Não sabia qual mecânica fazer dessa vez, então dei uma olhadinha na listagem do BGG e pensei… Por que não Votação? E cá estamos nós. O mais legal dessa mecânica é que eu nem preciso explicar, né? Votação é… Votação, ué. Talvez você não saiba onde esse negócio entraria nos jogos, mas se você pensar um pouquinho já vai começar a se lembrar de uns exemplos.
Eu estou pensando que Votação é uma mecânica relativamente rara, claro que não tão rara quanto Time Track, mas ainda assim acredito ser uma mecânica relativamente incomum. Afinal, é bem difícil ver votação em jogos que não sejam Party Games, mas existe e até em jogos bem pesados. Hoje não vou confabular muito, vamos ver o gráfico.
Acertei? Acho que sim, né? Se não completamente, pelo menos foi uma estimativa razoavelmente precisa. Dá para ver que Voting consegue ter um crescimento uniforme como Player Elimination e Action Points, mas é bem menos frequente. Acho que ela segue o ritmo do mercado mesmo. Ao contrário de Worker Placement que deu uma guinada maior recentemente ou Time Track, que é bem pouquinho mesmo. Claramente removi o gigante Set Collection do gráfico. Curioso para ver se teremos uma mecânica tão gigante quanto ela no futuro. Próxima postagem vai ser alguma mecânica que eu acho que chegue perto ou, quem sabe, passe o Set Collection em termos de quantidade. Em todo caso, voltando ao Voting… O jogo mais antigo listado é um tal de Oförberedd (1942), um jogo de Trivia para 3 à 8 pessoas, demonstrando que Votação é realmente muito frequente em Party Games, desde os primórdios. Entretanto, acho que só reconheço a partir de Balderdash (1984) que aqui no Brasil é chamado de Academia (1989). Sim, aquele joguinho que é dada uma palavra que ninguém conhece o significado (mas existe) e todo mundo precisa escrever algo. Depois rola uma votação e pontos são distribuídos. Olhaí, mais um Party Game.
Então, se é comumente utilizado em Party Games, parece que a mecânica é meio focada, né? Sem muita capacidade de se moldar aos diferentes estilos e possibilidades dos jogos. Sendo assim, não há muita vantagem em sequer em refletir nela caso eu não esteja pensando em um Party Game, correto? Bom… Vou deixar você julgar por si próprio listando alguns pontos positivos que acredito existir na Votação.
- Protagonismo: ao contrário das votações na vida real, em especial eleições, em um jogo de tabuleiro não temos 200+ milhões de votantes. Então, muitas vezes nós temos o sentimento de que nosso voto sequer importa, pois é tanta gente votando que o pensamento é “um a mais ou um a menos, não muda nada”. Entretanto, nos jogos esse raciocínio funciona exatamente ao contrário. Temos, nos casos mais extremos, uns 20 jogadores numa partida, né? E nos casos mais comuns, mesmo em jogos que caibam muitas pessoas, uns 8 votantes. Então, seu voto aqui faz uma diferença bastante perceptível e imediata no jogo. Isso dá uma importância tanto ao jogador como no voto, especialmente quando o voto tem um impacto poderoso na partida.
- Interação: esse é um fator muito importante para alguns jogadores e Game Designers. Estamos em uma crescente de jogos multiplayer solitaire, mas até mesmo jogos nesse estilo poderiam ter uma guinada na interação ao botar votação. Imagine, se aquele jogo completamente cada um no seu quadrado, a cada três rodadas, acontecesse uma votação para determinar os objetivos seguintes? É um jogo completamente diferente e muito mais interativo do que um com seleção aleatória.
- Clímax: na maioria dos casos, essa mecânica é utilizada para definir grandes momentos de uma partida. Então, é possível transmitir uma certa importância no momento da votação, aquela tensão de se a votação irá a seu favor ou não pode criar momentos memoráveis.
