Mecânica #12: Once-Per-Game Abilities

Pelo visto estamos nas mecânicas acessórias. Como assim? Quero dizer mecânicas que você pode meio que inserir em qualquer jogo se quiser. Talvez seja uma boa investir em mais mecânicas assim, pois pode ser um exercício para os Game Designers aspirantes: pegar uma mecânica dessa e botar no seu jogo. Isso não vai necessariamente melhorar seu jogo, mas pode ser um exercício válido para conhecer como implementar algo em módulos. É, vou pensar nisso aí, pode ser que renda mais umas postagens com mecânicas nesse mesmo estilo. Se você está sem entender bem, o motivo é que a postagem passada foi sobre Events, uma mecânica também acessória. Bom, vamos começar!

Não, eu não esqueci de explicar o que é. Talvez eu nem precisasse explicar, né? Afinal o nome já meio que diz do que se trata. Entretanto, comentarei ainda assim. Once-Per-Game Abilities, como o próprio nome indica são habilidades usadas uma vez por partida. Isto é, você tem algum poderzinho especial, mas ele é tão especial que depois de usar uma vez cabou-se. É um conceito relativamente simples e realmente fácil de implementar.

O jogo mais antigo listado com essa mecânica é um tal de The Lone Ranger Game (1938) que, aparentemente, é um jogo meio abstrato no qual a habilidade por partida é chamar Tonto para lhe ajudar. Agora, o jogo mais antigo e realmente conhecido é Samurai (1998), um clássico do Reiner Knizia. Basicamente, os jogadores tem um conjunto de tiles que são sacados aleatoriamente no decorrer da partida e usados. Alguns desses tiles são únicos e possuem habilidades especiais.

Bom, vamos deixar os exemplos de lado por um momento e pensar o que essa mecânica poderia adicionar ao seu jogo?

  • Decisão: meio vago a palavrinha, mas esse tipo de habilidade pode garantir decisões importantes ao jogador. Ele poderá agora se fazer várias perguntas: Quando usar? Afinal, muitas vezes essas habilidades são poderosas e o momento pode ser a chave para a vitória. Como usar? Nem sempre o uso dessa habilidade é trivial, pode rendar uma árvore de decisões e possibilidades que o jogador deve avaliar, então mesmo que você saiba o momento correto, não necessariamente você vai usar a habilidade no máximo de suas capacidades. Devo usar? Geralmente essas habilidades quando não usadas rendem pontos, então pode ser vantagem até mesmo nunca usá-las.
  • Balanceamento: uma das utilidades dessas habilidades é a possibilidade de ajudar no balanceamento. Como assim? O primeiro jogador tem nenhuma habilidade, o segundo uma, o terceiro duas e assim por diante. Balanceamento assim é muito mais empolgante do que simplesmente dar um recurso ou ponto adicional aos jogadores após o primeiro. Também pode servir para balancear qualquer outro aspecto do jogo, sejam facções, seja evitar algum efeito bola de neve. A vantagem de habilidades de apenas uma vez na partida é que elas são pontuais e podem ter um impacto mais ilusório do que real. E nada como garantir a ilusão do balanceamento.
  • Variedade: não necessariamente, vai depender da maneira que foi implementado, mas nada impede de você criar vários tipos distintos de habilidades que podem ser usadas uma vez por jogo e nem todas aparecerem todas as partidas.

Pelo visto tá parecendo bem interessante colocar essa mecânica no seu joguinho, nem que seja para testar, né? Claro, isso antes de refletir sobre os pontos negativos…

  • Medo: não é incomum jogadores mais conservadores deixarem de usar essas habilidades especiais por aguardar o melhor momento possível. Logo, era melhor que ela nem existisse, não é mesmo?
  • Analysis Paralysis: por consequência, você poderá ter uns momentos de longas pausas, pois aquele momento pareceu bom de utilizar a tal habilidade, mas o jogador reflete e decide não usar. Esse momento pode se repetir várias vezes durante a partida e terminar que o jogador nunca usou a habilidade. Logo, era melhor que ela nem existisse, não é mesmo?
  • Desbalanceamento: às vezes na tentativa de balancear usando essas habilidades por jogo a mão pode pesar e o tiro sair pela culatra. Então, deixa de ser vantajoso ser o primeiro jogador para ser vantajoso ser o segundo. Ou deixa de ser vantajoso avançar no jogo, pois a habilidade para quem está atrás é muito boa. Isso pode parecer incomum, mas não é. Logo, era melhor que ela nem existisse, não é mesmo?

Então, resumindo. É melhor não usar essas habilidades? Sinceramente? Acho que vale a tentativa. Podem sair algo bem divertido e interessante de um experimento com a mecânica que pode, literalmente, salvar algum problema de balanceamento do seu jogo que parecia sem solução. Que tal uns exemplos?

Vários clientes com várias habilidades por partida diferentes, basta atendê-los com suas demandas.

