Algumas mecânicas possuem muitos nomes ou maneiras de definir. Worker Placement é uma dessas. Aqui no Brasil costumamos chamar de Alocação de Trabalhadores. Mas não é disso que estou falando, quero dizer que Worker Placement é costumeiramente visto, do ponto de vista de implementação, como um Action Drafting. Isto é, você possui várias ações a sua disposição, mas elas vão sendo “tomadas” diminuindo cada vez mais a quantidade disponível. Então, no final das contas, conversaremos hoje sobre… Seleção de Ações (esses nomes não traduzem tão bem, né?).
Eu resolvi começar com Worker Placement por ser uma das mecânicas mais apreciadas e por ser uma mecânica bem característica também. Por característica, quero dizer que ela é bem perceptível nos jogos e, geralmente, é a mecânica mais central do jogo. Inclusive, não é incomum ver pessoas tratando o termo como uma categoria de jogos, em vez de apenas uma mecânica. Acho que, em algum sentido, a popularidade da mecânica pode ser observada pela quantidade de lançamentos de jogos que usam a mecânica, fiz uma pesquisa rápida na Ludopedia e levantei os dados desse gráfico:
Claro que a indústria cresceu nesses anos e jogos não tão recentes nem sempre estão listados na Ludopedia, mas esse crescimento enlouquecido e desenfreado dos jogos listados como Alocação de Trabalhadores demonstra o poder e popularidade da mecânica. Caylus, que foi o jogo que trouxe a mecânica ao modelo mais conhecido atualmente, foi lançado em 2005.
Passado o passado da mecânica, sim as coisas andam rápido por aqui, vamos pensar na definição. Tendo em vista que o Worker Placement é um tipo de Action Drafting, podemos definir a mecânica, da maneira mais universal possível, como sendo: colocar um trabalhador em algum espaço para realizar uma ação imediatamente ou no futuro. Talvez a definição fique genérica demais, pois desse ponto de vista Cyclades é um Worker Placement. Sendo que se começarmos a inserir restrições, vários jogos clássicos de Worker Placement vão deixar de sê-lo simplesmente por ter alguma variação.
Inclusive, pensando nas definições, é possível dizer que todo Worker Placement nada mais é do que um Leilão. Afinal, qual a diferença? A moeda do Worker Placement seria o timing (quem for antes tem prioridade) enquanto que a moeda do Leilão é o dinheiro (quem der mais tem prioridade). Assim, Cyclades une os dois, pois usa o dinheiro como a moeda, mas o “desempate” é feito pela ordem? Confuso. Eu poderia tentar ir elaborando uma definição que removesse Cyclades, mas ela com certeza iria inserir outro jogo que não possui Worker Placement ou remover algum que possua. Por isso não sou fãs de definições não matemáticas e prefiro partir para exemplos mais práticos e concretos, como os próprios jogos. Então, já aproveito a oportunidade para avisar que essa coluna não focará tanto nas definições ou em encontrar uma boa definição, apesar de que sempre falarei delas para contextualizar. Se você busca definições, talvez você possa encontrar algo útil no Glossário. Ou, quem sabe, no futuro, role alguma postagem só sobre definições? Que tal?
Então, deixando de lado as definições, vamos ao que realmente importa aqui… Por quais razões eu deveria utilizar Worker Placement? Eu, particularmente, vejo essa mecânica com bons olhos e ela tem algumas qualidades:
- Temático: colocar um trabalhador na floresta e isso lhe render madeira faz perfeito sentido, não tem nada de abstrato nisso. Então, não é necessário um grande esforço pra estabelecer esse elo das mecânicas com o tema do jogo. Provavelmente esse é um dos maiores trunfos do Worker Placement, já que é uma mecânica bastante utilizada em Euro Games, que são costumeiramente vistos como jogos com tema pouco presente. Claro que existem vários jogos com essa mecânica que consegue desfazer essa qualidade, mas aí é mais demérito do Game Designer do que da mecânica.
