Mecânica #15: Dice Placement

Se você tem memória boa, vai lembrar (duvido) que comentei que retornaria para falar sobre as variações do Worker Placement (Mecânica #1), mais especificamente o Dice Placement. Acho que é um bom momento, já que tivemos até postagem sobre Dice Rolling (Mecânica #7). Ou não. Ah, e agora também saiu o Distrito 6, posso aproveitar para falar mais um pouquinho dele.

Queria aproveitar esse “retorno” para voltar também um pouquinho com os gráficos. Vou traçar um paralelo entre Worker Placement e Dice Placement. Infelizmente, o gráfico não vai ser lá muito real, pois o BGG anda meio desatualizado com essas mecânicas inseridas mais recentemente (a mecânica de hoje é chamada por lá de Worker Placement with Dice Workers) e também tem algumas discrepâncias. Digo isso, pois fui checar e Lorenzo, por exemplo, está listado nas duas. Talvez a explicação seja que os trabalhadores não sejam realmente dados mas usam dados? Não sei. Bom, vamos ao gráfico:

Acho que perdi tempo fazendo, deve estar faltando é jogo. Mas assumindo que não está, a proporção média é de 14 para 1. Parece realístico? Nem ideia. O problema é que muitos jogos Dice Placement são listados sem ser, ao menos do meu ponto vista. Vejamos Castles of Burgundy, jogo clássico do Feld está listado como Worker Placement with Dice Workers, mas é? Depende. Se você partir do princípio que o pré-requisito mínimo é o dado ser usado para realizar ações, é sim. Entretanto, jogos de Worker Placement você coloca o trabalhador no local e isso demarca tanto a ação usada como que o espaço está ocupado. Um Dice Placement sem isso poderia ser considerado um Dice Placement? Pelo BGG pelo visto sim. Pelo visto tudo retornou, os gráficos e a falta de definição ou definições dúbias.

Por sinal, nesse gráfico aproveitei que 2021 terminou e listei o ano sozinho. O que não é muito legal, pois o restante está em montantes de 5 em 5 anos, mas é interessante ver 2021 (apenas um ano) tendo mais jogos do que os intervalos de anos. Isso acontece tanto em entre 2001 e 2005, como em 2006 e 2010. E vendo apenas do ponto de vista do Dice Placement ocorre inclusive também com o intervalo de 2011 à 2015, o que me deixa mais suspeito ainda que faltam listar alguns (talvez vários) jogos.

Em todo caso, não vou perder mais tempo nessa conversa fiada. Vamos para os pontos positivos e negativos da mecânica. Se você lembra (duvido²), Eu citei temático, intuitivo e e interação como vantagens do Worker Placement. Mantenho minha palavra para os Dice Placements, sendo que em expoentes menores. Isto é, o tema vai depender muito do jogo. Afinal, como o dado tem os Pips e eles são uma abstração, podem servir de qualquer coisa. Isto é, os Pips podem representar a potencia do trabalhador ou simplesmente algum número arbitrário para ativar ou não espaços. Isso aumenta o grau de abstração do jogo… “ué, por qual razão preciso ter uma sequência de Pips? Os trabalhadores tão brincando de escadinha?”. Então, dependendo da implementação, inclusive, o Dice Placement pode ficar bem abstrato e sem sentido. Assim como ser intuitivo, pois quanto maior a abstração, pior a assimilação dos conceitos e, consequentemente, menos intuitivo o jogo fica. A interação permanece, a não ser quando o Game Designer destrói isso que naturalmente existe na mecânica para tentar inovar em algo. Mas apesar dessa perda de potencial em algumas das características da mecânica ancestral, usar Dice Placement propicia mais algumas vantagens extras:

  • Flexibilidade: agora os trabalhadores não são apenas um objeto físico que pode ocupar algum espaço, eles tem os Pips e isso permite tantas possibilidades. Veremos mais sobre isso nos exemplos;
  • Dados: não sei como listar esse ponto positivo, mas dado é um componente bem legal e rolar um dado é mais legal ainda, tem toda uma emoção envolvida que não há em simplesmente pegar o componente e botar no seu respectivo lugar calmamente. Já falamos sobre isso aqui;
  • Nivelável: dizem que sorte diminui a vantagem dos jogadores experientes sobre os novatos. Então, se você não tem problemas com inserir sorte no seu jogo, essa pode ser uma maneira de nivelá-lo e, quem sabe, agradar gregos e troianos.

