Mecânica #13: Victory Point as a Resource

Seguindo a linha de mecânicas acessórias. Cheguei com uma no meio do caminho. Não é possível implementar em qualquer jogo, mas em qualquer jogo com pontuação é possível. Acho. Bom, mesmo que não seja, não tem problema sair um pouco do rumo de mecânicas acessórias, né? Vocês deixam? Se não tá entendendo nada que estou falando, olha as últimas mecânicas de Once-Per-Game AbilitiesEvents.

Novamente, o próprio nome diz o que a mecânica representa. Acho que isso acontece com muitas das mecânicas que foram inseridas mais recentemente no BGG. É um bom sinal, talvez. Acho que as mecânicas agora estão muito específicas, o que não é um problema necessariamente, mas pode bitolar alguns Game Designers que forem usar as mecânicas como ferramenta de estudo. Bom, Victory Point as a Resource nada mais é quando um jogo permite que você troque seus Pontos de Vitória por algum benefício no jogo. Geralmente, é um Recurso mesmo, mas nada impede de ser uma Ação ou qualquer outro elemento “utilizável” no seu jogo. Lembrando que tem uns jogos que permitem troca de Recursos ao final do jogo por Pontos de Vitória, simplesmente para os jogadores não se sentirem que foram pouco eficientes com os Recursos acumulados não usados, mas essa não é uma implementação da mecânica que estamos falando aqui. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Victory Point as a Resource ocorre durante a partida e, mais especificamente, como uma maneira do jogador de adquirir alguma vantagem tática (naquele momento específico) em detrimento de alguns pontinhos. É uma mecânica com potencial perigoso, mas lidamos aqui também com alta periculosidade.

O jogo mais antigo listado com essa mecânica é Acquire (1964) do visionário Sid Sackson. Se não conhece, recomendo conhecer. Depois da um saltão na linha do tempo, chegando ao Modern Art (1992) do outro monstro Reiner Knizia. Pelo visto apenas os corajosos usam a mecânica de alta periculosidade. Brincadeirinha… Ambos os jogos são inclusive a implementação mais comum da mecânica, quando o jogo utiliza dinheiro como pontos. Então, no caso de jogos assim, comprar algo durante a partida nada mais é do que usar Victory Point as a Resource, pode soar estranho, mas é isso mesmo. Afinal dinheiro ou ponto, só muda o nome, né? Mas não é bem esse estilo de jogo que eu estava em mente quando comecei a pensar na mecânica. Vamos para um exemplo mais recente… Scythe (2016). Se você não lembra como funciona, ou não sabe, deixo para comentar depois. Então, voltando ao fluxo normal, já foi dito que a mecânica pode ser perigosa, mas o que tem de vantajoso em usá-la?

  • Psicológico: querendo ou não essa mecânica tem um forte impacto no psicológico do jogador, pois você está trocando algo que irá lhe dar a vitória por algo que talvez lhe ajude na vitória. É como se fosse um investimento. Geralmente, quando bem implementado, essa mecânica dá oportunidade de decisões interessantes e que podem custar a vitória ou derrota dos jogadores. O jogador sente que está tomando uma decisão importante. Talvez ela nem seja, mas é aí que está a ilusão gerada por um Game Design bem feito.

Sim, só consegui pensar nesse único ponto positivo. Eu não gosto de jogos que usam dinheiro como pontos de vitória e, por consequência, não gosto de jogos que permitem o uso de pontos para outros fins. Afinal, dá meio que no mesmo realmente. Motivo? Coisa minha, me soa tudo muito econômico, conseguir ganhos em cima de investimento e sempre achei isso chato. E por isso, posso citar alguns problemas que tenho com a mecânica.

