rolou mais uns Playtests e uma descoberta sobre o protótipo do Gatão.

Quando eu criava jogos eu levava protótipo todo evento. Aqui eu ando mais na minha, talvez o contato ainda seja pouco para eu me sentir confortável em pentelhar todo mundo com minhas criações. Sendo que como estou nesse processo de reformulação com o Distrito 4, eu queria botar na mesa com jogadores de verdade. Então, quando teve o evento aqui em Juazeiro do Norte eu levei o jogo e consegui montar uma mesa com quatro jogadores. Fiquei de fora da partida, pois queria ver como seria a dinâmica com apenas jogadores novatos.

Playtest de Distrito 4 no Joga Cariri.

A partida durou 1 hora e 4 minutos, uma duração dentro do esperado. Estou bem satisfeito com esse tempo para um jogo com o peso do Distrito 4 e com 4 jogadores acho que está bom. Ainda mais considerando a primeira vez de todos e muitos passando as primeiras rodadas pensando bastante, voltando algumas jogadas inclusive. As pontuações foram próximas, o que é um bom sinal também. Dentre as modificações a mais importante foi a redução do movimento do trator para apenas uma moeda e algumas pontuações. Deu para perceber que os jogadores tiveram mais liberdade para construir, já que não ficavam tão travados por conta do trator. Então, em geral o teste ocorreu conforme desejado.

Final da partida com Trator custando uma moeda. Todos os locais do Distrito ocupados e muitos prédios de apenas um andar.

Entretanto, algo me deixou um pouco preocupado. Um dos jogadores falou que talvez existisse uma estratégia vencedora. Seria tentar correr para cumprir os objetivos e terminar logo com os dados, construindo sempre dados no primeiro andar. Inclusive, foi assim que ele venceu, com a maioria dos pontos vindos de objetivos (da mão e da mesa). A priori não imaginei que tivesse, pois a partida anterior rolou o contrário. Sendo que como agora mover o trator é mais fácil, facilitou para espalhar as construções. Então, ao refletir, imaginei que poderia realmente ser uma possibilidade. Imaginei isso, pois no Distrito 6 existia uma “trava” natural no jogo, pois apenas 4 dados eram construído no máximo por rodada. Então, era impossível alguém rushar facilmente. No Distrito 4 não existe essa trava, é um design muito mais livre. A vantagem da liberdade é que da margem maior a criatividade do jogador, mas também dá margem a problemas de balanceamento surgirem. Então, para diminuir minhas preocupações resolvi fazer alguns Playtests Solos.

Final da partida com Trator custando duas moedas. Alguns locais desocupados e várias construções com mais de um andar.

Então, para testar eu fiz alguns perfis de jogadores: um dos jogadores seria o rusher tático, isto é, constrói sempre que dá. O outro seria o rusher estrategista, que iria juntar recurso para construir vários dados de uma vez. Os outros dois perfis foram um investindo em andares altos, para pontuar muito, meio que o oposto ao rusher e o outro jogador sem pensar muito (vulgo jogador ruim). O problema é que não estou resistindo a tentação de não pensar. O jogador ruim, na verdade jogou bem. Bom… Terminou que o rusher tático ganhou, basicamente por conta da velocidade dele, ele meio que negou as possibilidades do rusher estratégico de fazer pontos com objetivos. Mas eu também joguei muito mal com o rusher estratégico, pois nem os próprios objetivos eu cumpri. A diferença de pontos foi pouca, apenas de 3 entre o vencedor e o segundo (que foi o da estratégia oposta ao rusher, o que é mais um bom sinal). Para ter a certeza de que a mudança de apenas uma moeda para mover o trator foi boa, eu testei usando duas moedas os mesmos perfis.  Dessa vez, os dois rushers se deram mal, comprovando que o trator impede de rushar e beneficia demais a construção em andares mais altos. Como o distanciamento dos pontos com o trator custando dois foi maior, deduzo que o desbalanceamento seja maior também na diversidade de estratégias do jogo. Então, por hora vou mantê-lo em com custo um.

Sendo que para balancear mais, vou pesar a mão reajustando a pontuação das maiorias, que foi reduzido por medo dos andares altos estar forte demais. Só que nessa época o trator tinha custo dois, logo acredito que retornar a pontuação antiga das maiorias vai ajustar tudo perfeitamente e cair como uma luva. Eu deveria ter testado uma terceira vez nesse mês, mas fiquei só na ideia das modificações e não testei de fato. Bom, no próximo reporte, pode ter certeza que irei testar com as novas pontuações. Espero boas novidades.

Opa, ainda não acabei. Depois de tanta conversa, finalmente chegarei no tópico do título. Na segunda semana de Outubro rolou algo no mínimo inusitado. Um dos co-autores do Gatão mandou um e-mail mostrando um jogo com mesma temática e até com jogabilidade similar. Eu já estou um pouco acostumado com isso, depois do que aconteceu Teotihuacã, nem me abalo mais… Para quem está desacostumado com essas coincidências no mundo da criação o impacto pode ser bem forte. Afinal, quando você vê que um jogo tem um modo que tem inclusive o mesmo nome que um modo do seu próprio jogo e as regras seguem praticamente a mesma lógica, é de dar um tilt mesmo. A questão, é que você não precisa se desesperar se isso acontecer com você.

