Lição #51: Seu jogo não é universal

Eu achei que tinha encerrado essa coluna, mas ela me fez falta. Foi com ela que o blog nasceu e quando ela terminou, pareceu que o blog perdeu parte de sua identidade. Então, Aprendendo Errando voltou. Depois de um hiato de um ano e meio.

Como vocês bem sabem, finalmente consegui lançar um jogo por Editora e isso tem me rendido alguns aprendizados. Sim, quando eu achei que já sabia de tudo (ha ha ha), vem novos aprendizados. A vida sempre tem novos aprendizados, especialmente quando você continua se movendo. Então, seguindo estou minha própria ex-última Lição e não vou parar, pois o aprendizado não parou.

O mais engraçado é que eu poderia ter aprendido algumas dessas Lições com Regicida. Afinal, Regicida foi lançado em 2020. Entretanto, seu alcance foi mínimo. O que me impossibilitou de perceber várias coisas sobre o mercado, sobre os jogadores e sobre a comunidade de modo geral. Tudo isso despertou com Distrito 6. Por conta da sua distribuição em todo país pela Vem Pra Mesa, os trocentos vídeos no Youtube (fiz uma playlist aqui com todos que encontrei) e diversas aparições em eventos sem eu estar supervisionando a mesa. Com tudo isso, eu pude aprender algumas coisas. Esse retorno das Lições é com a primeira delas.

Todo famosinho dando autógrafo. Foto: Heitor Fernandes.

Quando eu digo que seu jogo não é universal, é simplesmente dizendo que seu jogo não é para todo mundo. É também dizendo que seu jogo tem um público específico. Eu nunca pensei que meus jogos fossem para qualquer pessoa. Entretanto, existem criadores que pensam assim. Se você é um deles, acredite em mim quando eu digo que não, seu jogo não é para todo mundo. Por mais simples que seu jogo seja, existem nuances, seja de tema, mecânica ou qualquer outro elemento que compõe o seu jogo, que não irá agradar a todos. Nada, na vida é unanime, por qual razão o seu jogo seria? Inclusive, dizer que seu jogo é para todo mundo é prejudicial. Afinal, o que agrada todo mundo, muito provavelmente é sem graça, pouco envolvente e desinteressante. Já que para agradar todo mundo, precisa ser extremamente neutro e desprovido de características marcantes. Então, um jogo que agrada todo mundo não tem haters, mas também não tem fãs.

Apesar de eu não achar que meu jogo é para todo mundo e não ser um completo ignorante sobre públicos de jogos, admito que não penso muito nisso. Deve ser por isso que só publiquei dois jogos até agora. Eu não tenho visão de mercado. Eu sou Game Designer. É isso que sei fazer bem (ou não). E termina que a gente deixa de publicar alguns jogos por não ter visão de mercado. Eu nunca tinha pensado para quem seria Distrito 6. Ou para quem seria Regicida. Esses pensamentos surgiram depois do vídeo do Paladino Monge no qual ele teceu os seguintes comentários:

Distrito 6 é um jogo, digamos, peculiar. Ao pegar a caixa do jogo, ler seu manual, entender as regras. Você vai achar que é mais um jogo família sendo lançado aqui no Brasil, com o diferencial de ser um jogo nacional e ter utilização de dados bem diferente. Mas isso muda de figura quando você joga o jogo. Distrito 6 não é um jogo família. É um jogo Euro com complexidade de peso média que frita o seu cérebro enquanto você tá jogando. Calma, deixa eu explicar o meu ponto de vista: para mim, e deixa eu deixar bem claro, frisar bem essa parte aqui, para mim, um jogo ser considerado família precisa ter algumas características: ser acessível a todo tipo do jogador, inclusive novatos; ter regras fáceis de absorver; um fluxo de jogo dinâmico e de fácil entendimento. E apesar de que algumas dessas características aparecem no jogo Distrito 6, quando estamos efetivamente jogando, nós percebemos que o jogo foi pensado para o público mais experiente. E que jogar com crianças será bem improvável. Só por essa fato, eu já tiraria o Distrito 6 dessa classificação aí de jogo familiar. Olha, isso não é demérito do jogo, por favor não entendam mal. A questão aqui é passar esse sentimento que tive ao jogar o jogo.

