Mecânica #4: Player Elimination

Acho que estamos em um processo de queda livre. Já tivemos Worker Placement, Set Collection, Action Points e agora… Player Elimination, acho que depois dessa não tem mais para onde cair (ou será que tem?). Essa mecânica é bem simples de ser explicada e percebida em qualquer jogo que tenha: é quando, em algum momento durante a partida, um jogador pode ser removido do jogo. Sim, isso é uma mecânica.

Antes de pegar o dados dessa mecânica, eu fiquei pensando aqui de novo como seria o comportamento dela. Então, fiz uma previsão ousada. Afinal, quantos anos os jogadores xingam essa mecânica? Quem nunca foi eliminado no começo de uma partida e teve que ficar sem jogar por mais de uma hora? Qual Game Designer moderno não tenta melhorar ao máximo a experiência de todos os jogadores da mesa e, por consequência, evita essa mecânica ou, no mínimo, usa ela em momentos pontuais? Bom… Tendo tudo isso mente, mesmo a quantidade de jogos crescendo, eu achei que a mecânica estaria decaindo.

Errei ó… Talvez esse comportamento que falei acontecesse observando anos mais antigos? Não sei, mas acho que não. Achei bem estranho o crescimento ser parecido com Action Points. Ou vai ver, é bem isso mesmo. Afinal, Action Points também é uma mecânica (aparentemente) ultrapassada e está crescendo com os anos. Por um momento eu percebi uma coisa: tinham alguns Monopoly, várias versões repetidas. Então, por um momento achei que isso estava causando esse impacto. Entretanto, existem “apenas” 498 Monopoly ao todo. Se for distribuir entre os anos da história desde sua criação (1933), o impacto não me parece ser tanto. Eu ia até gerar um outro gráfico, mas 498 Monopoly não me deram a esperança de observar algo diferente. Um exemplo bem famoso (tirando Monopoly) é Werewolf (1986). Ou Mafia, depende qual versão você conheceu.

Já defini a mecânica lá no começo. Eu iria pular qualquer outra palavra sobre definição. Entretanto, tem um ponto que pode ser importante trazer aqui. Aparentemente, lá no BGG, não é considerado Player Elimination quando o jogo é 1×1 com objetivo de eliminar o oponente. Então, muito provavelmente, a quantidade de jogos da mecânica seria ainda maior se isso fosse considerado. Mas, por qual motivo não consideram? Acredito que é pela razão da “essência” do Player Elimination não estar presente nesses jogos. Sim o objetivo é eliminar o oponente, mas é apenas ele. Claro que do ponto de vista de definição essa explicação não funciona, pois existem jogos com Player Elimination que podem ser jogador com apenas 2 jogadores e a mecânica não some simplesmente. Ela ainda está lá. Bom… Definições, não é mesmo? Eu entendo o sentido, mas ao botar na ponta do papel perde o sentido.

Em todo caso, vamos supor que você esteja pensando na mecânica e, talvez, esse seja um bom momento para indagar-se: existe algo que preste nessa mecânica? Escavacando a gente poderia dizer que Player Elimination pode ser…

  • Emocionante: dependendo de como for implementado, essa mecânica pode ser um ponto de clímax em uma partida. Afinal, é assim com as mortes de personagens em filmes, seriados, livros ou qualquer história. Se seu jogo tiver um forte aspecto narrativo, a eliminação de qualquer jogador poderá ter um impacto que pode deixar a experiência do jogo, como um todo, mais emocionante para todos os jogadores. Momentos memoráveis são construídos a partir de emoções. Então, pode ser algo bem poderoso aqui.
  • Objetivo Diferente: ao contrário dos jogos mais antigos, atualmente é muito comum as condições de vitória serem por pontos. Então, dependendo do jogo, é possível usar Player Elimination como uma condição de vitória alternativa. Isso amplia a gama de estratégias possíveis e, claro, permite finais diferentes pro seu jogo. O que por si só já aumenta um pouco a vontade de voltar.
  • Honesto: muitos jogos não implementam essa mecânica, mas não é incomum ter jogos que fazem você se sentir eliminado, mas você ainda está lá na partida. Então, termina que o jogador se sente eliminado, mas ainda estar jogando. Com Player Elimination a situação é explicita. O jogador foi-se e pronto, é algo direto, pontual e específico. É muito melhor você estar fora da partida do que estar lá como mero figurante e sem reais de impactar na partida.