- Intuitivo: consequentemente, pelo tema fazer sentido, Worker Placement tem uma dinâmica muito fácil de explicar. Afinal, quanto mais próximo um conceito é da nossa realidade, mais fácil é de explicá-lo e, consequentemente, de outra pessoa entender. Tudo colabora para isso acontecer: o fato de você ter um bonequinho que representa o trabalhador ajuda, o fato das ações serem espaços no tabuleiro e geralmente com arte/símbolos que fazem sentido temáticos. Se você conseguiu deixar um Worker Placement difícil de compreender das duas uma: ou o tema aplicado ficou estranho ou você fez alguma variação muito louca.
- Interação: pensando aqui no aspecto competitivo dos jogos, a mecânica possui uma interação embutida. Essa interação vem pelos bloqueios, escassez dos espaços e ordem do turno, em suma: a interação é a corrida pelo espaço desejado. Com Worker Placement você consegue uma interação não-hostil bastante efetiva e que costuma agradar muitas pessoas. Obviamente, um jogo pode permitir que múltiplos trabalhadores ocupem o mesmo espaço, mas essa escolha de design é, geralmente, um erro. Afinal, você estará sacrificando a interação inerente em prol de que? Se for fazer isso, é bom ter um bom motivo. Você irá perder a interação, então é importante receber algo em troca: vai ganhar mais profundidade estratégica? Vai implementar a mecânica de uma maneira inovadora e interessante? Vai melhor o fluxo do jogo?
Claro que nem tudo é positivo. Inclusive, alguns dos aspectos positivos podem se tornar negativos quando negligenciados ou aplicados incorretamente. A interação pode se tornar meramente aleatória e caótica. Especialmente em jogos com muitos espaços de alocação. O tema pode se perder por conta de alguma abstração e o jogo deixa de ser intuitivo por conta de várias exceções ou fases complexas. Entretanto, temos características que são realmente problemas no Worker Placement:
- Estratégia vencedora: um dos terrores que habitam as mentes dos Game Designers é que seu jogo tenha uma estratégia vencedora. Jogos assim recebem a etiqueta de “quebrados”, pois os jogos deixam de funcionar de maneira apropriada quando essa estratégia é descoberta. Worker Placement permite esse tipo de abertura com a estratégia de conseguir mais trabalhadores. Se existir no jogo alguma maneira de aumentar a sua quantidade de jogadores, essa é uma estratégia bem viável e recompensadora. Afinal, quanto mais trabalhadores, mais ações e quanto mais ações, mais pontos e quantos mais pontos… Bom, você vence. Isso, claro, se seu jogo for baseado na maior pontuação (como 99% dos Worker Placements). Como resolver? Existem várias alternativas. A mais comum nos primórdios era colocar um custo por trabalhador. A velha fase de alimentação. Um saco. Tira você do fluxo do jogo e lhe deixa refém de algo tedioso e enfadonho. Outra opção, mais simples, é dar trabalhadores a todos os jogadores de maneira igual. Assim, todo mundo se sente mais poderoso e ninguém ganha nada a mais que os outros. Sendo que essa opção é um pouco manjada, né? Uma outra opção seria ter limites. Você pode até conseguir mais trabalhadores, mas só alguns durante a partida e consegui-los não é trivial, requer um esforço que poderá ou não pagar depois. E várias outras opções, resta você ver a que melhor se adequa e mais faz sentido ao seu jogo.
- Quantidade de Jogadores: você pegar seu Worker Placement que funciona para 4 jogadores e botar o mesmo jogo para 2 jogadores resultará em uma bosta. Isso é difícil com qualquer mecânica, mas aqui é inviável. A razão é simples: a mecânica se sustenta em você não conseguir fazer tudo que quiser. Então, quanto menos jogadores, mais fácil será você fazer tudo que quer. Consequentemente: adeus interação e adeus desafio. Claro que existem soluções bem conhecidas. A mais famosa é ajustar os espaços disponíveis pelo número de jogadores ou ajustar o número de trabalhadores por jogador. Entretanto, tem jogos que isso continua sendo um problema. Suponha, que no seu jogo existe uma ação bem poderosa e você quer apenas um espaço dela. Como ajustar isso para 2, 3 e 4 jogadores? Não dá… Vai ser sempre uma ação em todos os casos. E agora? Deu ruim. Seu jogo vai proporcionar experiências bem diferentes dependendo de quantas pessoas estão jogando (ou apertado demais ou frouxo demais). Como evitar esse problema? Não tenha uma ação dessas no seu jogo. Ou crie combinações de ações que você consiga dividir e organizar de uma maneira que consiga escalonar como quiser.
