Diário do Designer: Regicida (Parte 1)

Saudações, pessoal. Se você tem acompanhado o blog, já sabe da publicação de Regicida. Por conta disso, restaurei uma antiga postagem que eu preparei muito tempo atrás e ficou engavetada, pois não achei que o jogo fosse sair mais. Entretanto, cá estamos nós! A jornada será da concepção à publicação. Então, teremos um longo caminho para desbravar.

Resolvi organizar esse Diário do Designer igual a um diário mesmo. Isto é, com os dias dos vários relatos. Isso vai lhe dar uma noção exata de como tudo aconteceu e com o tempo para você ter uma noção de como todo o processo demora. E, nesse momento, você talvez se pergunte. Nossa, como esse cara lembrou de todos os detalhes do processo de desenvolvimento do jogo? Anotações, muitas delas.

Como já comentei, essa postagem foi desenterrada. Ela iniciou a ser elaborada em 12 de junho de 2017. Sim, três anos atrás. Obviamente não sou livre de falhas e nem tudo está presente no Diário, além disso também excluí alguns registros. Nessa exclusão se foram vários Playtests, seja por não renderem modificações no jogo ou simplesmente por não haver nada de muito relevante a ser repassado; também removi parte das postagens sobre a versão assinada, pois não vi muito sentido em ficar falando sobre arte ou outros detalhes de uma versão que provavelmente não vai sair mais; e, por fim, também removi uma reca de anotações pessoais, para melhorar a leitura e enxugar um pouco o tamanho desse Diário.

Como a postagem ficou extremamente longa, eu dividi em várias partes. Ou melhor, em Atos, porque o negócio é épico. Na realidade, nesse exato momento, ainda não foi finalizado todo o processo. Como meu planejamento é postar um Ato a cada um ou dois meses, daqui para a conclusão a maioria estará escrito. Pois bem, não tenho muito mais a comentar além disso, pois o que importa mesmo é o conteúdo do Diário. Então, vamos começar…

ATO 1: Ascensão


25/05/2017 – Ideia inicial

Já tem um bom tempo que eu pensava em criar um jogo com identidades secretas, no qual cada jogador tem uma cor, mas ninguém sabe qual a cor dos oponentes. Assim, no decorrer da partida, o jogador tenta obter a vitória sem deixar muito claro qual é sua cor, pois isso evita que os jogadores tentem frustrar seus planos.

Gosto desse estilo de jogo, pois o aspecto de blefe e dedução estão inseridos de um jeito bem elegante e funcional. Existem alguns jogos assim e gostaria de destacar um que tenho na coleção, chamado de Clans. Esse jogo foi repaginado e trazido ao Brasil com o nome Fae. Os valores variam de R$ 110,00 à R$ 180,00. Guarde essa informação, vai ser bem importante no futuro.

Em todo caso, eu sempre adiei essa ideia, pois me parecia ser difícil de testar pela dinâmica social. Como meu procedimento é sempre fazer Playtest Solo antes de apresentar às pessoas, eu iria esbarrar na dificuldade de jogar um jogo de blefe e dedução sozinho. Sendo que agora, eu estava elaborando um jogo para o Desafio da Caixinha. Imaginei que com as restrições de componentes do Desafio evitaria eu divagar demais e como era um Desafio, acho que ninguém esperava um jogão saindo. Foi assim que tudo começou.


26/05/2017 – Conceito Elaborado

Então, eu já tinha em mente qual o estilo do jogo, mas ainda faltavam vários detalhes. Como é um Desafio e eu achei que o jogo seria bem ruim, tanto pelo fator tempo de desenvolvimento disponível quanto pelo fator tamanho. Eu resolvi também investir em um tema que gosto e que não poderia ser comercializado: Game of Thrones. Com esses parâmetros em mãos (mecânica e tema), a ideia começou a tomar forma. Cada jogador representaria uma das Casas de Westeros e seu objetivo é satisfazer alguma condição: ter maior agrupamento, ter mais quantidade presente no centro, etc. Simples e direto. Sendo que um fator que sempre achei problemático nesses jogos de dedução de cor, é que é possível vencer mesmo que todos os outros jogadores saibam qual é a sua cor. Então, pensei de existir uma Fase no final da partida, no qual a cor que está vencendo pode ser eliminada pelos demais jogadores, se este for descoberto pela maioria. Uma espécie de assassinato mesmo. E assim surgiu o nome Regicida.