- Sensação de Justiça: quem nunca se sentiu prejudicado por uma abertura de carta puramente aleatória? Ou alguma definição simplesmente ao acaso do dado? Fatores que influenciam bastante na partida sendo deixados para o destino. A votação traz a possibilidade de você sentir que, pelo menos, se não foi algo que você queria que acontecesse, foi a vontade da maioria.
- Possibilidade de Negociação: um voto pode ser um recurso e ser usado como tal, especialmente quando não é feito secretamente. No mundo real isso é um problema, mas nas jogatinas acho bastante válido. Isso entra juntinho com a interação, potencializando esse fator.
Sim, listei mais do que três para demonstrar que a mecânica tem seus méritos sim e não só em Party Games. Todas esses pontos positivos podem proporcionar um impacto significativo e mudar um jogo para melhor quando a mecânica é bem implementada. Claro que precisamos também ver o que não presta… Não é para você usar Voting em todo jogo, pois alguns pontos positivos podem virar negativos também.
- Sensação de Injustiça: claro que apesar de ser capaz de proporcionar uma sensação de justiça, também pode acontecer o contrário. Quem nunca foi eliminado de uma partida de Werewolf apenas por sacanagem do restante mesa? Votação é algo poderoso e esse tiro em busca da interação pode sair pela culatra. Alguns dizem que não é possível existir “interação demais”, mas é possível sim. Só sabe quem já foi alvo de marcações sem sentido, deixando apenas aquele sentimento de frustração até o final da partida. Então, com votação se prepare para a possibilidade de marcações exageradas ou King/Loser Making.
- Variação problemática: a pior variação que você pode usar para a mecânica de Voting é quando faz uma votação aberta (todos sabem seu voto) e sem ser simultâneo (cada jogador vota um por vez). Não é bem um ponto negativo da mecânica em si, mas de uma implementação dela. Essa variação é, inclusive, um problema que acontece até mesmo no mundo real. Imagine uma conversa entre amigos e você faz uma pergunta e cada um responde um depois do outro? O segundo a responder será influenciado, querendo ou não, pela resposta do primeiro… E o último? Ele vai ser influenciado por todos que falaram antes dele. Seja por uma maioria de votos inicial, a tendência é não irmos contra e votarmos com a maioria. Seja por uma opinião divergente, e que poderia gerar algum conflito, num assunto que algumas pessoas tem opiniões fortes. Nos jogos acontece a mesma coisa, é bem comum acontecer um comportamento de manada ou, até pior, tirar a importância do voto de algum jogador, gerando frustração.
- Inibição: dependendo do sistema adotado, alguns jogadores não vão se sentir confortáveis com o jogo. Então, todas as vantagens que focam no aspecto social dos jogos pode ser um negativo para jogadores mais quietos e calados. Pode ser tão ruim à ponto dos jogadores odiarem o jogo por ter essa abertura para conversações, negociações e argumentações.
Então, basicamente, Voting é uma mecânica que tem uma qualidades bem específicas e focadas em criar picos de emoção e interação, mas que elas próprias podem não ser a escolha certa para o seu jogo. Se seu jogo é vendido como um multiplayer solitaire e você quiser usar votação para apimentar, pode justamente não agradar seu público alvo original. Afinal, eles queriam uma experiência de jogo em silêncio, focada e sem grandes debates. Quando vê, estão no meio de uma partida que no final de toda rodada vem aquele sentimento ruim de impotência, pois não conseguem conquistar os votos que precisam.