Sinceramente, me surpreendi de ter conseguido listar essas vantagens. Não esperava quando comecei a pensar em escrever sobre a mecânica. Mas, agora, vamos a parte ruim.

  • Player Elimination: sim, o principal problema da mecânica é a própria mecânica. Você está eliminando um jogador da partida. Espera-se que isso não seja algo interessante pro jogador, se for, aí o jogo tem outros problemas muito piores.

Estranho só listar um problema, né? Mas não vi a necessidade de forçar outros aqui. Ficar de fora da partida é praticamente uma quebra do contrato social estabelecido na jogatina, que seria: todos nós viemos para jogar e todos nós iremos nos divertir. Por mais que possa ser emocionante a ideia da eliminação, ela nunca é agradável quando realmente ocorre. Pode render boas histórias? Com certeza, mas são histórias que se ocorrerem constantemente perdem o brilho. Se torna corriqueiro. Então, realmente é algo que poderia/deveria ser evitado. Os jogos atualmente tem conseguido usar Player Elimination de uma maneira melhor que antigamente, mas ainda assim, não está longe de poder se transformar em algo extremamente frustrante.

Sim, existe Elvis Monopoly.

Exemplos antigos como War e Monopoly, estão quase que na vanguarda desses problemas. Em Monopoly você só vence após todos serem eliminados. Isso pode demorar horrores, então a vitória normalmente vem pela desistência dos oponentes. Algo que, na minha visão, é um sinal claro de falha de Game Design. O jogador chegou no ápice do tédio/frustração ao ponto de desistir de continuar jogando. Isso é bem triste. Em War o impacto é um pouco menor, pois nem todos os objetivos necessariamente envolvem Player Elimination. Entretanto, não é incomum a partida se estender além do esperado. Werewolf é um exemplo de pseudo-jogo que toda a sua força está na mecânica: criar emoções, intrigas e uma narrativa com a eliminação de um jogador toda rodada. Entretanto, não compensa. Na maioria dos casos, os jogadores eliminados perdem tração no jogo, especialmente quando são eliminados nas primeiras rodadas, pois não tiverem sequer tempo de engajar na experiência. Então, os eliminados ou vão iniciar partidas de outros jogos ou ficam lá esperando uma nova partida começar entediados.

Sim, tem Love Letter do Batman.

Jogos mais modernos estão, de maneira geral, optando por diminuir o fator tempo da mecânica. Isto é, partindo da premissa que o problema não é ser eliminado, mas sim passar muito tempo sem jogar. Isso começou com Bang! (2002) de um jeito mais leve. Sendo que não resolveu muito. Nesse jogo é possível (apesar de improvável) você ser eliminado no primeiro turno e passar 1 hora e meia sem jogar. Isso deixa certos papeis mais atrativos do que outros, por exemplo, é muito melhor ser o Xerife, pois quando você morre a partida acabar. Dez anos depois, pegaram mais pesado nessa ideia de tempo. Podemos ver pela criação de Love Letter (2012) e Coup (2012). Jogos extremamente curtos. A ideia aqui é ser tão rápidos que ser eliminado não tenha impacto. Para mim, isso não é uma boa escolha de design. Foi trocado o problema do tempo, pelo problema da falta de emoção. A banalização da eliminação tira o peso que poderia ser proporcionado por ela… E sem o peso, vai-se a emoção. Deixando o jogo sem memórias. Fica apenas aquele borrão de várias partidas rápidas, todas parecidas umas com as outras. É similar à você passear no feed do seu Instagram: você passa o tempo, mas o impacto disso na sua vida é mínimo. Filosofei, né? Entretanto, acho que é um sentimento real. Eu não lembro de nenhuma partida em particular de nenhum dos dois jogos, pois os jogos são tão rápidos que você joga tantas partidas que as situações se repetem. Sabe, em Coup, quando você mata um jogador em uma jogada só? Você foi com Assassino, ele disse que tinha Condessa e você duvidou tirando as duas vidas dele numa tacada só? Vira recorrente. Tão recorrente, que eu sequer lembro quem foram os jogadores envolvidos em qualquer uma dessas interações. E olhe que eu só joguei Coup 20 vezes a minha vida toda. Tem gente que joga essa quantidade de partidas de Coup em uma única noite de jogos.