E as desvantagens de usar Dice Placement? Na mecânica ancestral eu citei estratégia vencedora, aquela de pegar vários trabalhadores; quantidade de jogadores, pois a escalada entre as diferentes quantidades pode não ficar boa; e ordem do turno, já que dependendo do jogo é bem importante alocar primeiro. Temo dizer que todas elas persistem. A primeira pode ser mitigada, em especial se os trabalhadores tiverem potenciais distinto por conta dos Pips, mas as outras duas permanecem. E não só isso, temos novos problemas por aqui:

  • Aleatoriedade: se o trabalhador for rolado, temos aqui o fator caótico dos dados para influenciar nas decisões do jogador. Eu, particularmente, vejo isso como algo bom, mas alguns podem reclamar e ter ranço de dados, mesmo quando utilizados como input randomness. O que pra mim é puro ódio desnecessário.
  • Abstração: enquanto o trabalhador é um objeto único, bem específico e de conexão temática direta, aqui o dado tem os Pips. Esse valores nos dados podem tirar um pouco do sentido temático que poderia estar presente, especialmente em jogos que usam os Pips sem ser a potencia do trabalhador. Afinal, é fácil assimilar que seis é mais forte que um, mas não é fácil assimilar a razão do seis conseguir pegar uma ovelha e o cinco só pegar vaca (oi? é…).
  • Novidade: nem sempre é interessante pegar algo novo para trabalhar, pois você pode esbarrar em problemas nunca vistos antes. A vantagem é que pelo menos a mecânica é baseada em uma mais consolidada e que você pode herdar as soluções prévias. Na verdade, eu não vejo um grande problema aqui, mas queria listar três pontos fracos. Então, foi isso.

Então, resumidamente, Dice Placement é uma maneira diferente de usar Worker Placement possibilitando mais espaço para o Game Designer trabalhar. Tudo bem que na restrição é possível criar muita coisa boa, mas essa expansão do trabalhador possuir números pode abrir margem para bastante coisa interessante, como veremos a seguir. Sendo que você precisa estar ciente que apesar de conseguir ganhar com essa diferenciação, talvez seu jogo também perca pontos em outros aspectos. Resta você, Game Designer tomar decisões conscientes sobre o que quer do seu jogo.

O primeiro Dice Placement. Bonito mas ordinário.

Começando dos primórdios com Kingsburg (2007). Dizem que para se tornar conhecido você precisa ser o primeiro ou o melhor. Claramente Kingsburg falhou, mesmo sendo o primeiro. Tudo bem, talvez o jogo seja relativamente conhecido, mas na minha visão caiu no esquecimento… E tem algumas razões. Temos aqui um manual do que não fazer em um Dice Placement. Você rola os dados e quanto maior melhor. Sempre. Isso não é um problemão por si, mas é quando você não tem nada para mitigar a sorte. Sem rerolagens ou recurso para ajustar os dados. Existe um sistema de Catch-Up no jogo meio ruim, pois considera as construções feitas pelo jogador. Isso não necessariamente indica quem está atrás. E mesmo assim, ajuda apenas um jogador por estação. Então, você pode estar terrivelmente mal, mas ter alguém ainda pior e você continuar se terrivelmente mal. É um jogo que todo mundo cita a expansão, claramente por terem fatiado o Game Design original. A expansão deve realmente ajudar, especialmente na rejogabilidade que é bem baixa. Em todo caso, se lembre: se você for ter dados que quanto maior melhor, pelo menos dê a chance do jogador não se lascar pelo acaso. Por mais leve que seja o jogo, se ele tiver esse viés econômico e meio Euro Game, o jogador que perder por uma rolagem de dados vai ficar extremamente frustrado.

Latrina do Alea Iacta Est possibilita dados sem uso lhe renderem uma ficha de rerolagem. Jogos melhorando sua mitigação da sorte, mas ainda não sendo o ideal.

Logo depois veio o Alea Iacta Est (2009), jogo bem interessante e uma clara evolução da mecânica. Vários passos tomados na direção certa eu diria. Tanto é que o jogo que veio na sequência fez um sucesso estrondoso no Kickstarter e usou algumas das ideias do Alea. Que jogo é esse? Alien Frontiers (2010). Que tem o “problema” da abstração dos dados, mas isso só demonstra as possibilidades do Dice Placement. Como assim problema? Para ir nos espaços você precisa ter pares de dados iguais ou trios ou em ordem crescente, etc. Alea faz o mesmo e isso é um bom demonstrativo das ideias inicias para utilizar a mecânica “nova”. No mesmo ano, veio um queridinho meu: Troyes (2010), que para mim não é um Dice Placement. E sim um Dice Drafting. Em todo caso, é um excelente exemplo de como fazer um bom jogo. Possibilidades de mitigar a sorte, vários caminhos para a vitória, bastante possibilidades de interação e marcação dos oponentes. Eu digo que não é um Dice Placement, pois os dados não bloqueiam ninguém, servem apenas para ativar os espaços e pronto. Além disso, todos os dados estão disponíveis para todos os jogadores, basta pagar pelos que não são seus. Esse pedaço é, inclusive, o que faz o jogo ser genial.