- Ordem do Turno: esse é um problema universal nos jogos do tabuleiro. Qualquer jogo que seja competitivo e em turnos terá algum problema por conta da ordem dos jogadores. A questão é que com Worker Placement não podemos (ou melhor, não devemos) ter a estrutura usual de ir alternando os turnos naquele ciclo fixo. Se não, algo extremamente importante ficará a mercê da coincidência de você agir antes ou não. Por exemplo, você e seu oponente estão investindo pesado em pedras. Sendo que no turno 4 vai ser o turno que será crucial para sua estratégia pegar. Só que no turno 4, o primeiro jogador é o seu oponente… E aí? Esse problema é tão perceptível que, na maioria dos Worker Placement, existe algum espaço de alocação para alterar a ordem ou para pegar o primeiro jogador. O fato de existir uma solução clássica não impede de ser um problema e até comprova sua existência.
Antes de seguir em como realmente implementar a mecânica, acho que é bom a gente ver alguns exemplos de jogos. Assim, podemos discutir já um pouco sobre coisas que funcionaram e que não funcionaram. E, talvez, por tabela, você já vai pegando a ideia da implementação. Atenção, se você é sensível sobre seus jogos favoritos, recomendo pular esse pedaço do texto (volte após a figura de Dungeon Petz).
Vamos começar com Stone Age (2008), um “clássico” com vários exemplos do que não fazer. Aquisição de trabalhadores é uma estratégia bem forte e quase que um requisito você ir quando é o primeiro na rodada. Em Stone Age o primeiro jogador vai rodando em sentido horário, juntando isso com a “obrigatoriedade” de fazer menino, deixa todo o fluxo da partida bem padronizado e previsível. Um outro problema de Stone Age é a alta variabilidade. Como a aquisição dos recursos é feita com dados após a alocação (diferente de um Dice Placement, por exemplo) você vira refém da sorte. Claro que, como quase todo Euro Game com dados, Stone Age oferece uma maneira contornar o problema. Entretanto, as ferramentas são uma solução terrível: renovam a cada rodada, possibilitando um efeito bola de neve; se você deu sorte, você consegue ainda mais recursos e se deu azar consegue um resultado menos pior, não é realmente uma maneira de mitigar a sorte. É meio que um auxílio de arredondamento. Com essa decisão de design (dados rolados pós-decisão, vulgo output randomness), Stone Age possui mais sorte do que o Worker Placement usual, perdendo a “vantagem” do determinismo de alocar um trabalhador e receber algo (sem surpresas) em troca. Um jogo que comete o mesmo “erro” é o Champions of Midgard (2015), no qual utiliza melhor os dados, mas ainda assim pode gerar frustrações. Usei vantagem e erro com aspas, pois dependendo do jogo você realmente quer algo assim. A aleatoriedade pode aproximar o jogadores de níveis diferentes e trazer mais emoção à partida, ao menos é o que tenho escutado por aí.
Entretanto, nem só de desgraça vive o homem das cavernas. Stone Age tem algo a seu favor: a variação na mecânica de poder alocar múltiplos trabalhadores em um único espaço. A cabana do amor (local onde gera mais trabalhadores) precisa de exatamente dois e para coletar recursos você pode enviar um ou mais trabalhadores. Isso é realizado na mais alta potência com A Feast for Odin (2016). Existem espaços para 1, 2, 3 ou 4 trabalhadores, cada um deles dando recompensas proporcionais. Isso cria uma dinâmica interessante, pois os jogadores podem optar por realizar poucas ações poderosas ou várias ações fracas. Só que foi exagerado. Existem mais de 50 espaços de alocação em A Feast for Odin. Perceba que isso não significa apenas espaço para 50 trabalhadores, mas espaço para centenas, já que vários espaços precisam de mais que um trabalhador. Isso significa o que? Muita opção e pouca competição por espaços. A Feast for Odin “perde” a vantagem de interação do Worker Placement. Com tantos espaços assim, os jogadores só se esbarram pelo mero acaso (quererem a mesma coisa, mas não necessariamente fazê-lo para negar o oponente) ou por muito ódio no coração (ir em um espaço que beneficiaria demais o oponente, mas para você o benefício é mínimo). Entretanto, ainda assim, A Feast for Odin permite o bloqueio (nenhum espaço pode ser usado mais de uma vez), mas insiste no “erro” ao colocar um espaço que pode copiar a ação de um já ocupado. Novamente, perde e erro entre aspas, pois é uma decisão de design que vai propiciar ao jogo uma atmosfera mais tranquila e sem tanta frustração que podem ser causadas por certas interações. Acho sem sentido, mas tem quem ache legal.