Nada como um empurrãozinho maroto para uma sala cheia de lava.

Depois de, aparentemente, apenas maus exemplos. O que eu poderia oferecer de positivo aqui? Olha, eu tenho excelentes memórias de Room 25 (2013). Entretanto, sou suspeito para falar. Joguei 10 vezes e o eliminado nunca fui eu, sempre outra pessoa e, até o momento, minhas jogadas e função no jogo influenciaram bem diretamente para o resultado da partida. Não posso falar pelas pessoas eliminadas. Algumas, aparentemente ficaram engajadas, outras aparentemente irritadas. Mas uma coisa é fato: sempre rendeu risadas e boas histórias. Então, imagino que essa seja uma boa implementação. Conseguiram isso usando as mesmas ideias de Werewolf e Bang!, dividir os jogadores em times, sendo que aqui as mortes são momentos de surpresa e “uau”. É diferente do concurso de popularidade de Werewolf (levar mais votos) e dos pontos de vidas de Bang! que vão diminuindo aos pouquinhos.

Alguns jogos implementam Player Elimination como uma chancela para a vitória. High Society (1995) e Cleopatra and the Society of Architects (2006) descartam o jogador com menos dinheiro e mais corrupção, respectivamente, para só depois contar a pontuação dos demais. É uma excelente alternativa para evitar eliminar qualquer jogador durante a partida, adiciona uma outra camada de decisões ao jogo, mas pode continuar sendo um alvo de frustração: “joguei tão bem, mas nem pude ter meus pontos contados”. Essas implementações podem estar pecando um pouco, pois o foco se torna muito mais em gerenciar não ser eliminado do que conseguir pontos. E gerenciar a não eliminação não soa muito divertido, pois você vai basicamente ficar se tosando durante a partida inteira dependendo de como a mesa de comporta. A gente já faz isso dia-a-dia na vida real, vai precisar fazer no jogo também?

Em Clank, sempre que você faz barulho você coloca cubinhos da sua cor em uma sacola. De tempos em tempos, o dragão acorda e ataca os jogadores sacando cubinhos dessa sacola. Nessa imagem, os jogadores vermelho e amarelo foram eliminados, pois esgotaram seus pontos de vida.

Um exemplo mais recente que eu gostaria de trazer aqui é Clank! (2016). Player Elimination é usado para tentar atingir seu máximo potencial de emoção. Basicamente, os jogadores possuem uma quantidade de pontos de vida e estão desbravando uma caverna em busca de tesouro e os jogadores levam dano meio que proporcionalmente ao tanto de barulho que fizeram explorando. Só que tem um fator aleatório bem forte. Aleatoriedade e eliminação deixam as emoções tinindo. O problema, para mim, é que Clank! é um jogo totalmente de otimização e todo esse processo destoa um pouco, transformando os pontos de vida, na verdade, em mais um recurso. A estratégia, então, para ganhar Clank! é ponderar e calcular friamente o quanto de barulho você pode e deve fazer para conseguir sair com vida das cavernas. Isso, para mim, tirou um pouco da experiência que poderia ter no jogo, já que é um jogo meio esquizofrênico: muita matemática e muita emoção. Fica até parecendo meus alunos nas finais de Cálculo. Não me parece ser uma experiência totalmente agradável.