O jogo seria um Tile Placement, no qual cada tile teria frente e verso com casas de Westeros. O jogo seria dividido em três Fases: uma Fase para construir o tabuleiro com os tiles, uma Fase para manipular o tabuleiro à seu favor e outra fase para potencialmente assassinar um jogador. Bem simples. Escrevi as regras nesse mesmo dia (também em formato miniatura para caber na caixa).


Protótipo feito às pressas com nome do jogo errado na caixa.

27/05/2017 – Protótipo v0.1

Com a ideia toda em mãos, coletei imagens dos escudos das casas, imagens do trono de ferro e de Jaime Lannister (a.k.a. Regicida). Tudo em um esquema meio minimalista, para ficar adequado à realidade da caixinha.

Imprimi essa primeira versão em casa mesmo, recortei tudo e montei o protótipo para testar na Taverna no dia seguinte. Ficou meio porco, mas tudo coube na caixa. Isso mesmo, perceba que não fiz nenhum Playtest Solo. No máximo joguei o jogo na minha cabeça e aparentemente o jogo conseguiria chegar até o final. Espero que eu esteja correto, se não vou submeter uns coitados à tortura. Bom, tendo em vista que o tempo era curto eu também iria aproveitar e fazer Blind Playtest do manual. Sim, vida louca. O jogo nunca testado e já ia ter Blind Playtest. Afinal, se é para dar errado, vamos logo abrir as portas para tudo errado.


28/05/2017 – Blind Playtest (4 jogadores) e Playtest (3 jogadores)

Playtest da v0.1 na Taverna.

Uma das primeiras coisas que percebi com o protótipo é que eu cometi um erro na montagem: cortei separado a frente e o verso e colei elas. Então, antes mesmo da partida começar já tinha algumas frentes soltando dos versos. Para minha sorte não cometi o mesmo com as cartas de identidade secreta. Essas sim, se soltassem iriam estragar a partida. Eu evitei colocando a frente e o verso lado-a-lado na folha e recortei os dois juntos. Assim, eu pude dobrar o papel e colar, de modo que sempre tinha um elo entre os lados. Esses tiles resistiram anos sem descolar. Então fica a dica, se for fazer um protótipo rápido com tiles (cartas não serve, fica muito tosco) coloque frente e verso no mesmo lado da folha, um ao lado do outro e cole as partes dobrando um sobre o outro. Funciona muito bem.

Bom, posso dizer que esse Blind Playtest foi, no mínimo, interessante. Eu joguei a partida, mas não interferi na explicação e nem tirei dúvidas. Tirando um detalhe, que eu de fato esqueci de colocar no manual, o manual funcionou muito bem. Quem leu foi um amigo desenrolado, então pretendo verificar com pessoas menos gamers, mas acho que estou em um bom caminho.

Ajustes ainda precisam ser feitos nas regras, colocar figuras para facilitar a identificação dos componentes e talvez alguns exemplos simples. De modo geral, estou satisfeito com o resultado dessa primeira versão. Foi extremamente surpreendente como o jogo funcionou de primeira.

Entretanto, apesar do jogo ter funcionado, não foi perfeito. Eu achei a parte do assassinato complicada e até mesmo esquisita. Já tive ideias de como melhorar e vou preparar um protótipo melhor, pois acredito que os componentes não mudarão mais. Se existirem modificações a partir desse ponto, devem ser todos com relação às mecânicas.


07/06/2017 – Alteração nas Regras (v0.2)

Matutei algumas modificações com base no Feedback dos Playtests. Antes de falar sobre elas, vale a pena explicar um pouco do jogo além do que já foi exposto até o momento. Nessa versão, o jogo é composto por 36 tiles com frente e verso aos pares de casas, compondo todos os pares possíveis. Afinal, 6×6 = 36. Supondo, então, a Casa Lannister estará presente em seis tiles e no outro lado do tile serão as demais cinco Casas e um dos tiles será todo de Lannister (tanto frente como verso). Compondo assim todos os tiles do Lannister. Repetindo o mesmo para todas as outras Casas, teremos os 36 tiles. Obviamente, como o jogo não é de memorização, o que tem do outro lado do tile é indicado na frente e vice-versa. Assim, o jogador sempre sabe o que tem na frente e no verso de um tile sem precisar ficar virando ele.