Não é apenas A Feast for Odin que usou um Worker Placement com menos bloqueio, existem várias opções para quem tenta essa vertente. Charterstone (2017) é um desses, você sempre pode entrar em um espaço de alocação, mas isso expulsa quem estava no espaço. É uma maneira de remover o bloqueio, mas ainda manter a interação. Só que agora é uma interação positiva, já que sempre que você expulsa um trabalhador de outro jogador, ele terá trabalhadores para utilizar no futuro. Não é um interação tão interessante quanto o bloqueio, pois raramente um jogador vai deixar de fazer uma ação para não expulsar quem está lá, mas pode acontecer, né mesmo? Em Teotihuacan (2018), você pode entrar em qualquer espaço, desde gaste comida de acordo com quantos jogadores já estão lá. Isso remove de vez a interação, pois o pagamento vai pro banco. Transforma o elegante e simples bloqueio padrão em um mini-game de gerenciamento de recurso irritante que todo mundo se esquece de fazer durante a partida “eita, não dá para eu ir aqui, não tenho comida suficiente” ou “eita, fui naquele espaço mas esqueci de pagar a comida”. E vários outros casos similares (na minha opinião, negativos) podem ser vistos dentre os vários Worker Placement lançados a cada ano. Sendo que tem um exemplo que acho extremamente positivo que lida de um jeito interessantíssimo fazendo uma espécie de bloqueio fluído.
Em Keyflower (2012), existe um limite de até seis trabalhadores em um dado espaço de alocação e o jogador que “chegou” deve inserir mais trabalhadores que o jogador que foi anteriormente. Isso significa o que? Eu posso enviar apenas um trabalhador, e meu oponente depois enviar dois e, alguém depois, enviar três. Ou eu posso já enviar três trabalhadores, bloqueando o espaço, já que seria necessário quatro trabalhadores para realizar a ação, mas estouraria o limite de seis. A interação existe, o bloqueio existe, mas agora se tornou uma nova camada de estratégia no jogo. É como se o jogo dissesse para você: “olha, dá para tu bloquear essa ação que vai dar ao teu oponente 500 pontos, mas tu vai precisar gastar um pouco mais com isso”. Excelente. Por sinal, em termos de mecânica, recomendo uma estudada no Keyflower. É um dos jogos mais bem bolados que conheço. Tem seus problemas? Claro, especialmente questões de balanceamento. Sendo que toda a parte da mecânica base do jogo (trabalhadores coloridos, leilão pelos tiles, tiles acessíveis por todos os jogadores) é realmente genial.
Bom, já falei bastante da maior parte dos problemas e as várias opções que já foram criadas. Sendo que falei pouco sobre o problema de Ordem do Jogador. Afinal, já existe uma solução clássica (e boa) para isso: o espaço de alocação para mudar a ordem ou virar o primeiro jogador. Entretanto, tem uma solução que acho bem legal adotada por Dungeon Petz (2011). A solução é bem fácil de explicar (acho). Basicamente, a ordem de alocação não é sem sentido horário, este é apenas o critério de desempate. A ordem em si é feita por lances e esses lances são feitos com os próprios trabalhadores e moedas. Isso tudo é feito com um leilão às cegas (os jogadores organizam seus grupos de trabalhadores + moedas em segredo e depois revelam). Assim, por exemplo, um jogador que botou 3 trabalhadores + 2 moedas tem um grupo com “força” 5 e isso faz com que esse grupo seja alocado antes de qualquer um com “força” 4 ou menor. Assim, a probabilidade do jogador conseguir o que quer é maior quanto mais investir dinheiro e trabalhadores. Isso gera um balanceamento de ações fracas e fortes do tabuleiro, pois um jogador que investir em grupo maiores via fazer menos ações, mas provavelmente as mais interessantes; enquanto que um jogador que fez grupos menores vai ter uma maior quantidade de ações, mas provavelmente as ações com menor importância. O jogo tem lá seus defeitos, mas vou parar por aqui, se não, não termino mais com os exemplos.
