Lição #20: Não force o final

Não sei como é com vocês, mas eu tenho um sério problema com duração. Como testo muito dos meus jogos sozinho, a duração que encontro me parece ideal durante os testes… Sendo que é uma pura ilusão. Quando coloco o jogo na mesa, vejo que o jogo dura mais do que o esperado, às vezes muito mais. A Lição de hoje será um pouco específica, mas eu considero um aprendizado importante na minha jornada de criação de jogos.

Eu tenho um limiar baixo para duração de jogos. Então, quando um jogo meu dura mais de uma hora e meia eu começo a ficar preocupado. Esse tempo não faz do jogo um jogo de fato demorado. Entretanto, quanto mais longa for uma partida do seu jogo, você vai esbarrar em uma série de problemas:

  • Público alvo se modifica a cada 30 minutos, eu iria além e diria que diminui consideravelmente;
  • Será mais difícil para testar o jogo, por razões obvias os testes vão demorar mais;
  • Dependendo do estilo de jogo, a duração elevada pode fazer a diversão diminuir bastante no último terço do jogo.

Claro que eu não vou criar apenas jogos com 30 minutos ou menos, mas acho que a duração é um fator extremamente importante. Especialmente para o escopo do seu projeto.

Certo… Mas até agora só falei e falei e não cheguei a nada. Realmente, vamos para a lição. A Lição de hoje refere-se a dois fatores. O primeiro fator é questionar-se. Seu jogo está de fato longo? Reflita se a duração do jogo é o suficiente para prover a experiência que você deseja. Talvez a duração longa seja um elemento indispensável no jogo, para que ele funcione corretamente. O segundo fator é parar de tratar o sintoma (duração longa) e passar a tratar a doença (jogo sofre com Analysis Paralysis? jogo tem um downtime elevado? jogo tem um escopo muito grande?).

Vamos para alguns exemplos práticos. Tudo começou com C3X, um projeto meu que está engavetado. O jogo tinha três fases diferentes e estava com a duração elevada. Entretanto, na época eu não percebi que isso fazia parte do jogo. Afinal, se eu quero proporcionar uma experiência completa de montagem de robô, programação dos comandos e batalha final, é normal o jogo durar duas horas. Na época eu não enxerguei isso e criei um mecanismo de spawn para a fase de batalha, isto é, a cada rodada iria nascer um item no mapa e quando não houvessem mais itens para entrar no mapa, o jogo iniciaria uma fase de Morte Súbita. A ideia de Morte Súbita por si só era interessante, lembrava um pouco o videogame Bomberman, mas a necessidade de toda rodada verificar onde o item iria nascer e colocá-lo no tabuleiro era um processo cansativo e às vezes esquecido. Então, em vez de resolver um problema ilusório, eu criei vários problemas reais no processo.

Mais recentemente, enfrentei o problema da duração com Mataru Okara. Entretanto, dessa vez o problema era real: o jogo é um dexterity game com uma pegada bem leve. Uma partida desse jogo durar mais de 1 hora é frustrante, pois as pessoas começam a querer que o jogo acabe e passam a jogar de qualquer jeito. Testei várias ideias de final alternativo para a partida, inclusive uma bem parecida com a de C3X (pois é, demorou para cair a ficha). Criei um deck de eventos, que modificavam algumas regras a cada rodada e o jogo terminaria quando alguém atingisse a condição de vitória ou quando o deck esgotasse. O problema é que uma “rodada” na mesa de Mataru Okara pode demorar menos de um minuto. Então, você deve imaginar como era irritante toda rodada abrir uma nova carta, isso quando não era esquecida. Eu estava tratando o sintoma e não a doença. Mas qual era a doença?

Versão 1.4 de Mataru Okara. Uma das “soluções” para a duração do jogo, nessa época com a mecânica Time Track. Existiam dua condições de final de partida. Sendo que se a partida não terminar naturalmente tem uma contagem de pontos. A partida terminando na Condição B gerava uma situação forçada e frustrante.

Mataru Okara é um jogo de Set Collection, isto é, vence o jogador que coletar três cartas do mesmo tipo e revelá-las. Como é um jogo com uma pegada Take That, essas cartas ficam em constante fluxo entre os jogadores. Então, a demora do jogo estava na dificuldade de alguém vencer. Era difícil roubar as cartas dos outros jogadores. Estava difícil coletar um conjunto de cartas iguais, pois existiam cartas de muitos tipos diferentes. Então, após uma análise dos motivos da demora, ficou claro como resolver o problema. Nos últimos testes de Mataru Okara com 4 jogadores, as partidas duraram menos de 30 minutos. Não precisei de condições extras para final de partida, apenas a condição de vitória foi o suficiente, bastou trabalhar de modo para que ela fosse mais fácil de ser atingida.

