Nesse último final de semana eu participei da 4ª Mesa de Papelão, uma Game Jam exclusiva para criação de jogo de tabuleiro. Ela começo na sexta-feira às 19h e terminou no domingo às 19h. Já postei sobre ela aqui no último registro, mas agora retornei para falar minha experiência vivenciada nessas 48 horas desenvolvendo um jogo.
Quero logo começar dizendo que, na verdade, não passei todo esse tempo criando jogo. Afinal, eu comi, dormi, trabalhei em outras coisas e me distraí com outras atividades. Essa Game Jam só fez destacar algo que já percebi sobre mim faz tempo: odeio trabalhar correndo. Acho que se eu fosse destrinchar minha filosofia de vida em uma frase seria: trabalhar um pouco todo dia. Ainda mais se for fazendo algo que eu gosto. Aí sim, eu quero prolongar ao máximo a experiência e mitigá-la ao longo do máximo de tempo possível.
Bom, por tudo que acabei de comentar, acho que já deu para deduzir que essa foi minha primeira experiência com Game Jam. Devo confessar que não achei uma das melhores experiências. Toda a correria necessária para finalizar o jogo nas 48 horas fez com que:
- Eu tomasse decisões sub-ótimas em termos de Game Design, isto é, tomei decisões que agilizassem o processo de desenvolvimento e teste. Não necessariamente o que era melhor para o jogo;
- Eu não elaborasse nenhuma arte. Isso não é de todo o mal, mas como a Game Jam vai ser avaliada também pelo critério arte sei que já perdi;
- Eu não expandisse as possibilidades do jogo, tendo em vista que o tempo não permitiria essa exploração mais aprofundada da criação.
Pois bem. Apesar desse chororô, foi uma boa experiência e valeu a pena ter participado. Torcendo para o Feedback futuro dar mais um gás no desenvolvimento do jogo que criei. Antes falar da Game Jam em si e do jogo que desenvolvi durante, deixarei aqui algumas razões para você participar de uma… Afinal, depois de tanto bater, tenho que soprar, né?
- Propicia experimentar com ideias que não parecem promissoras, pois você será meio que forçado a começar e terminar ela em um curto período de tempo. Então, Fail Fast.;
- Vai lhe forçar a terminar um jogo, já falei isso em cima, mas é bom ressaltar que é uma excelente opção para quem tem dificuldade em terminar seus jogos;
- Avaliação por pessoas que entendem de Game Design sem custo nenhum, esse tipo de Feedback é essencial e pode faltar dependendo de onde você more (como é meu caso, atualmente);
- Restrição de tempo coloca em prática várias das Lições que apresento aqui no blog;
- Excelente para quem funciona ao contrário de mim. Isto é, gosta de fazer tudo de uma vez e na correria. Tenho a impressão, inclusive, que a maioria das pessoas são assim. Então, olhaí a oportunidade.
Aparentemente, essa Game Jam tem rolado de tempos em tempos. Recomendo você participar no futuro caso não tenha perdido essa Edição.
Agora vamos ao que realmente importa: a Game Jam. Tudo começou na sexta-feira, dia 27/03/2020 às 19h com o anuncio do tema: União. A priori eu pensei: “esses temas são sempre um saco, negócio filosófico e abstrato sem sentido”. Depois parei para refletir e disse a mim mesmo: “que bom que foi abstrato e genérico, assim posso pensar em qualquer coisa”. De cara já pensei em fazer um jogo cooperativo. Só o estilo já contemplaria completamente o tema e foi desse princípio que parti. Tinha já pensado em um jogo cooperativo sobre Coronavírus para uma outra Game Jam, mas nessa só podia jogo eletrônico. Então, por um breve momento pensei em usar a mesma ideia… Mas, decidi pular, pois pareceu uma ideia complexa e de algo que não gosto: Cooperativos estilo Pandemic. E, como já aprendemos aqui… Não se trabalha com o que não se gosta. Então, fui revisar minhas anotações em busca de alguma ideia que eu gostaria de trabalhar e que eu talvez conseguisse desenrolar em 48 horas. Foi assim que esbarrei na minha ideia de Tetris Coop.
A ideia do Tetris Coop nada mais era do que o nome já diz. Entretanto, esse jogo tinha um grande diferencial: um sistema completamente diferente e inovador de programação de ações. Ao em vez dos jogadores jogarem as Ações que desejam executar, eles jogariam o tempo daquela Ação. Por exemplo, supondo as Ações colocar peça em jogo, mover para direita duas vezes, mover para esquerda. Ele iria dizer os tempos que gostaria que tais Ações acontecessem. Ao ler essa frase ou você não entendeu o conceito ou pensou “isso não muda nada”. Deixe-me ilustrar a minha ideia com um jogo famoso: Mario.