Acho que depois desses vários exemplos deu para ter uma boa ideia de como colocar um Worker Placement no jogo, né? Mas não vou lhe deixar na mão (ou vou?) e tentarei expor claramente. Como citei lá no comecinho, essa mecânica nada mais é do que um Action Drafting. Isso significa que Worker Placement é um método de escolha de ações. Existem vários que você pode usar, ele é só um deles.
Suponha Ticket to Ride, por exemplo, poderíamos dizer que o método de seleção de ação do jogo é livre. Você tem as três opções (cartas, rota ou objetivos) sempre disponíveis para você, escolhe uma, faz e seu turno acaba. Imagine que fosse Worker Placement? Você teria vários espaços para a pessoa ir botando os trabalhadores, não necessariamente seriam três, pois você poderia criar variações: espaço para fazer rotas de tamanho um, espaço para fazer rotas de uma determinada parte do mapa, espaço para pegar apenas uma carta, espaço para pegar duas, espaço para comprar apenas um objetivo, espaço para pegar três e escolher um, etc. O jogo com certeza teria mais camadas do que o atual, mas provavelmente o Worker Placement só deixaria o jogo mais lento, aumentando a duração do jogo, Analysis Paralysis e até mesmo o sentimento de cadência que o jogo possui. Basicamente, Ticket to Ride não tem opções o suficiente para justificar o uso de mecânica. Então, apesar de considerar Worker Placement uma mecânica bem interessante, não acho que é uma solução universal. Longe disso, inclusive, deve ser usada quando adequada e isso vai depender totalmente do jogo. Se você parar para refletir, a maioria dos Worker Placement usam gerenciamento de recursos, pois é uma excelente maneira de expandir o jogo o suficiente para justificar a mecânica e usufruir de todos os aspectos positivos dela. Afinal, adquirir recursos requer trabalhadores, usá-los também. É um encaixe perfeito e, por consequência, visto na maioria dos casos.
O processo que acho mais conveniente de implementar um Worker Placement é pensando primeiro nas nuances e diferenciais que eu gostaria de implementar para depois pensar em todo o resto e ir encaixando e moldando aos poucos tudo para ter uma ideia coesa no final. Claro que eu sou eu, você é você e tudo isso, mas preciso partir de um ponto, né? Vamos partir do pressuposto que minha ideia inicial é criar um Worker Placement com espaços variando na quantidade de trabalhadores, tal qual A Feast for Odin, pois acho que pode ser algo melhor explorado. Então, você pensa em qual tema isso faz sentido? Vários, mas talvez eu esteja particularmente interessado em criar um jogo de gangues. Então, o que seria cada espaço? Poderiam ser espaços que você coleta recursos para vários usos distintos (armas para lutar, drogas para vender, dinheiro para subornar guardas, etc) e os respectivos espaços para utilizá-los da mais variadas maneiras, claro. Assim, quanto mais interessante for o local, mais trabalhadores você precisa. Entretanto, isso não faz sentido temático em todos os casos. Por exemplo, dinheiro pode ser muito útil, mas não necessariamente eu não preciso de vários trabalhadores para conseguir dinheiro. Então, talvez uma motivação temática melhor seria quanto mais perigoso o local, mais trabalhadores você precisa. Opa, aí você nesse momento tem uma ideia diferenciada: eu poderia colocar essa quantidade de trabalhadores como sendo variável. Salvo engano, não conheço nenhum jogo que faça isso. Mas como fazer isso? Posso dizer que a quantidade de trabalhadores vai ser de acordo com o nível de polícia no local. Aí o nível de polícia vai precisar de uma maneira de mensurar, talvez pelo tanto de armas em espaços adjacentes. E assim você vai meio que indo e voltando no Worker Placement para ir tendo as ideias de espaços de alocação e onde usar aqueles recursos que foram obtidos e aos poucos a ideia do jogo vai crescendo. Eventualmente, você vai ter várias ideias de espaços de alocação. Enquanto estiver nessa etapa, sempre tenha em mente que você não deve balancear nada agora. Faça os espaços na louca mesmo, respeitando o escopo definido, mas sem levar em consideração o que é forte ou fraco. Leve em consideração isso quando for testar, isto é, não considere o balanceamento como fator para determinar se o jogo está interessante. Considere se está fluindo, se faz sentido temático, se tem decisões importantes. Mesmo o jogo desbalanceado proporciona isso e pode ser avaliado assim. Porque estou ressaltando isso? Muitas vezes o camarada passa um tempão ajustando o balanceamento do jogo quando a ideia por si só nunca iria funcionar. Talvez esse lance de variar a quantidade na alocação gere algum comportamento que eu não esperava ou crie uma experiência ruim. Então, é muito mais importante você ver se a ideia funciona do que investir pesado em balanceamento. Agora, depois de passado todo esse perrengue, e chegar realmente o momento de balancear, aí sim recomendo uma abordagem matemática aliada com bastante Playtest. Isto é, calcular inicialmente um balanceamento dos espaços de acordo com o que eles ajudam rumo ao objetivo do jogo, mas ir vendo como estão as viabilidades das diferentes estratégias por meio dos testes. Talvez eu tenha super simplificado o processo aqui, mas quem sabe juntando tudo que comentei você tenha algum Norte?