  • Travamento: alguns jogadores são atrelados emocionalmente aos seus pontos e irão se recursar a trocá-los seja lá por qual benefício for. Isso não é uma boa ideia, pois ele deixará oportunidades boas passarem por conta disso. Não é exatamente uma culpa da mecânica, mas ao mesmo tempo é, pois impacta negativamente na experiência de alguns tipos de jogadores. Tudo bem que isso acontece com várias mecânicas com potenciais negativos, mas quis ressaltar.
  • Runaway Leader: por outro lado, um jogador que goste de usar a mecânica a seu favor e que esteja vencendo o jogo poderá disparar, especialmente se sempre for vantajoso a troca. É como se você estivesse beneficiando duplamente o jogador, além dele receber os pontos os pontos deles irão ajudá-lo definitivamente na sua pontuação final.
  • Injusto: por conta do problema acima, temos também a injustiça bem notável nos jogos que utilizam essa mecânica. É o mesmo problema do “jogo” da vida real: quem tem mais dinheiro consegue mais dinheiro. Pode ser bem frustrante para o jogador que está tendo dificuldades em conseguir engrenar ver os demais (ou algum em específico) ir avançando a todo momento.

Então, qual o recado aqui? Nunca usar essa mecânica? Não é bem isso, mas requer uma certa parcimônia. Primeiro, saiba que ao utilizar a mecânica ele se tornará um jogo econômico. Segundo, saiba que se você não fizer tudo o mais matematicamente balanceado possível, poderá ter umas boas medidas de frustração nas partidas. Vejamos se alguns exemplos demonstram um espectro de possibilidades que possam valer a pena.

Tabela no tabuleiro de Scythe indica quanto vale cada estrela, par de recursos e territórios de acordo com a sua Popularidade.

Em Scythe (2016) você ganha ponto de várias maneiras no final da partida. Entretanto, durante você vai obtendo Estrelas que vão dar a maior parte de sua pontuação. Sendo que cada Estrela vale um montante variado de acordo com sua Popularidade, que também é coletada e perdida durante a partida. Então, assumindo que Popularidade e é meio que uma submétrica do seus pontos finais… Vamos dar aquela forçadinha e dizer que é a mecânica sim. Conceitualmente é e até trabalha como tal, já que lhe proporciona decisões que poderão, potencialmente, fazer você perder ponto no final da partida em troca de benefícios imediatos. No jogo você pode perder Popularidade por meio de alguns Encontros, cartas de evento com decisões, e Combates, caso você ataque regiões com trabalhadores de oponentes. Em suma, Popularidade é indica o quão gente boa você é no jogo. É um uso meio morno da mecânica por ser bem contida. Afinal, Popularidade é um fator que influência na pontuação, não é o único. Sendo assim, você ganha algumas decisões importantes ao longo do caminho (posso ou não perder essa Popularidade agora?) mas não é um impacto tão grande quanto perder realmente pontuação, especialmente pela Popularidade definir pontos em “limiares”. Isto é, 1 de Popularidade ou 2 de Popularidade não muda nada, pois estão no mesmo limiar. Isso facilita ainda mais as decisões e tira ainda mais o impacto, mas também evita os problemas. No final das contas, Popularidade é um Recurso extra do jogo e com impacto meio leve e obscuro. Tanto é que ninguém lembra de Scythe ao pensar nessa mecânica, por mais famoso que seja o jogo. Então, vamos para uns exemplos mais úteis.

Como citei no começo, qualquer jogo que use dinheiro como pontuação final utiliza essa mecânica. Acquire (1964) é um bom jogo, ao menos eu acho genial especialmente para o ano de lançamento. Entretanto, todos os jogos do Reiner Knizia que usam essa mecânica eu não gosto. E muitos usam, especialmente os de Leilão. Eu não gosto, pois torna-se um jogo econômico e de especulação monetária mesmo. Para mim vira trabalho e não lazer. Entretanto, tem um jogo que usa essa mecânica que eu adoro: Patchwork (2014). E qual o diferencial dele? Na minha opinião é o uso de mais de um recurso. Existe tempo e botões (que seria o equivalente ao dinheiro) e isso faz toda a diferença. Em todo caso, Patchwork ainda é um jogo econômico sim e tem problemas de Runaway Leader também. A diferença é que o sistema de dinheiro aliado ao de tempo evita que essa disparidade seja muito grande. É como se o tempo fosse o recurso que deixasse o jogo justo, pois todos jogadores tem sempre o mesmo tempo. Ele é invariável, ritmado e irá chegar ao fim. Interessante, quiçá filosófico.