Se Mario fosse um jogo de tabuleiro com Ação Programada, os jogadores iriam jogar as Ações e Mario imediatamente executaria. Anda cinco espaços pra frente, depois pule, ande mais três espaços pra frente, pule. E assim por diante. Então, nesse exemplo os jogadores iriam jogar as cartas: Move Frente, Move Frente, Move Frente, Move Frente, Move Frente, Pula, Move Frente, Move Frente, Pula. A minha ideia é diferente. Na mesa estariam as Ações: Move Frente, Move Trás, Pula. E os jogadores jogariam os tempos que gostariam de realizar as Ações. Sendo assim, poderiam jogar os valores 1, 3, 6, 8, 10, 23 e 28 em Move Frente e os valores 14 e 32 em Pula. Deste modo, iria executar a mesma sequência de movimentos do primeiro exemplo (Move x5 + Pula + Move x2 + Pula), sendo que ao invés de jogar as Ações na mesa, os jogadores estariam jogando os Tempos que gostaria que as Ações acontecessem. Parece até contra-intuitivo e uma ideia completamente sem sentido. Entretanto, tendo em vista que a ideia do jogo é ser um puzzle cooperativo. Dificultar a maneira que você programa algo é incrementar a dificuldade do puzzle. Consequentemente, um jogo relativamente simples como Tetris, pode se tornar desafiador.
A ideia inicial era que cada jogador tivesse acesso a apenas algumas Ações, como no jogo Magic Maze. Então, os jogadores teriam que ficar trocando cartas entre si para conseguir os Tempos necessários para programar suas próprias Ações da maneira à realizar a programação correta como um todo. Seria, basicamente um Space Alert invertido + Magic Maze com programação. Um tanto estranho e complexo, mas parecia uma ideia que valia arriscar. As Ações que pensei inicialmente seriam: mover direita, mover esquerda, rotacionar horário, rotacionar anti-horário, baixar tudo. Coloquei as Cartas de Tempo com valores de 1 à 50. Então, no meio desse bolo entrou também uma pegada meio The Mind/The Game, no sentido de que os jogadores jogam cartas com valores numéricos. Entretanto, as similaridades param por aí mesmo. Defini arbitrariamente uma mão de cinco cartas para cada jogador. Para deixar o desafio mais interessante e dinâmico, o jogo seria em Tempo Real. Tal qual suas inspirações. E depois de tudo feito, rolaria uma Fase de Execução igual ao Space Alert. O objetivo do jogo, tendo em vista que era um Tetris, seria conseguir X linhas completas. Pronto, foi assim que ficou minha ideia na sexta-feira. Eu não fui ao computador e nem preparei nada de protótipo. Queria dormir com a ideia na cabeça, para ver se acordaria com modificações já antes de preparar o primeiro protótipo.
Ao acordar no sábado, eu já tinha tido ideia para mais duas Ações: rotacionar no eixo Y e inserir a peça no tabuleiro. A priori eu chamei erroneamente de rotação no eixo Z, mas esse tipo de rotação já seria a rotação normal do Tetris. Duh. Rotacionar no eixo Y significa dar o flip na peça. Isto é, virar ela para o seu verso. Não entendeu nada de eixo sei lá o que de sei lá onde? Tenta entender pela figurinha ao lado. O comando para inserir a peça no tabuleiro, é simplesmente porque eu precisava de algum “gatilho” para as peças irem entrando em jogo. Caso contrário, precisaria ser algo automático e isso tiraria o controle dos jogadores. Então, por hora estava com sete Ações. Também já tinha refletido nas peças, seriam iguais as de Tetris, além de bloquinhos single (um quadrado só) e duplo (dois quadrados). A partida duraria quatro rodadas com cada uma contendo cinco peças. Isto é, os jogadores teriam quatro Fases Tempo Real e quatro Fases de Execução intercaladas. Como eu não tinha noção da quantidade de peças necessárias e não quis perder tempo fazendo cálculos, eu montei uma folha A4 inteira. No futuro veremos que foi demais. As Cartas de Tempo (1 à 50) eu escrevi na mão mesmo. Para poupar tinta da impressora. Quando fui fazer o tabuleiro, percebi que não tinha pensado na largura. Assumi dez espaços e também percebi que iria precisar de dados para deixar aleatório a posição que as Peças iriam entrar. Imprimi tudo, recortei, colei, botei cartas em sleeves, peguei os dados. Com tudo preparado, botei na mesa.