Vamos começar os exemplos já com um monstrengo e exceção às diversas regras: Twilight Imperium IV (2017), o famoso TI4. É o que você poderia chamar de uma Space Opera, um épico gigante passado no espaço. A parte de votação existe no jogo para definição de umas tais de Agendas, que são modificações nas regras que afetam os jogadores. O poder de voto dos jogadores varia, então um jogador pode contribuir com 5 votos a favor e um outro com 7 votos contra. É basicamente a mecânica de Controle de Área, mas com um sistema de votos. A diferença, é que usar voto deixa por si só a natureza dessa etapa mais política. Então, o jogo dá um amplo espaço para os jogadores confabularem, formar alianças em diversos outros aspectos do jogo e usarem o voto como recurso e ferramenta de barganha. A ideia é muito boa, funciona muito bem para o propósito do jogo mesmo usando o pior formato de votação que existe: aberto e não simultâneo. Entretanto, só funciona, pois o jogo tem trilhões de aspectos além desse. Então, as falhas aqui não ficam tão notáveis e pesadas… E, acredite, tem falhas aqui e todas em decorrência do método de voto escolhido. Primeiro é o problema da vantagem dos jogadores a votarem mais tardiamente, em especial do último jogador. Este pode, simplesmente, definir a votação sozinho (dependendo da situação atual e seu poder de voto). Segundo, isso permite muita negociação e, consequentemente, pode ser uma fase que dura muito tempo. Muito tempo mesmo, pois os jogadores vão ficar contando votos uns dos outros, fazendo negociações de acordo com os votos que surgirem e tudo isso pode ir mudando voto à voto. Isso acarreta em interação que pode ser interessante, mas não para jogadores avessos a negociação. O jogo é bem longo e pode acontecer de quanto mais horas você passa nela, seu ímpeto de negociação vá diminuindo. Em todo caso, acho que TI4 tem outros defeitos muito piores do que essa votação. Acho que ela serve ao propósito, mas é muito exceção à regra. Os demais jogos que vamos ver aqui não duram nem o mesmo que TI4, com exceção de Battlestar Galactica (2008), que pra mim o problema dele é justamente ser longo demais para um jogo com votação e negociação. Parece que falta “sustância” para manter o jogo interessante por tanto tempo.
A vantagem é que no Battlestar Galactica o sistema de votação é muito superior. Afinal, foi claramente um precursor nas votações de jogos com traidores, vide The Resistance (2009) e Dead of Winter (2014). Aqui o voto é secreto, por razões óbvias já que são jogos de intriga, blefe e traição. Os jogadores podem contribuir ou não para algo de modo que independentemente de todos contribuírem ou não, sempre fica a dúvida de quem votou para algo falhar. É uma excelente metodologia de votação para incitar a paranoia. Se sua ideia for fazer mais um desses jogos de dedução social, virou meio que um padrão na indústria. Eu diria para tentar inovar em outros aspectos do jogo ou tentar achar um twist nessa mecânica que funcione legal, mas é bem difícil conseguir essa segunda opção. Na verdade, em ambos os jogos também temos votações abertas e simultâneas, assim é mais uma maneira dos jogadores tentarem coletar informações e blefar durante a partida. Mostrando que é possível ter a mesma mecânica implementada de duas maneiras em um mesmo jogo.
Bom, passado os jogos demorados e traidores, chegamos aos “donos” da mecânica Voting: os Party Games. Tá bom que The Resistance tá com um pé nessa categoria, mas tem uns jogos mais óbvios aqui. Dixit (2008) utiliza voto para determinar a pontuação em cada rodada. Na verdade o voto funciona menos como um voto e mais como uma resposta para um problema de múltipla escolha (acertar a carta do narrador). Entretanto, não deixa de ser um sistema de votação, pois temos as condições que garantem o jogo ser genial: todos votarem ou nenhum votar na carta correta do narrador acarreta em não pontuação para ele próprio. Como um sistema de voto de respeito, aqui temos novamente o voto secreto. Mysterium (2015) é quase como se fosse a versão cooperativa de Dixit, então o voto não é secreto, pois não faz sentido. E aqui o voto é ainda menos um voto, já que maioria ou não é irrelevante. Não gosto dessa implementação de votos do jogo, pois deixou de ser votação, já que os jogadores podem ir avançando sozinhos. De fato, Mysterium é um jogo com uma ótima ideia, mas bem falho mecanicamente. Outro numa linha similar (jogos com cartas usando imagens louconas) é o Detective Club (2018), aqui a votação é para encontrar o espião. Então, é meio que uma mistura de Dixit com Resistance. Entretanto, falha miseravelmente ao usar voto aberto e não simultâneo. Especialmente quando o espião é capturado quando recebe 2 ou mais votos, os jogadores podem espalhar seus votos apenas para burlar o sistema. Como assim? Os jogadores suspeitam que duas pessoas possam ser o espião, então… Eles dividem seus votos para aumentar a cobertura. Claro que o jogo não é tão problemático ao ponto dessa estratégia ser a estratégia ótima, pois você só ganha ponto se acertar o espião. Sendo que se você está com dúvida de qual pessoa é o espião é melhor dividir os votos do que arriscar o espião ganhar, já que ele ganha muito mais pontos por rodada se comparado aos demais jogadores. Foi uma união de sistema de votação falho mais sistema de pontuação falho. Se não conhece, recomendo dar uma olhadinha no manual para evitar nos seus jogos.