Talvez eu tenha me estendido demais nessa Lição. Vamos fechar esse último parágrafo de modo sucinto. Evite soluções forçadas para encerrar a partida. Em geral, evite múltiplas condições para finalizar o seu jogo. Especialmente se elas adicionarem elementos mecânicos que dificultem o fluxo da partida, deixando o jogo fiddly. Mantenha seu jogo como ele deve ser. Sem artificialidades. Mecânicas forçadas são facilmente percebidas pelo público e diminuem o seu projeto. Se existir um problema com a duração, encontre a raiz do problema e trate. Analise e entenda seu jogo, assim você conseguirá resolver os problemas sem prejudicar a jogabilidade. Simples? Não. Mas recompensador.

6 Comments

  1. Ricardo Amaral
    14 de junho de 2017

    Opa, Roberto!
    Estou quebrando a cabeça com o Luna Maris justamente nesse ponto.
    Como você sabe, gostaria de torná-lo mais ágil.
    Estou estudando mudar radicalmente algumas mecânicas principais do jogo para ver se consigo.
    Game designer é um trabalho mental intenso!!!

    Parabéns pelo tópico.

    Responder
    1. Roberto
      14 de junho de 2017

      Fala Ricardo,

      Bom vê-lo aqui pelos comentários.

      Acho que a solução do seu jogo é “fácil” (entre aspas, pois é fácil de pensar nela, mas difícil implementá-la). É basicamente diminuir a escala do jogo. Isto é, menos rodadas, menos trabalhadores. Isso diminui a quantidade de ações e consequentemente do jogo. A questão é que ao diminuir tudo isso, você quebra toda a estrutura original do jogo… Então, o processo complicado seria balancear os recursos para essa escala reduzida, de modo que o jogo mantenha a progressão que você deseja.

      Requer teste e/ou muita matemática.

      Engraçado é que eu gostei da duração dele na versão com menos rodadas e não achei problemático quanto ao progresso do jogo. Ele está mais demorado atualmente? Ou a partida que joguei foi particularmente rápida?

      Abraço.

      Responder
      1. Ricardo Amaral
        14 de junho de 2017

        Pois é, Roberto. A versão reduzida diminui bastante o tempo de jogo, mas não passa a experiência que uma partida normal consegue. Eu estou diminuindo o tamanho da equipe para 4 pesquisadores, com possibilidade de expandir para até 6. Também estará mais fácil construir, e a fase da manutenção (que antes precisava de muitos pesquisadores) será resolvida com apenas 1 astronauta. Ahhh… e os meeples agora tem rosto e habilidades diferentes! Você precisa testá-lo novamente!!! ha ha ha!!

        Responder
        1. Roberto
          14 de junho de 2017

          Massa. Imagino que para implementar essa parte dos meeples diferentes, você usa o chapelzinho mas o número (ou letra) é a referência dele para o seu player board que indica a habilidade e tudo mais. O stress agora é individual?

          Eu pensei em criar um jogo assim (trabalhadores específicos), mas percebi que ia ficar muito grande e deixei só no mundo das ideias.

          Estou achando que você caiu na tentação de ir crescendo o jogo, né? Vi que tem até um tabuleiro principal de exploração. Chegou o momento de ver as partes que estão gastando tempo desnecessário para agilizar o processo. =)

          É muito teste! Já já jogo o Luna Maris mais que os jogos da minha coleção huehueheuehe =P

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  2. Cássio
    14 de junho de 2017

    Pinheiro, ótimo texto.
    Conversando com o Sérgio Halaban no instagram ele comentou algo sobre gostar de jogos mais elegantes, dando exemplo do Matryoshka do próprio. O conceito de elegância é bastante abrangente e abstrato em alguns momentos, mas resumidamente, aplicado ao tema “final da partida”, podemos dizer que seria trazer o fim da partida sem ter que inventar um novo componente, uma nova fase do jogo, uma nova regra complexa. Aproveitar os próprios recursos do jogo para q o mesmo chegue no fim.

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    1. Roberto
      14 de junho de 2017

      Justamente Cássio. É importante que o jogo termine naturalmente. Quanto mais componentes, fases ou mecânicas são adicionadas no jogo pior, e adicionar algo apenas para terminar a partida é pior ainda. =P

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