Perceba que a história dos Dice Placements começaram um tanto tardiamente (2007) e demorou para engatar. É até legal que dá para traçar esse histórico. O próximo jogo listado por ano é Castles of Burgundy (2011), novamente, mais um que não é Dice Placement, ainda menos que o Troyes. Entretanto, é uma boa lição novamente de uso de dados em Euro Games. Bastante mitigação, opções de interação mais leve e vários caminhos viáveis para a vitória. E aqui temos um fator inédito e que realmente acho inovador: o valor do dado não indica a potência do dado, só muda suas opções disponíveis. Esse ajuste é o supra-sumo da mitigação de sorte e da utilização dos dados não como ferramenta do caos apenas, mas como um elemento que gera um quebra-cabeça a cada rodada para o jogador lidar pensando no agora e no futuro. Genial o jogo. Para não dizer que ele não é totalmente Dice Placement, podemos dizer que o fato de usar um dado e pegar um tile do local indica uma redução de opções, que seria meio que uma simulação do Worker Placement, mas ainda assim… Acho fraca essa conexão.

Um dos melhores sistemas de seleção de ação do Feld: Bora Bora com seu Dice Placement.

Em 2013 mais alguns entraram na festa: tivemos a tentativa do Stegmeier, que errou em todos os pontos possíveis com Euphoria. Muitos problemas aqui, o jogo fica tentando evitar a vantagem da estratégia de vários trabalhadores inserindo travas no jogo que só deixam ele lento, repetitivo e frustrante. A ideia de não ter rodadas poderia ser boa, se o jogo não tivesse tantos problemas de balanceamento e sorte excessiva. Nesse mesmo ano também tivemos um jogo realmente que usa a mecânica do Feld: Bora Bora. Esse sim, é um Dice Placement e dos bons. Novamente, Feld na sua genialidade consegue balancear os valores dos dados pensando nos seus valores. Os dados mais elevados lhe dão mais opções, mas você é bloqueado mais facilmente. Já os dados menores lhe dão menos opções, mas é bem provável você conseguir fazer as ações que quer. Toda essa parte de Dice Placement do Bora Bora é sensacional, o jogo peca em outros aspectos que infelizmente são um detrimento muito grande para o jogo, tirando um pouco do brilho do uso da mecânica. Se você quer fazer um jogo com a mecânica, ta aí uma boa maneira de uso que deveria ser usada em outros jogos.

Praetor (2014) vem com uma ideia diferenciada: você não rola os seus dados, eles indicam o “nível” do seu trabalhador. Isto é, ele inicia fraquinho e fazendo poucas coisas e com o tempo fica mais forte. Aqui, novamente, quanto maior o Pip, maior a potencia do dado. Mas, como não há rolagem, esse aspecto funciona bem e é até interessante. Sendo que agora temos alguns poréns. Ter dado e não rolar é uma sensação tão ruim. É como você ter jogos e não jogar (opa, talvez você tenha se identificado). Além disso, Praetor dá um grande salto para trás, colocando novamente “alimentar” os trabalhadores, mas aqui no caso você paga para usá-los. Bem chato isso. É, novamente, uma maneira de mitigar a estratégia vencedora, mas que suga a diversão do jogo. Criem soluções melhores, meu povo.

Os dados indicam a potência do trabalhador daquela cor em Lorenzo. A cor do trabalhador é indicada pelo adesivo acima de cada cilindro.

Seguindo, tivemos a primeira contribuição dos Game Designers italianos: Lorenzo (2016). Ideia muito boa para balancear a sorte e deixá-la igualitária entre os jogadores. Dados coloridos são rolados e isso indica o valor daquela cor para cada jogador. Desde modo, se sair no dado preto o valor cinco, todos os jogadores terão um trabalhador de valor cinco para usar. Genial e muito justo. Minha única crítica aqui vai de gosto pessoal, pois é um jogo muito tático. Existe estratégia, claro, mas é muito mais sobre resolver o puzzle de cada rodada e tirar o maior proveito das rolagens do que pensar nas rodadas à frente. Em todo caso, Lorenzo é mais um exemplo de ajuste pequeno com grandes repercussões.

