Mecânica #11: Events

Essa mecânica é manjadona entre os Ameritrashers e jogos temáticos. Nada como toda rodada puxar uma cartinha e ter um efeito valendo para todos os jogadores, seja positivo, negativo ou simplesmente alguma modificação nas regras usuais. E é isso, defini sem definir, será que deu para entender?

Até que andou veloz as postagens dessa coluna, por isso o hiato. Voltei (ou não) a escrevê-la agora e farei uma pequena modificação. Talvez desagrade, a mim particularmente desagrada, mas eu vou deixar de fazer minhas estimativas e mostrar gráficos comparativos. Motivo? Já comentei anterior que o BGG mudou o esquema de mecânicas lá e, por isso, tem vários jogos ainda não catalogados na mecânica correta. Especialmente as novas, como é o caso de Events. Não que essa mecânica seja nova, só que ela só foi oficializada agora no BGG em si. É isso. Então, os começos das postagens de Engrenagens ficarão menos empolgantes. Acho.

Então, definido um pouco o que expliquei no começo… Evento são efeitos que ocorrem fora do controle dos jogadores, como se fosse uma entidade externa colocando alguma modificação no estado do jogo ou tendo impacto em ações durante aquela rodada ou, até mesmo durante, toda a partida.

Calma que não abandonei todas as tradições. O primeiro jogo listado é um tal de Game of Goose (1587) aparentemente é relativamente conhecido e odiado sendo possuído por mais de mil usuários e tendo uma misera nota de 3,4. Entretanto, o jogo mais antigo que eu conheço é o Dungeon! (1975), inclusive tendo sido relançado em 2014 pela Wizards of the Coast. Faz muito sentido, afinal é um jogo da TSR, antiga dona do clássico RPG Dungeons & Dragons. Sendo que ainda assim, não acho que seja um jogo amplamente difundido ou conhecido pelos hobbystas atuais. Um que talvez esteja na memória de alguns War Gamers é o Squad Leader (1977), mas convenhamos que War Game é quase um hobby a parte. Tá, Roberto, deixa de enrolar e diz logo um jogo famosão e relativamente antigo. Ok, ok… Magic Realm (1979) é extremamente popular entre o pessoal do meio, especialmente quem gosta de fantasia medieval. Inclusive, é um jogo que as pessoas costumam pedir uma reedição, mas ele está no limbo das licenças. Fora que provavelmente seria um jogo que não venderia bem hoje em dia, muitas regrinhas e exceções. Sendo que ainda assim, não acho que Magic Realm seja um exemplo tão bom. Nem Barbarian Prince (1981), um jogo no mesmo estilão. É mais velho que eu, meus leitores não vão lembrar. Então, que tal Warhammer 40K? Esse é famoso hein… O jogo de miniaturas da Games Workshop que é um hobby quase que a parte por conta do valor e do trabalho que dá montar e pintar as miniaturas. Nem sabia que tinha a mecânica. Tudo bem, vou dar meu exemplo definitivo: A Game of Thrones (2003), a primeira edição do jogo que teve uma segunda edição em 2011 com sua mais nova expansão saindo em 2018! Se você aguentou ler esse parágrafo todo, de nada por essa viagem na história de mecânica de Events. Ou, desculpe.

Pelo visto a mecânica é realmente bem presente em jogos antigos e aparece até hoje. Aparentemente mais presente em War Games? Parece… Mas o que tem de bom aqui?

  • Temático: existe uma razão para os War Games e jogos sucessores do RPG usarem a mecânica. Ela tem uma capacidade de fazer o tema aparecer todo turno de uma maneira diferente. Dá até para ter uma noção de história e como eles são aleatórios na ordem, essa história pode ser diferente toda partida.
  • Rejogabilidade: é possível colocar rejogabilidade de várias maneiras em um jogo, mas com Events é a mais manjada. Você tem um jogo já pronto, ele parece meio parecido de partida em partida, o que faz? Bota um baralho de eventos e todo turno revela uma carta. Pronto. Dependendo do quão impactante forem os eventos e da quantidade deles, você pode realmente proporcionar experiências bem distintas de uma partida para outra com essa mecânica.
  • Contador: recentemente vejo alguns jogos substituindo o marcador de turnos por um baralho de eventos, pois os próprios eventos já servem para tal. A vantagem é dupla: não precisa ter um componente para marcar os turnos, nem um tabuleiro para tal; e também é muito mais fácil lembrar de revelar a carta evento do que apenas avançar o marcados de rodadas.