É isso. Engraçado que depois de escrever esse textão eu percebi o motivo que adiei muito essa coluna: dá um trabalho gigante organizar o raciocínio dela. Espero que eu tenha conseguido passar tudo que gostaria. Deixem nos comentários o que acharam do estilo, estrutura e conteúdo. Faltou algo a ser explorado? Falei algo sem sentido ou que você discorda? Ficou grande demais ou cansativo? Algo que você pode ter sentido falta foram as variações (mesmo) do Worker Placement. Resolvi deixar para outra postagem, pois acho particularmente interessante Dice Placement e, pode não parecer, mas é um bicho ligeiramente diferente.
4 de maio de 2021
Acho um pecado seu blog não ter mais comentários hahahaha Mesmo nas poucas coisas que discordo de proposta do jogo em si, eu consigo compreender a progressão do raciocínio e de onde vem sua visão. Muito obrigado por mais um texto, Pinheiro!
4 de maio de 2021
Que triste, né? hehehehehe Mas até acostumei a ficar falando com as paredes.
Acho que são vários fatores: mídia escrita + blog + game design. São muitos nichos um dentro do outro.
Quando boto na Ludopedia o engajamento é melhorzinho.
Em todo caso, obrigado pelo comentário, Mateus. Abraço. =D
3 de agosto de 2021
Como entro em. Contato o com vc? Adorei o blog.
4 de agosto de 2021
Obrigado, Luiz Fernando! Seja bem-vindo, no menu superior tem vários ícones com todas as minhas mídias sociais e e-mail.
7 de maio de 2021
Em primeiro lugar, parabéns! 👏👏👏
Ficou ótimo. Mal posso esperar pelas próximas colunas.
7 de maio de 2021
Valeu, Hudson. =D
7 de maio de 2021
Quanto a Stone Age, houve um aspecto não comentado que para mim é bem óbvio. O perfeito encaixe temático do tema do jogo com a aleatoriedade dele. Que de forma alguma é um defeito, na minha visão.
Hoje saímos de casa para ir ao supermercado ou à feira e é quase certo que encontraremos o que buscamos. Mesmo assim, às vezes voltamos para casa de mãos vazias. Muito mais presente era esse problema na idade da pedra. Um caçador-coletor saía de casa pela manhã sem saber se voltaria com uma caça abatida. Era uma vida de incertezas. Por essa razão, as tribos de caçadores costumam praticar o compartilhamento comunitário das presas abatidas. (O que não combina muito com um jogo competitivo. 🙂) Hoje você deu azar. Amanhã pode ser eu.
Enfim, a aleatoriedade do jogo está ali em prol da imersão dos jogadores. Que querem fugir do mundo seguro e controlado em que vivem no século XXI e mergulhar nas aventuras incertas da idade da pedra. Um jogo assim *não pode* ser determinístico. A lógica é a mesma dos _War games._ Como batalhas são sempre incertas, sempre há rolagem de dados nesses jogos. Para retratar essa realidade.