Um jogo que acho que vale a pena citar é o antigão Quo Vadis? (1991) do Reiner Knizia. É um jogo totalmente político e que praticamente só usa votação como mecânica do jogo e ainda assim, dependendo da mesa, pode render umas partidas bem interessantes. O voto aqui é usado como recurso de negociação, mas como só existe voto são promessas vazias (ou não). Você precisa manter suas alianças por um determinado tempo, mas uma hora terá que quebrá-las. É um puro jogo de negociação e usa a votação de uma maneira bem minimalista.
Certo, mas como coloco Voting no meu jogo? Acho que você precisa definir alguns aspectos básicos da mecânica no jogo. Em qual momento teremos votação? Como vimos nos jogos citados, é possível ter votação em vários momentos e por vários motivos diferentes. O importante, na realidade, é conseguir usar a votação em um momento com propósito. Você quer votação para aumentar a tensão? Use-a para definir aspectos importantes (algo que seja diretamente ligado ao objetivo do jogo: eliminar jogador, dar dano em jogador, etc). Você quer votação para aumentar a interação? Use em aspectos que não são tão cruciais para a vitória, mas influenciam. Então, você pode colocar em votação regras alternativas, objetivos alternativos ou qualquer elemento extra no jogo. Os jogadores poderão discutir e votar nisso. O cuidado que precisa tomar é para não destoar muito do jogo. Um jogo como TI4, que demora umas 6h, pode arcar com uma votações que demorem 20 minutos por conta das negociações e politicagens, mas não é todo jogo que aguenta isso.
Depois, você precisa definir como será a votação. Tem alguns parâmetros que você pode variar. Cada jogador tem o mesmo poder de voto ou varia? Se varia, como varia? É um recurso exclusivo para essa etapa ou ele serve para outras etapas da partida? Isso é bem importante, pois dependendo do tipo de recurso usado, pode gerar mais ou menos negociações. Se o recurso for muito importante, talvez a votação tenha um impacto maior do que outras mecânicas ou partes do jogo. É isso que você quer? Se for, ótimo. Se não, é bom rever o peso disso. O voto será aberto ou secreto? Depende do que você quer para seu jogo. De modo geral, não recomendo votação aberta, mas se o propósito é gerar uma conversação, vale a pena. O quanto de negociação você quer envolvido na votação? Alguns jogos querem nenhuma, pois a negociação estragaria completamente a experiência. Em outros, você quer o máximo possível, pois a negociação é um aspecto primordial do funcionamento do jogo.
A vantagem de implementar Voting em seu jogo é que ele é bastante intuitivo e fácil de testar se funciona ou não. Se ela não funcionar como o esperado, se for algo como uma “seleção” durante a partida, você pode sempre optar por retornar ao método puramente aleatório. Eu usei Voting em Regicida e a mecânica é a alma do jogo, servindo tanto para criar o clímax no final da partida como para moldar a estratégia dos jogadores no decorrer dela. Então, vale a pena sim pensar na mecânica como uma possibilidade pro seu jogo.
14 de setembro de 2021
Sempre que tentei pôr um sistema de votação nos jogos que tento criar, deu uma merda irreversível! hahahaha! Acho que acabei desistindo da mecânica, não tenho sabedoria suficiente para ela.
15 de setembro de 2021
Ixe, realmente, pode ser muito poder pros jogadores e dar uns problemas.