Umas vantagens até interessantes, ao menos eu acho. Dependendo do jogo, pode ser válido, especialmente se as desvantagens não trouxerem tanto impacto negativo.

  • Aleatoriedade: obviamente aparecer um evento que vai afetar os jogadores de uma maneira positiva ou negativa pode representar mais um elemento de sorte no jogo. Afinal, uma carta negativa pode às vezes não prejudicar um jogador e prejudicar bastante um outro. O maior problema aqui é o simples fato de não ser possível prever. Então, é basicamente uma rolagem de dados em um combate que pode dar certo ou errado para um dos lados.
  • Texto: como os eventos costumam quebrar as regras do jogo, é bem difícil serem iconografias ou algo curto. Então, tome textão nas cartas. Não é um problema enorme, mas pode ser ruim especialmente em um jogo que todo o restante é independente de idioma.
  • Interrupção: obviamente, se você tem Events no seu jogo, você precisa revelar toda rodada (ou de tempos em tempos) e resolvê-los. Isso dá uma parada no fluxo do jogo que pode ser bem longa dependendo do tipo de eventos do jogo.

Uns problemas que parecem picuinha e devem ser, mas sempre tento encontrar três. De modo geral, o maior problema de usar Events é realmente o impacto da aleatoriedade no jogo e aquela sensação de injustiça. Especialmente, quando os eventos ajudam demais algum jogador e prejudicam os demais de uma maneira bem óbvia e clara. Não é raro ver as pessoas xingando o jogador sortudo pelo timing perfeito. Talvez, só talvez, tenha sido estratégia e planejamento dele, não?

Tabuleiro bem povoado da segunda edição d’A Game of Thrones

Começar pelo já citado A Game of Thrones (2011), mas a segunda edição. Não faço ideia se os eventos mudaram da primeira para a segunda, mas por via das dúvidas… A ideia é bem simples e boa: existem três pilhas de eventos, assim existe uma certa mitigação dos eventos em vez de estarem em uma única pilha. Por exemplo, em vez de precisar X turnos para um evento em particular ocorrer, no máximo esperamos aqui X/3. Além claro, de aumentar a variedade de combinações que podem acontecer. Todos os três são relevados a cada rodada, influenciando nas ações dos jogadores e também em uma trilha para invasão dos selvagens.

Jogador tentou fazer um teste e encontrei cogumelos. Ele pode comer e ganhar alguns benefícios imediatos. Entretanto, essa carta entra para o baralho de eventos usual e, eventualmente, pode bater errado esse cogu.

Algo que estou percebendo é que é difícil lembrar como exatamente funciona a mecânica Events nos jogos. Entretanto, um que me vem logo na cabeça é Robinson Crusoe (2012). O jogo é meio que resolvido, em grande parte, por essas cartas de evento. Inclusive, a ordem que elas aparecem irão influenciar bastante no andamento da partida. De modo geral, um evento é revelado toda rodada tendo um evento imediato e um evento futuro que será ativado caso os jogadores não resolvam. Então, os eventos em Robinson Crusoe são, em sua maioria, negativos. Servindo como mais um desafio no jogo, além, claro do objetivo geral proporcionado pelo cenário escolhido para a partida. Tem algo até bem inteligente no jogo, que é meio que uma memória. Certas cartas podem entrar no baralho de eventos, rendendo uma espécie de “memória” no jogo que é algo realmente único. Você leva uma mordida de cobra e, eventualmente, aquilo pode trazer consequências. Quando? Não se sabe, quando sair a carta no baralho. Pode ser próximo turno ou nunca. Novamente, vemos o fator aleatório bem elevado, mas é divertido a história que pode acontecer por conta dessa aleatoriedade.

Um jogo que é praticamente centrado nos eventos, ao menos a segunda parte dele, é Galaxy Trucker (2007). Aqui, os jogadores constroem as naves (em tempo real) para enfrentar os eventos depois. Alguns dizem que esse jogo é extremamente aleatório e caótico. Não vou discordar totalmente, mas com certeza você pode mitigar isso. Durante a fase de construção da nave, você pode dar uma espiada em praticamente todas as cartas de evento, só 1-3 novas cartas entrarão e comparado ao montante total é bem pouco. Então, dá pra ter uma excelente noção do que pode acontecer. Claro que fazer sua nave, ver os eventos para memorizar e montar a nave de acordo é algo bem difícil. Mas não é impossível e a informação está lá. Acho uma excelente implementação dos eventos, pois permite que jogadores mais experientes e desenrolados no jogo consigam essas informações preciosas gastando um dos recursos mais importantes do jogo: tempo.