Agora que você sabe do que estou falando, devo dizer que surgiram algumas modificações. Durante a Fase de Intriga os jogadores podem ou trocar dois tiles adjacentes de lugar (swap) ou virar um tile qualquer (flip), pois como falei: a frente e o verso dos tiles são de Casas diferentes. Como o flip é bem mais fraco do que o swap, levando em consideração que os objetivos envolvem posicionamento das casas. Eu resolvi intercalar essas ações. Isto é, existem rodadas de flip e outras de swap. Assim, todas as duas ações seriam usadas em quantidades iguais durante a partida.

A outra modificação foi com o assassinato. Antes, para o assassinato ocorrer, precisava da maioria dos votos em um jogador. Isso acarretava em dois problemas:

  1. Em caso de empate, ninguém morreria? Os dois morreriam?
  2. Em caso da maioria votar em um jogador, mas o outro jogador levou também muitos votos, ele está a salvo?

Para resolvê-lo, coloquei um limiar fixo. Se duas pessoas ou mais votarem na pessoa correta, ela é assassinada. Simples, direto e, por incrível que pareça, escalonou bem em todos os números de jogadores. De 3 a 5 jogadores (quantidade de jogadores permitidos na época) funcionou. O motivo eu acredito que sejam as opções. Quanto mais jogadores, mais difícil é acertar o jogador correto, mas como existem mais votos tudo fica balanceado de um modo extremamente funcional.


28/06/2017 – Alteração nas Regras (v0.3)

Depois de 3 semanas, tive mais ideias de como melhorar o jogo. Engano meu que o jogo não mudaria mais os componentes, pois nessa versão mudou.

As cartas deixaram de ter uma Casa na frente e outra no verso. Essa ideia funcionava bem conceitualmente, mas na prática falhou. Muitas vezes, por conta do mero acaso do lado que os tiles estivessem em uma determinada partida, uma Casa ficava tão fraca durante a montagem do tabuleiro que não tinha chances de vencer. Agora todas as Casas estão com a mesma presença no tabuleiro, sempre.

Além disso, como a ação de dar flip na carta era muito fraca, dois problemas foram resolvidos de uma vez só. A ação flip não existe mais, só existindo a ação de swap. Ao trocar de lugar, as duas fichas são viradas para seu verso (que é a mesma Casa da frente). O que muda agora é que os lados possuem cores: branco e preto. As fichas iniciam no lado branco e mudam para o lado preto após o swap. Fichas viradas para o lado preto não podem mais ser manipuladas, isto é, estão travadas durante o restante da partida. Isso resolveu um outro problema que existia, de um jogador desfazer a jogada do outro.

Aumentei também a quantidade de jogadores para 6 jogadores, não vi razão para que fosse obrigatório ter que ficar alguma Ficha do Trono de fora da partida. Na realidade, acho que 6 jogadores pode ser, potencialmente, a melhor quantidade de jogadores.

Fiz mais uma modificação no assassinato. Antigamente, apenas o jogador vencedor era eliminado e os demais disputavam. Isto é, o segundo vencia sempre. Isso dava margem para uma estratégia vencedora do último jogador: como ele era o último a realizar as modificações, bastava manipular o tabuleiro de modo a ser o segundo e torcer para o primeiro ser assassinado. Obviamente, não era 100% garantido, mas é um problema grande existir essa possibilidade. Minha solução foi: após o assassinato, se o jogador for eliminado, apenas os jogadores que deduziram corretamente poderão ser vitoriosos. Então, não adianta ser o segundo e errar quem era o primeiro. Você precisa ser o segundo, acertar o primeiro e não ser o único votante no primeiro. É uma estratégia válida, mas longe de ser fácil.

Fiquei bastante satisfeito com as ideias e mudanças dessa versão. Agora é colocar na mesa.


29/06/2017 – Protótipo Melhorado

Com as modificações em mente fiz um protótipo novinho. Agora os componentes estavam melhores. Não que fossem ótimos componentes, pois se a gramatura dos tiles fosse alta demais não caberia na caixinha.