Não sei por qual razão ele pensou que o jogo era família, mas claramente isso não é algo que eu (ou a Editora) gostaria que tivesse sido transmitido pelo produto. Afinal, se famílias comprarem Distrito 6, elas vão se frustrar por não conseguirem entender as regras ou, caso entendam, vão se frustrar pelo tanto de planejamento necessário para conseguir fazer pontos ou, caso consigam planejar, vão se frustrar quando seus planos forem destruídos pelos seus oponentes. Resumindo: só frustração à frente, pois o jogo (de fato) não foi pensado como um jogo família. Enquanto que para o público correto Distrito 6 é desafiador e interativo, para o público incorreto ele é punitivo e frustrante.

Capa do jogo que, eu diria, tem um visual bem adulto e realista.

Mas o que causou essa confusão? Será que ter chamado a cidade de Dadópolis? Um nome talvez visto como bobinho ou infantil. Será que foi ter usado o símbolo de joinha nos espaços que podem infinitos trabalhadores? Será que foi o tamanho da caixa? Eu, sinceramente, não entendi. A caixa inclusive diz que o jogo é para 14 anos ou mais. O jogo concorreu na Ludopedia como Jogo Expert e não Jogo Família. O manual de 23 páginas também não é lá um bom indicativo de ser um jogo família. Em todo caso, se houve confusão com alguém faz resenhas durante tanto tempo, é bem provável acontecer a mesma confusão com várias outras pessoas. E isso, como já falei, não é bom para o produto.

Então, você tem que ter em mente que seu jogo não é para todo mundo e fazer com que o produto se comunique bem com seu público alvo. Isto é, o jogo precisa atrair as pessoas que iriam gostar do seu jogo, não alguém aleatório. Ou pior ainda: alguém que não irá gostar do seu jogo. Como fazer isso? Vou primeiro dizer como não fazer.

Eu sempre pensei nos meus jogos do seguinte ponto de vista: eu sei que Distrito 6 é um jogo de alocação de dados com bastante interação, e que Regicida é um jogo de blefe e dedução com bastante leitura de mesa. Entretanto, isso é apenas uma categorização de mecânicas e estilo de jogo. É possível ter jogos com essas mesmas denominações que uma criança joga ou que uma criança não joga. Sim, dá para criar um jogo de blefe e dedução para crianças. Especialmente se você inserir um tema mais palatável e que não envolva “assassinatos” como Regicida. Então, em cima dessa categorização feita não é possível responder uma pergunta bem importante: o que isso significa em termos de consumidor?

Claramente, nenhum dos dois é um Family Game. Isto é, não é um jogo que senta na mesa: vovó (60 anos) e neto (10 anos). Distrito 6 é um jogo mais pesado, não é pesadão, mas claramente não consigo botar minha mãe para jogar. Regicida, apesar de ser um jogo mais leve, requer uma certa “maldade” que minha mãe também não perceberia. Bom, pelo menos não nas (várias) primeiras partidas. Então, de qual ponto de vista preciso partir para verificar o público do meu jogo?

Eu, infelizmente, ainda não posso lhe responder essa pergunta. Primeiro que a Lição é sobre outra coisa, eu espero que tenha captado a ideia. Segundo que eu pretendo elaborar algo mais extenso sobre esse assunto e já falei demais por hoje. Terceiro que você pode pegar essa pergunta que fiz no parágrafo anterior e refletir sobre por um longo, longo tempo. E, depois, deixar nos comentários suas ideias. Pronto, é isso. Até a próxima Lição.

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