A quantidade de jogos hoje será curta. Vou fechar com Merchants & Marauders (2010). Aqui os eventos tem basicamente três funções: inserir barcos não controlados pelos jogadores (NPCs) no tabuleiro, mover esses barcos e apimentar o jogo com alguns eventos diversos. Então, ele meio que funciona como o computador. É a maneira mais usual de funcionar a mecânica Events, especialmente em cooperativos. Que não é o caso aqui, mas por conta dos NPCs tem essa similaridade.

Jogador vermelho e amarelo rodeados de NPCs.

Como implementar Events? Primeiro você precisa elaborar de uma maneira adequada ao seu jogo. É um pouco chato ter um Euro Game com eventos que são revelados e resolvidos imediatamente. Assim como é totalmente sem emoção, em um jogo temático, você revelar todos os eventos no começo da partida para os jogadores sem planejarem. Então, de modo geral é você pensar na função dos eventos no seu jogo e implementar de acordo.

A criação das cartas de eventos em si é simples. Uma maneira bem direta de elaborar é inserir modificadores que afetem os jogadores durante aquela rodada. Isso é feito pegando todos os elementos do jogo e botando como evento. Alguns vão ficar legais, outros não, é só ir removendo e inserindo. Tem algumas ideias que parecem geniais, até que depois de testar você vê que tá muito caótico ou que tá tão sem sal que não tem impacto significativo nenhum. Nos primórdios de Mataru Okara, o jogo tinha cartas de evento. Elas forçavam os jogadores à lançar os Shuriken de olhos fechados ou mais distante ou qualquer outra loucura assim. Então, é só colocar esse tipo de modificadores dentro do mundo mecânico do seu jogo.

Vamos fazer um exercício aqui… Imagine Splendor (2014) com cartas de evento. Claramente é algo inútil ao jogo e iria trazer mais desvantagens do que vantagem. Em especial, ia atrasar o fluxo de jogo e confundir, pois os turnos são muito rápidos. Entretanto, vamos supor que ainda assim fossem ter. Então, poderíamos ter as seguintes cartas:

  • Ao adquirir gemas da mesma cor, adquira uma a mais;
  • Cartas da Linha X (1, 2, 3) custam uma gema a menos;
  • Não reponha Cartas que forem compradas durante essa rodada;
  • No seu turno, você pode trocar gema X pela gema Y, se houver estoque;
  • Revele uma Carta a mais em cada linha;
  • Nobres não podem ser adquiridos nessa rodada;
  • Cada jogador pode reservar uma Carta no seu turno sem gastar ação;

E por aí vai, eu basicamente fui pegando todos os elementos do jogo e criando variações em cima deles. Não é difícil, em 5 minutos fiz 7 opções distintas, que podem render mais de 10 cartas (suas variações). O mais complicado, na realidade, é que os eventos funcionem e não sejam frustrantes ou estraguem o jogo. Isto é, o jogo ficaria melhor sem os eventos? No caso de Splendor sim, mas no caso do seu jogo, talvez não. E, dependendo de como foi implementado, a mecânica de Events é parte essencial do jogo. Ela não pode ser simplesmente descartada, teria que ser substituída. Por exemplo, em A Game of Thrones, se removermos os eventos, precisaria de alguma maneira da trilha dos Selvagens avançar ou remover esse elemento também por completo. O que não parece vantajoso, já que isso impacta nas fichas de poder, que teriam muito menos importância e por aí. Às vezes é interessante cortar mecânicas e elementos do jogo, mas em outros momentos você pode estripar tanto que não sobra muito.

Bom, uma vez definido os eventos, você precisa ajustar como eles vão ocorrer na partida. O usual é simplesmente um toda rodada e pronto. Entretanto, para mitigar a sorte você pode dar opções dos jogadores verem a próxima carta, seja gastando recurso ou qualquer outra opção que permita essa olhada. Claro, se o jogo for mais estratégico. Se for caótico e leve, não deve ser necessário. Talvez você queira que os eventos ocorram em momentos chave do jogo, isto é, em vez de ser toda rodada, seriam apenas em algumas rodadas específicas. Ou, quem sabe, quando algo ocorrer no jogo: algum jogador ter X pontos ou avançar até algum espaço de uma trilha. Dá para ser bem criativo e usar todo esse timing ao seu favor. Especialmente em jogos temáticos. A surpresa de uma carta de evento no momento certo pode render excelentes histórias.

Bom, uma vez definido tudo isso, resta fazer como qualquer mecânica: testar. E por hoje é só.

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