Fotógrafo terrível mostrando os componentes da nova versão.

01/07/2017 – Protótipo Zarpou

Rolou evento da Game of Boards, mais detalhes aqui, aqui, aqui e aqui. Sim, foi uma série de 4 partes sobre o evento. Infelizmente, o evento foi muito corrido e só pude colocar Teotihuacã na mesa. Foi o jogo que de fato inscrevi no evento e estava como concorrente do concurso. Então, não tive a chance de testar o Regicida. Sendo que aconteceu algo muito bacana. E essa é uma história que merece ser contada.

No evento estavam diversas Editoras, mas todas com tempo muito apertado. Eu, claro, levei todos os meus jogos. Como eu só tinha contato prévio com o Renato (da Geeks N’ Orcs) eu pentelhei ele um bocado durante o evento. Comentando dos jogos que eu tinha levado para o evento e tudo mais. Afinal, minha ideia não era apenas ir para o concurso. Era, principalmente, ter contato com as Editoras. Saí bem frustrado, pois não consegui testar nada com nenhuma e nem ter um tempo para conversar bem com nenhum durante o evento.

Sendo que algo aconteceu na volta. O voo do Renato atrasou bastante, ele tinha saído bem mais cedo que eu do evento e ainda estava lá sentado próximo ao portão de embarque quando eu cheguei no aeroporto. Isso me deu tempo suficiente para jogar uma partida inteira de Mataru Okara com ele e também ofereci, sem nenhuma pretensão, o protótipo de Regicida. Afinal, um jogo de 3 a 6 jogadores é tão a cara da Geeks N’ Orcs que valia pelo menos um Feedback para eu melhorar o jogo futuramente.

Voltei para Recife, triste com a improdutividade do evento, mas feliz pelo encontro do aeroporto.


06/07/2017 – Blind Playtest (4 jogadores)

Antes de comentar sobre esse dia, gostaria de fazer um destaque que essa foi uma experiência atípica. Geralmente, quando entro em contatos com Editoras a demora em responder é grande. A demora em testar o jogo é maior ainda. Já tive casos de esperar 6 meses e o jogo sequer ter sido testado. Então, me surpreendi em ter um retorno da Geeks N’ Orcs em tão poucos dias.

Renato tinha deixado uma mensagem no Facebook comentando que tinha testado Regicida. A partida foi com 4 jogadores e o Feedback tinha sido bastante positivo. Renato havia gostado bastante do jogo. Entretanto, ele teve algumas ideias para deixá-lo mais pesado e mais complexo. Eu, empolgadíssimo, comecei a matutar sobre as ideias que ele deu.


07/07/2017 – Blind Playtest (3 jogadores) e modificações (v0.35)

Enquanto eu refletia sobre as ideias, Renato chegou e disse que havia testado outra vez. Pelo visto o jogo “clicou”, pois ele disse para descartar todas as mudanças que tínhamos conversado ontem baseado no novo Playtest com 3 jogadores. E que tinha apenas uma sugestão para agora: colocar cada peça com um valor diferente, para ser o terceiro critério de desempate.

Aproveitando a oportunidade, é bom comentar sobre como está a condição de vitória do jogo. Atualmente, existiam os seguintes objetivos: ter maior agrupamento (ficar tudo adjacente), ter mais agrupamentos (espalhar-se no tabuleiro sem ficar adjacente), ter mais representantes no centro, ter mais representantes nas bordas, ter maior linha de representantes e ter maior diagonal de representantes. Portanto, era seis objetivos e as fichas de objetivo tinham frente e verso, com os lados antagônicos em cada face. Assim, cada partida teria um objetivo primário e um secundário. O secundário só é utilizado para desempate. Por isso disse que os pontinhos seriam o terceiro critério de desempate, pois já existiam dois.


10/07/2017 – Fechamento do Contrato

Nesse dia conversei com o Renato pelo Skype para tirar todas as dúvidas sobre o contrato.


FIM DO ATO 1

2 Comments

  1. Emerson Andrade
    26 de junho de 2020

    É muito profissional. até o estilo de postagem é temático do jogo auhsuahsuh

    parabéns

    Responder
    1. Roberto
      26 de junho de 2020

      hehehehe vlw =D

      Responder

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