Opa, não vou esquecer do caso de dois estilos de vitória com o famoso King of Tokyo (2011). Eu gostei da ideia de poder vencer ou eliminando todos ou atingindo os 20 pontos. Entretanto, só gostei da ideia. Quando em execução o jogo pode terminar assim: ou previsível com a eliminação dos jogadores até só restar um ou na surpresa com um jogador ganhando por pontos. Para mim é muito estranho a emoção/surpresa estar na pontuação e não na eliminação. Boa parte das partidas de King of Tokyo terminam de maneira similar. Então, até já deixou de surpreender, mas não deixa de ser frustrante ver um jogador vencedor por pontos, pois apareceu a carta certa para ser comprada e dar aquela quantidade de pontos ideal que fará o jogador pular de 12 pontos para 20. Ainda assim, acho que o conceito é bom.

E, para fechar, deixo aqui alguns jogos de porradaria que possuem Player Elimination: Clash of Cultures (2012), Eclipse (2011), Twilight Imperium, A Game of Thrones: The Board Game (2011). Em alguns a partida encerra quando o primeiro jogador é eliminado (melhor opção) e em outros quando todos morrem (inútil). O segundo caso é inútil, pois nunca acontece, já que o jogo termina antes disso acontecer pelas rodadas. O primeiro caso é legal, pois evita o jogador ficar de fora. Só é preciso um cuidado: evitar suicídio pela vitória. Como assim? Em Clash of Cultures é possível um jogador vencer no comecinho do jogo ao se eliminar e ter um pouquinho de pontos a mais que os outros jogadores. A estratégia em específico eu não vou lembrar, mas a correção é bem simples: não deixe os jogadores se suicidarem. Simples. No caso do Clash of Cultures, no final de toda rodada os jogadores podem destruir uma cidade dele para conseguir ouro (recurso coringa). Como a partida encerra quando um jogador não tem nenhuma cidade, a partida encerra e os pontos são contados. Colocando a simples restrição de: você não pode destruir sua última cidade, resolveria.

Então, depois das várias demonstrações de problemas, você ainda quer implementar Player Elimination no seu jogo? Tudo bem, em Regicida eu fiz a mesma coisa. Sendo que tomei algumas precauções: mesmo o jogo durante apenas 20 minutos, a eliminação é no final; a eliminação é o momento de clímax do jogo, pois envolve eliminar o jogador mais forte; foi uma maneira de permitir duas maneiras de vencer mescladas (você vence se tiver mas pontos, mas só se não for assassinado). Sinceramente, acho que funcionou. Dá uma olhadinha no link do jogo para saber mais.

A questão é que Regicida meio que gira em torno dessa mecânica, mas às vezes  você só quer que ela esteja lá, não seja necessariamente parte fundamental do seu jogo. Talvez você queira apimentar um pouco as coisas ou só tentar colocar uma nova opção de final. Bom, é importante ter em mente duas coisas: se for possível crie alternativas para o jogador não fique completamente de fora, isto é, o jogador foi eliminado? Talvez ele possa influenciar no restante da partida ajudando seu time com algumas restrições ou ele pode ainda participar da contagem de pontos mesmo com poucas chances de vitória. E, claro, tente fazer com que a eliminação seja evitável, especialmente se não for a única condição de vitória. Isto é, o jogador ter a opção de jogar mais conservadoramente (alguns diriam covardemente, mas não serei eu) para evitar ser eliminado. Dessa maneira, você dá a emoção para os que procuram e dá alguma calmaria aos que preferem assim. Apesar de ter reclamado de Clank! ele é um bom exemplo nesse segundo aspecto.

Pronto. Eliminação realizada com sucesso.

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