O recurso de concentrar trabalhadores numa única ação já é uma reação dos integrantes dessas tribos às incertezas de suas vidas. Humanos optam por agora em grupo quando a situação é perigosa. E isso é retratado tematicamente na regra do jogo.
7 de maio de 2021
Concordo.
Inclusive, concordo que o jogo não precisa ser determinístico, mas ter uma maneira melhor de mitigar o azar exagerado sem beneficiar a sorte exagerada. Em suma: uma mecânica de mitigação real.
12 de maio de 2021
Já li o texto algumas vezes e tenho uma série de perguntas ou reflexões que venho anotando sobre a mecânica. São tantos rabiscos que surgiram do texto que ainda preciso organizar tudo num rearranjo comunicável. Mas ainda essa semana coloco o meu bloco (de textos) na rua e compartilho minhas questões por aqui! Rsrsrs
Muito bom demais! Mais uma vez parabéns. Estou divulgando sua página por aí.
12 de maio de 2021
Aguardando o textão heehehehe =)
Valeu, Bruno. Pelo comentário e pela divulgação. 😉
14 de maio de 2021
Uma coisa muito importante na alocação de trabalhadores, como você disse no texto, é este timing. Às vezes sinto que há (muitos) jogos em que a ordem de turno é, inclusive, mais decisiva que a própria alocação. Até diria que o seu exemplo de Dungeon Petz pode ser um deles. Isso pode gerar dois problemas: (1) deixar num papel coadjuvante a própria alocação, atrapalhando até a conexão entre mecânica e temática, pondo a centralidade da jogabilidade em algo que naturalmente era pra ter cara de ser algo coadjuvante/auxiliar (a ordem de turno). Qual o sentido temático, por exemplo, desse lance de trabalhadores + moedas em Dungeon Petz? Lembro que quando joguei, ficava tranquilo com duas ou três ações disponíveis desde que fosse um dos primeiros a jogar e isso me forçava a dar mais atenção à ordem de turno que à própria alocação; ou (2) o problema de prejudicar de forma cumulativa os últimos jogadores.
O que eu quis dizer com este último problema? Às vezes até há uma ação melhor que todas as outras mas há também a disponibilidade de algumas outras ações medianas que, caso não conseguisse ficar com a melhor, já me satisfariam sem atrapalhar demais a minha estratégia. Contudo, se eu for o último jogador, é provável que eu fique sem a melhor e também sem as ações medianas, precisando “gastar” os meus trabalhadores em ações fracas que me dariam poucos benefícios ou poucos recursos, por exemplo. Até aí tudo bem, é o charme e a competitividade da alocação.
Mas, caso o jogo use recursos também para pagar pelas ações (como a maioria), ações que consequentemente gerarão mais recursos ou até mesmo uma melhor posição na ordem de turno, quem ficou com a ação mais fraca na rodada anterior por ter sido o último continuará tendo pouco recurso para conseguir pagar pelas melhores ações no próximo turno, ainda que até consiga ser um dos primeiros jogadores da vez. E aí isso vira uma bola de neve punitiva. O jogo vira uma espécie de prestação imobiliária da caixa econômica que nunca termina e você sempre se sente em dívida caso entre num ciclo repetitivo de ser o último jogador, mesmo já tendo pago 10x o valor do próprio imóvel em tempo de partida sem nunca tê-lo quitado!
Quando penso nesse problema, lembro de Tzolk’in, por exemplo, que resolve isso de duas formas. As engrenagens sempre giram e você, ainda que não tenha recursos para pagar naquele turno por efeitos de ações mais fortes (ex. construir um Monumento. Ou seria templo? Esqueci!), pode alocar trabalhadores em espaços de custo zero e esperar o tempo passar até que eles cheguem num ponto interessante para produzir bons recursos ou bons efeitos para construir o seu monumento. Você está pagando com o “tempo do trabalhador”, mas ainda assim é possível fazer a ação pois ela não depende do recurso que você não está conseguindo produzir. Tzolk’in põe também um sistema de reivindicar o primeiro jogador a partir da alocação de um trabalhador a custo zero, como você citou ser uma estratégia clássica, mas ele ainda dá os recursos da engrenagem maior, trazendo este jogador que estava preso no meio desse ciclo travado de pobreza de volta à competição. Há ainda a possibilidade de mendigar por milho que, ao meu ver, é extremamente punitiva.