Um exemplo clássico dessa mecânica é Small World (2009). Também não gosto desse jogo por uma série de razões. A mecânica está presente aqui na aquisição das Raças. Você precisa pagar pontos se quiser alguma Raça posicionada depois na fila. É uma dinâmica interessante, pois o jogador que chegar depois poderá coletar os pontos deixados por outros jogadores nas Raças que ele considerou que não valiam pegar. Então, nesse sentido, acho que Small World acertou. É um momento de decisão crucial (a escolha da Raça) e pode valer a pena gastar uns pontos para tal. Nada mais é que um sistema de tentativa de retorno sobre o investimento, mas como é algo pontual e em um momento realmente importante, faz sentido usar os pontos. Então, apesar de não curtir o jogo, acho que é um dos que melhor utiliza a mecânica.

Um exemplo bem ruim virá de um jogo que acho muito bom: Terra Mystica (2012). O jogo por si só não possui a mecânica presente, mas ela existe em uma das facções. E é aqui que mora o problema. Estão mexendo em algo que não é utilizado em nenhuma parte do jogo para criar uma habilidade assimétrica que pode gerar algum problema. Bom, existe uma facção capaz de trocar pontos por moedas e, pior ainda, moedas por pontos. Então, você meio que sempre tem um Recurso bem importante do jogo (moedas) e, se por um acaso conseguir em excesso, pode trocar por uma carrada de pontos. Pode ser algo bem vantajoso e talvez até desbalanceado, especialmente por Terra Mystica ser um jogo bem focado no Gerenciamento de Recursos.

Alquimistas. Facção do Terra Mystica capaz de trocar ponto por moedas e vice-versa.

Então, como implementar? Não é lá muito difícil, né? Basta você permitir o jogador usar os pontos de vitória como algum Recurso presente no jogo. Entretanto, essa é uma implementação terrível. Talvez você possa até fazer experimentos com isso, para perceber o quão problemático pode ser essa mecânica. E aí entra o questionamento: como implementar de uma maneira que preste? Aí saímos um pouco do reino das mecânicas acessórias.

Afinal, para implementar Victory Point as a Resource você vai precisar focar seu jogo nisso. Então, deixamos de ter uma mecânica simplesmente presente, para uma mecânica que é a alma do jogo. É como Small World. A mecânica se faz presente na parte mais importante do jogo e, caso você queira uma boa implementação, precisará pensar do mesmo jeito. Eu nunca implementei essa mecânica nos meus jogos, mas vamos supor que eu queira. Vamos pensar em Distrito 6.

Distrito 6 é um jogo de alocação de dados que já possui um recurso “Coringa” que é o dinheiro. Ele permite alterar as faces do dado, permite mover o trator, permite adquirir Recursos. Será que eu poderia simplesmente remover dinheiro e usar Victory Points? Poderia. Entretanto, como existem espaços de alocação para adquirir dinheiro, agora eles seriam inúteis. Isso iria acarretar em muitas mudanças no jogo, mas vamos supor que eu consiga fazer e deixar o jogo redondinho, só que agora troquei dinheiro por pontos (em suas funções). O que isso acarreta? Para ganhar pontos você precisa construir e para construir você precisa de recursos e mover o trator. Logo, ao construir algo você terá mais facilidade para construir outras coisas, já que pontos podem mover trator e adquirir uns recursos. Pronto, receita para Runaway Leader. Eita. Como evitar? Não botando a mecânica em algo que gere esse efeito em cadeira.

Então, que lugar eu poderia inserir a mecânica no jogo? Em algo vantajoso, mas que não fosse acumulativo com a aquisição de pontos. Por exemplo, ordem do turno. Em vez de ser um espaço de alocação no tabuleiro, poderia ser um leilão no início de cada rodada. Deste modo, eu evito que o mesmo primeiro jogador seja primeiro jogador alocando antes do demais só por ser o primeiro jogador e dou uma decisão importante aos jogadores do que fazer com seus preciosos pontos de vitória. E, no final das contas, ficou uma mecânica acessória, pois ela não é realmente necessária para o jogo e nem alterou drasticamente o mesmo.

Foi uma ideia boa? Nem sei, Playtest nunca vai substituir minha mente jogando o jogo sozinho. Em todo caso eu pensei agora, escrevendo… Talvez você deva tentar com algum jogo seu. É um bom exercício de Game Design. Até a próxima.

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