Os jogos diferem uns dos outros de várias maneiras: quantidade de jogadores, público alvo, complexidade, duração, custo do produto, etc. O problema é que essas nuances, geralmente, não são vistas pelo público geral. Eles vêem um tema parecido e já acham plágio. Vital Lacerda já teve problemas com isso, pois vai lançar um Euro Game pesado que se passa em Marte, mas antes dele foi lançado o Terraforming Mars. Pronto. Acusações voando a toa. Nosso jogo, em essência, é diferente do jogo encontrado pelo meu co-autor (vamos chamar de Cachorrão, para diferenciar). Basta você observar o jogo por outros parâmetros. Gatão é obrigatoriamente jogado em times, Cachorrão tem variações durante a partida de todos contra todos e um contra um. Gatão tem vários modos, mas cada modo é uma partida inteira; Cachorrão tem vários modos, mas você joga um bocado deles durante uma única partida. Gatão tem um tipo de componente que não existe em Cachorrão e traz uma dinâmica bem diferente. Gatão custará umas três ou quatro vezes mais do que Cachorrão, isso não é lá uma boa perspectiva, mas claramente demonstra a diferença. Aí você tem que parar e refletir: tendo em vista essas diferenças, meu jogo ainda merece ser publicado? As pessoas ainda comprariam Gatão existindo Cachorrão no mercado?

Bom, no nosso caso sim. Eu assisti vídeos diversos de Cachorrão, inclusive de Gameplay e, modéstia a parte, nosso jogo é superior. Cachorrão peca em vários critérios, existe regras de votação para evitar problemas com Runaway Leader; a rejogabilidade me pareceu baixa, apesar de possuir duas dezenas de modos; modos que parecem existir apenas para fazer volume. Entendo que Gatão também tem seus problemas, mas é superior. Talvez você diga que eu não seria o melhor juiz, afinal eu criei Gatão. Sendo que eu não vejo assim, na realidade meu vínculo pessoal com os jogos que crio é pequeno. Eu sei que tenho jogos ruins e jogos bons. Gatão não é o melhor deles, mas também não é o pior e com certeza é melhor que Cachorrão. Claro que Cachorrão tem uma vantagem grande sobre Gatão: o preço. Então, se você gostar do estilo de jogo e não quiser investir tanto, talvez opte por Cachorrão. O problema é que Cachorrão é aquele velho barato que sai caro, você vai comprar, jogar meia dúzia de partidas e se desfazer. Gatão não, a ideia é que os modos sejam jogos completos e distintos para que você jogue durante um bom tempo. Vai enjoar? Claro, como tudo na vida. Mas vai demorar muito mais. E também não vai ver soluções fake para problemas reais de jogabilidade. Tratar Runaway Leader dando ponto de consolação pros que estão atrás é, no mínimo, Lazy Design.

Então, nesse meio tempo eu trabalhei nas regras do Gatão, para melhorar e para inserir mais elementos, deixar o jogo mais robusto e os modos com duração compatível uns com os outros. Isto é, evitar modos rápidos demais e sem decisões. Acho que o resultado ficou bom. Mandei pros outros co-autores darem uma olhada. Já modificamos algumas coisas e o trabalho segue.

2 Comments

  1. Cássio Nandi Citadin
    1 de novembro de 2019

    Fala Roberto!
    Que legal essa metodologia de usar perfis de jogador. Mas não parece fácil aplicar eheh

    Essa questão de jogos “similares” é curiosa hein, ainda mais acontecendo novamente com vc como foi o caso do Teotihuacã. No Brasil tem clássico caso do Space Cantina VS Grand Austria Hotel, mas já foi falado pelo designer do Space Cantina (e ele faz piada sobre) que os jogos foram desenvolvidos a parte, sem contato dos designers nem nada. O tema de servir comida e uso de dados é o que faz os jogos serem “parecidos”.

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    1. Roberto
      1 de novembro de 2019

      Acho nada a ver essa comparação do Grand Austria com o Space Cantina… Nunca joguei o Grand Austria, mas pelos vídeos que vi e tudo mais ele parece um bom jogo. =D hehehe

      Acho que em geral, essas comparações são ignorantes e sem pegar o panorama total da coisa. Dizer que Space Cantina e Grand Austria são parecido por conta do tema e do drafting é de uma ignorância gigante. A partir do momento que Space Cantina misturou draft de dado e carta já é outro jogo (e um erro terrível também) Aposto que se Grand Austria não tivesse comida ninguém diria nada

      Um exemplo recente que eu realmente concordo que é parecido e pode ter rolado algum plágio é Insider e Werewords… É difícil um jogo ligeiramente mais complexo ser parecido, pois em um momento as mecânicas são diferentes e a dinâmica também.

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