Sempre que jogo alocações de trabalhadores, fico atento se o jogo não prejudica demais o último jogador, pondo-o numa areia movediça de dívidas, migalhas de ações fracas, últimas posições nas ordens de turno etc. Claro que há um quê de esforço que cada jogador tem que fazer para tentar não ser o último, mas às vezes esta areia movediça é também promovida pelo próprio design do jogo. A pior coisa é passar o jogo inteiro sem recurso, tendo só pão com água para pagar por uma ação que me dará mais um pão com água para o dia seguinte!
Aí quase totalidade dos jogos tentam quebrar essa possibilidade flexibilizando algum dos elementos desse tripé: ou deixam a ordem de turno muito desinteressante (Stone Age) ou aumentam exageradamente a quantidade de ações (deixando a alocação menos interativa; Banquete a Odin) ou flexibilizam a economia do jogo para que até os pobres últimos jogadores consigam realizar algumas boas ações (Beyond the Sun?).
Você citou Dungeon Petz como uma forma inovadora de resolver este problema e achei muito interessante lembrar dele, pois realmente ele fugiu dessa lógica padrão. Você poderia citar outros? Eu, de verdade, fico travado na criatividade e tenho dificuldades de pensar em coisas que não sejam esses “mais do mesmo”!
Falei muito para perguntar pouco, né? Estou ainda em estágio embrionário nesse mundo e posso ter falado coisas sem sentido, mas só de ter a coragem de compartilhar foi um grande passo! rsrsrs Estou realmente muito interessado em aprender. E juro que tentei ser o mais conciso possível! 😀
Abraços!!!
14 de maio de 2021
Eita Bruno, catatau de texto aí. hehehehehe Isso é um bom indicativo, botou a cabeça pra rodar.
É aquela sentido temático (sobre Dungeon Petz moeda + trabalhadores) pode ser inventado. A questão é o jogador se convencer dele. É feito o colega dos comentários que falou dos dados serem uma simulação da realidade na época das cavernas… Eu nunca chegaria a essa conclusão. No caso do Dungeon Petz, por exemplo, você pode pensar na desculpa que as moedas podem servir para subornar os funcionários e a quantidade de trabalhadores podem ser meramente um indicativo de que você “forçou” sua posição ali, por ter mais gente. Então o combo moedas + trabalhadores aumentam suas chances de conseguir o que quer.
Eu não acho interessante jogos que precisem de recursos para alocar, justamente pelo que você citou… Pode rolar de quem tá mal, ficar pior ainda. Não acho que seja um problema tão grande no Dungeon Petz, mas eu não gosto dele de modo geral. Inclusive, já tive e vendi hehehe mas achei a solução interessante e diferente.
Bom, indo pra tua pergunta… Vou dar alguns exemplos que não sei se é bem o que tu procura… No Raiders of the North Sea você aloca um trabalhador e desaloca outro para fazer duas ações. Ele perde várias das vantagens de interação do Worker Placement sendo do jeito que é, mas é diferente. Charterstone, se não me engano, não tem uma estrutura de fases/rodada mesmo, é só alocação rodando a mesa. Então, a ordem do turno não importa realmente depois do comecinho, já que é um fluxo constante, mas aí ele perde na disputa por espaços (ainda mais por permitir expulsão). Francis Drake faz um Worker Placement estilo Tokaido (uma linha do tempo que não dá pra voltar), então aqui é bem importante timing. A ordem do turno ainda é importante, mas dá para o último jogador dar uma avançada legal para pegar o que quer. Carson City coloca disputa pelos espaços por um combate, então você pode alocar onde já tem alguém e depois rola um tiroteio. Então, ser o primeiro não dá vantagem (tirando para uma ação lá do Xerife).
Uma outra opção é colocar uma Catch-up Mechanic na ordem do turno, isto é, o primeiro na próxima rodada vai ser o que estiver pior no jogo. Aí para isso você pode usar pontuação ou qualquer outro parâmetro. Acho que funcionaria legal, não lembro de um jogo específico que faça isso, mas deve ter. O problema é quando isso vira tão importante que o povo joga “ruim” de propósito, como é o caso de Power Grid (mas aí nem Worker Placement é).
PS: não conheço o Beyond the Sun.
Abraço!