Eu passei boa parte da postagem vendo essa mecânica pelo ponto de vista de algum jogador possui alguma habilidade (ou mais de uma) que pode usar por partida. Entretanto, essa mecânica não para por aí. Qualquer jogo no qual existam habilidades que surjam durante a partida e são usadas apenas uma vez, também é implementação dessa mecânica. Pode parecer um pouco óbvio, mas achei melhor esclarecer. Vejamos, por exemplo, Grand Austria Hotel (2015), os jogadores estão atendendo clientes com suas variadas demandas. Alguns desses clientes, ao serem atendidos, dão aos jogadores algo imediato e que é usado apenas naquela vez durante a partida. Não é uma mecânica visando balancear posições ou algo assim, mas ela trás variedade para o jogo, já que são habilidades diferentes nos vários clientes; aumenta a quantidade de decisões na partida, já que você pode demorar para cumprir as demandas de um cliente apenas para ser no momento ideal e que irá potencializar ao máximo essa habilidade; e também serve de balanceamento sim, não dos jogadores, mas dos próprios clientes, já que cada um dá uma pontuação. Então, temos aqui um bom exemplo da mecânica e que não tem o mesmo peso de uma habilidade única para o jogador. Isso ameniza várias das desvantagens listadas, pois deixa de ser uma habilidade do jogador e sim algo adquirido no decorrer da partida, virando uma decisão mais tática do que estratégica.

O grande Top #1 do BGG é um bom exemplo também. Em Gloomhaven (2017) cada personagem possui seu baralho pessoal e algumas das cartas só podem ser usados uma vez por conta do seu poder ser muito elevado. Isso garante novamente uma boa dose de decisão na partida e o momento que uma carta dessas é utilizada pode proporcionar uma jogada interessante e emocionante ao jogador que a usou.

Specter Ops (2015) permite que o agente secreto, jogador que está se movendo furtivamente e evitando ser descoberto, escolha várias cartas de uso único antes de iniciar a partida. Isso alimenta todos os já citados aspectos positivos da mecânica. Além de também inserir uma vantagem adicional: o elemento da surpresa. Algo extremamente útil para ampliar as emoções e reviravoltas que sempre são uma boa existir em jogos com movimentação secreta. Não tem nada tão satisfatório ao agente do que estar totalmente cercado e prestes a ser eliminado, mas conseguir escapar usando suas Once-Per-Game Abilities de maneira inteligente.

A implementação mais simples dessa mecânica que eu tenho na memória é Merlin (2017). Basicamente, cada jogador tem três Cajados, cada um poderá ser usado uma vez durante a partida para dobrar uma ação sua ou, caso não utilize, cada um rende dois pontos. Um negócio bem bobinho e facilmente implementado, mas que dá ao jogador decisões importantes e a emoção de grandes pontuações em um único turno. Tá bom que tá mais para Thrice-Per-Game do que Once, mas acho que vale, né?

Aparentemente, não tem muito como errar e tudo parece funcionar bem. Mas claramente essas mecânicas não foram simplesmente inseridas na doida nesses jogos. São parte integrante mesmo. Tudo bem que todos eles poderiam existir e funcionar a mecânica, mas o benefício delas existirem é grande. O maior problema, como sempre, seria balancear tudo ou pelo menos parecer que está balanceado. E isso só se consegue com muito Playtest, dependendo do jogo a matemática vai lhe ajudar, mas talvez não seja possível. Por exemplo, eu vejo Grand Austria Hotel facilmente sendo balanceado por matemática, mas Specter Ops acho muito difícil.

Agente encontrado e abatido, provavelmente ficou guardando suas habilidades por partida até ser tarde demais. Trouxa.

Certo, Roberto, você me convenceu a tentar usar esse negócio. Como faço agora? Olha, vou dar como exemplo meu jogo The Two Builders. Ele é um jogo de estratégia com informação perfeita, em resumo isso grita um problema bem específico: vantagem do primeiro jogador. É como no Xadrez, ou na Dama ou em qualquer jogo de estratégia com informação perfeita (sem elementos escondidos) o primeiro jogador sempre estará uma jogada na frente. A priori eu deixei o jogo assim mesmo, mas estava me incomodando bastante. Como resolvi? Usei a dita cuja (mecânica) para me ajudar.

Dando uma habilidade por partida ao segundo jogador, eu consigo dá a ele “parcelas” de um turno para evitar que a distância seja de uma jogada. Entretanto, é preciso ter cuidado, pois se eu der algo que incremente o segundo jogador de um turno ou mais, a vantagem fica invertida. Então, eu simplesmente coloquei para o jogador ter uma opção de ação que não era a completude de uma ação, mas que tinha sua utilidade. Sinceramente, acho que funcionou legal. Não é a solução perfeita, mas é muito melhor do que o primeiro jogador sempre ter a vantagem.

Mas como você pode implementar no seu jogo? Supondo que seu jogo não seja de informação perfeita (bem provável que não seja) acho que a maneira mais fácil de usar a mecânica ao seu favor é dar uma para todo jogador. Simples, prático e você consegue todas as vantagens citadas. De quebra você ainda transforma seu jogo em um jogo assimétrico, algo bem popular nos dias de hoje e costumeiramente exigido por algumas Editoras.

Só isso Roberto? É… Que ajuda bosta, Roberto. Ah vá, nem é… Boa sorte. Depois me conta como foi.

2 Comments

  1. Philipp Totó
    17 de janeiro de 2022

    Salve, Roberto.
    Massa a aula. Mais uma vez, você ajuda demais o game designer novato.
    Acabou que eu acabei implementando essa mecânica no meu jogo sem nem saber o nome. Once-per-game. Negócio chic da gôta!
    Enfim, dei uma carta de poder especial para cada jogador no início da partida, que pode ser usado ou dará pontos ao final caso não seja usado.
    Muito legal saber da mecânica e de suas ramificações. Continue ensinando que eu continuo aprendendo.
    Grande abraço.

    Responder
    1. Roberto
      17 de janeiro de 2022

      Bora Totó!

      huhehuehueheuh só os nomes em ingrish, muito besta esses Game Designers ;P

      Valeu, meu querido. Abração.

      Responder

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