E é assim que vem ocorrendo as contribuições dos Dice Placements. Ou inova ou não se destacada. Teotihuacan (2018) mistura com Rondel toda a dinâmica dos dados. Não gostei desse casamento, pois me gera uma sensação de repetição constante, mas o jogo é bem aclamado. Tem também o problema de alimentação dos trabalhadores à todo momento, o deixa travado e os jogadores podem esquecer. Coimbra (2018) mistura Drafting para mitigar a sorte, uma boa ideia visando esse propósito. Então, em vez do jogador ter seus próprios dados ele seleciona de um agrupamento geral.

Componentes de Coimbra, só para embelezar a postagem.

E como implementar Dice Placement no seu jogo? Não vou me repetir com o que citei já na mecânica ancestral, dá uma olhadinha lá na parte final para dicas gerais. Então, vou tentar tecer uns comentários novos.

Como falei no comecinho, Distrito 6 acabou de sair. A implementação da mecânica foi feita com alguns elementos diferentes e acho que esse é o foco quando se faz um jogo Worker Placement (seja com dado ou não), é necessário algo diferente para que o jogo possa ter algum destaque. Quando digo diferente, quero dizer diferente mecanicamente. Claro que se for algum tema diferentão pode funcionar, mas acho que não se sustenta tão bem quanto uma mecânica bem bolada.

Perceba que apesar de citar os jogos em uma sequência de anos, Dice Placement não é uma mecânica tão inflada justamente por ser um subconjunto de uma mecânica. Isso proporciona um certo viés de inovação nos jogos. Afinal, se Worker Placement já tem demais, Dice Placement é uma boa oportunidade para criar algo diferente. Distrito 6 é um bom exemplo disso. Criado lá em 2016 e finalizado em 2017, mesmo saindo em 2022 o jogo é inovador e diferente. A ideia que tive aqui foi: os dados não podem ter influência de ser mais forte ou mais fraco pelo seu valor, isso remove um aspecto grande da sorte e deixa os jogadores mais felizes com a justiça das rolagens. O problema da estratégia vencedora foi removido com uma solução bem simples: todos os jogadores começam com a mesma quantidade de trabalhadores e vão perdendo no decorrer da partida ao fazerem o objetivo do jogo: construir. Isso cria uma dinâmica inversa ao usual, mas que é intrigante e requer planejamento, além de ajudar um pouco o jogador que está jogando pior, funcionando como uma espécie de Catch-Up sem ser agressivo. E por fim, misturei toda a dinâmica com uma espécie de “programação” de ação, ao colocar o jogador para definir previamente onde irá construir e em qual ordem irá fazê-lo. Pronto, três ideias simples garantiram que o jogo fosse bem diferente. Uma delas já foi usada (dados que o valor não impactam), mas as outras duas foram realmente novidades. É fácil pensar nessas coisas? Claro que não, mas às vezes basta uma ou duas ideias totalmente novas para que seu jogue brilhe.

E como surgem essas ideias? Jogando muito e misturando ideias dos outros. Dessa mistura poderá nascer algo. Faça um exercício e pense em maneiras de inserir dinâmicas em um Dice Placement de um jeito que nunca foi feito antes. Depois teste, pois a ideia sem testar nunca terá sua validade comprovada.

Por hoje é só. Peço desculpas pela demora no retorno da coluna, espero que essa postagem tenha ajudado a lhe empolgar em criar mais jogos.

2 Comments

  1. Vinícius Raio
    13 de julho de 2022

    muito bom Roberto, adoro seus materiais sobre as mecânicas e aprendo muito! um dia ainda lançarei meus jogos que estão na gaveta, e pode ter certeza que você terá contribuído positivamente nesse processo

    Sobre o distrito 6, quando puder dá uma olhada numa dúvida que postei na ludopedia sobre o desempate, pessoal daqui gostou muito do jogo e foi bem acirrado, decidimos no desempate e ficou essa dúvida no ar.

    Abraços

    Responder
    1. Roberto
      14 de julho de 2022

      Boa Vinicius, quero ver, hein? =D

      No caso terminou a partida com os jogadores empatados na pontuação geral? Vence o mais na frente na Ordem do Turno! 😉 Mas vou ver lá na Ludopedia se é essa dúvida mesmo.

      Responder

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