Nesse primeiro Playtest eu joguei sem cronometro, queria ver se a ideia funcionava. A ideia era simular a partida completa, para ver se o jogo quebrava. Joguei as duas primeiras rodadas simulando três jogadores. Atribui os comandos agrupados da seguinte maneira: [mover direita e inserir peça], [mover esquerda, baixar peça] e [todas as rotações]. Logo vi que o jogador das rotações só fazia trocar as cartas, pois seus comandos eram de fato muito menos utilizados que os demais. Sendo que a outra opção seria colocar ele ou com ambos os movimentos ou inserir e baixar peça. Não queria deixar esse poder todo com um único jogador. Deixei para pensar em como ficaria isso no futuro. Durante essas primeiras duas rodadas também surgiu a necessidade de criar uma nova Ação: encaixar. Seria basicamente para mover a peça no finalzinho para ela encaixar, como o pessoal faz no Tetris. Juntando o problema com a divisão das Ações entre os três jogadores e o novo comando, eu resolvi testar as duas rodadas seguintes com 2 jogadores. Assim, ficou mais fácil dividir uniformemente as Ações. Cada um ficou com quatro, distribuídas quase igualmente por tipo.
As primeiras três rodada eu fiz sem ligar para o tempo e demorei em torno de 30 minutos em cada uma delas. A última eu me esforcei para correr e pensar como se fosse um jogo em Tempo Real, terminei em 14 minutos. Então, a ideia de colocar Tempo Real foi boa. Afinal, um jogo leve como esse durante 2 horas não faria sentido. Agora se ele durasse 40 minutos já era algo mais próximo da realidade. Nesses testes eu não permiti os jogadores trocarem cartas entre si, pois isso tornaria o jogo meramente um troca-troca sem graça. Entretanto, dessa maneira o jogo ficava realmente difícil, por isso demorei tanto jogando. Tendo em vista a dificuldade que era jogar simulando vários jogadores em uma só cabeça, optei pelo próximo teste ser apenas com 1 jogador. Assumi um tempo de 10 minutos por rodada para testar essas partidas, pois imaginei que sozinho seria muito mais fácil. Já que um jogador teria acesso a todas as Ações. Nesse meio tempo, alterei a quantidade de cartas na mão dos jogadores. Afinal, não ficaria possível um jogador só jogar com apenas cinco cartas na mão.
Antes de testar solo, resolvi reduzir a largura do tabuleiro para oito, já que dez fazia demorar mais para formar as linhas completas. Nesse momento, também decidi incrementar o protótipo, colocando os números das Cartas de Tempo no canto superior esquerdo da carta, pois estava inviável jogar com apenas os números no centro da carta. E agora… Valendo! Tempo de 10 minutos. Devo dizer que foi tenso, mas me diverti. Excelente sinal. joguei a partida inteira com os tempos de 8 minutos, 10 minutos e 30 segundos (deixei passar, é só um teste hehe), 9 minutos, e 9 minutos e 30 segundos. Acho que depois disso, deu pra definir que 10 minutos estava bom por enquanto. Como no final do jogo fiz 7 linhas, com possibilidades de uma oitava que só não rolou por azar na ordem das Peças, imaginei que uma quantidade de 2 linhas por rodada seria um número difícil o suficiente, mas factível. Entretanto, como eu queria reduzir a duração do jogo, diminui para três rodadas. Sendo assim, 6 linhas e 30 minutos de partida. Pronto, encerrei o segundo dia com a mentalidade que o jogo estava praticamente pronto. Dormir para ver se novas ideias viriam para fechar o jogo.
Domingo acho que foi o dia que mais trabalhei. Primeiro fiz umas modificações no protótipo, para deixar pelo menos um pouco mais apresentável (nem tanto) e também com informações guias nas cartas. Eu não precisava dessas informações, mas era bom lembrar que talvez alguém fosse jogar o jogo sem ser eu. Alterei definitivamente a divisão de Ações. Agora, todos os jogadores teriam acesso a todas as Ações. Com isso, meio que resolvi o problema de permitir ou não troca. Bastaria uma boa comunicação e os jogadores poderiam jogar suas cartas onde quisessem. Testei de manhã e terminei a partida em tempo hábil, sem estourar o tempo nenhuma vez. As Fases de Execução estavam boas também, durando apenas uns 2 minutos. Coloquei algumas metas entre rodadas, assim o jogador que for muito mal no começo já perde logo, em vez de precisar jogar os 30 minutos para descobrir que ta mal das pernas. Nesse teste fiz o ensaio fotográfico do jogo, para poder compor as imagens que eu poderia usar no manual.
Depois disso, passei a tarde praticamente toda fazendo o manual. Processo provavelmente mais complicado da Game Jam, pois manual requer tempo e ser bem detalhista para estar bem feito. Acho que fiz um bom trabalho, mas devo ter deixado passar várias informações importantes. Paciência. Terminado tudo, o jogo estava pronto lá pras 17h e submeti um tempo depois.
Ah sim, para você que está imaginando que o jogo é um abstrato. Eu colei um tema nele de que os jogadores estão tentando desativar um código de um sistema de alarme extra-terrestre no qual a lógica é diferente. Sim. Bem forçado, mas eu estava mais interessado na mecânica mesmo.
Espero que tenha gostado do reporte. Aparentemente hoje teremos outra Game Jam, mas do grupo do WhatsApp BG Desisners NE. Pretendo participar, afinal… Por que não?