Registro #14: Conto das Casas

A postagem de hoje será um tanto diferente. Não é sobre Game Design. Não é sobre algum protótipo, mas pelo menos é sobre um jogo. Mas não sobre o jogo em si. É um conto sobre Regicida. Minha ideia era apresentar as Casas do jogo e colocar seus lemas aqui, pois só divulguei pelo Instagram. Eu poderia escrever um ou dois parágrafos, botar umas figuras e encerrar o assunto, mas resolvi fazer diferente. Talvez não seja o lugar mais apropriado para colocar (Pinheiro Diário), mas é aquela… É meu blog, né mesmo? Se conseguir ler até o fim, deixa nos comentários suas críticas.

Uma vez por semana Alba Drave passava a noite com seu avô, Crassus Alric no Berço de Zanshir. Um estabelecimento, ou melhor, uma taverna quase dentro da Floresta dos Condenados. Praticamente um antro da criminalidade. Refúgio das maiores almas sebosas e desonradas deste reinado. Talvez não o lugar mais apropriado para se levar uma criança, mas Crassus tinha conquistado seu espaço naquele lugar. Na verdade, ainda sobrava um troco para comprar o pão e leite do dia seguinte.

Enquanto os dois comiam, eles ouviam as notícias do reinado declamadas pelo bardo da noite. Depois de todo o reporte, a menina olhou para o avô com desinteresse estampado em seu rosto e teceu um comentário um tanto ignorante sobre a falta de sentido daquilo tudo e que não fazia a menor ideia de qual Casa era qual.

“Nunca vou entender essa disputa ridícula que essas tais Casas fazem. Mãe sempre diz que preciso me interessar por isso, pois em algum momento vão precisar de mim… Mas eu tenho mais o que fazer, viu?”

O avô riu do despeite da neta. Mas em seguida logo tratou de dar um esporro.

“É vergonhoso você ser uma Drave e não saber a história das Casas de Arvynn.”

Ela bufou inconformada e respondeu de supetão:

“Suponho que seja uma história extremamente chata e irrelevante.”

O velho olhou para ela com calma, talvez essa fosse uma boa oportunidade para despertar o interesse da neta no assunto e, quem sabe, ela ter algum orgulho de pertencer a uma das seis Casas mais importantes do reinado.

“Temos a noite toda… Acho que você está cansada dos bardos, né? Vamos sentar no telhado e eu lhe conto toda a história. Acho que você vai gostar mais do que espera.”

Ela parou um momento, refletiu e simplesmente disse:

“Tá. Cansei dos bardos…”

Os dois levaram da mesa. O velho alisou a careca, talvez na tentativa de ativar seus neurônios. Fez umas rápidas contas de cabeça e deixou algumas moedas na mesa. Pegou a menina pelo braço e botou ela nos ombros. Crassus era velho, mas não era fraco.

Apesar do caminho ser curto até a saída da taverna, eles foram interrompidos algumas vezes por pessoas querendo conversar com Crassus. Ele despachou a maioria com acenos negativos com a cabeça, uma cara fechada e as vezes alguns tabefes. Quando finalmente estavam do lado de fora, a menina simplesmente pulou das costas do avô para o telhado e rapidamente subiu mais um andar pelos telhados meio e ficou com as pernas penduradas balançando no lugar mais alto do lugar.

A subida do velho foi mais complicada. Não que ele estivesse acabado demais para isso, mas era necessário um certo cuidado para andar pelo telhado sem abrir um buraco e cair dentro da taverna. Construção velha e homem pesado não é uma boa combinação. Apesar das dificuldades, nenhum desastre aconteceu e o velho sentou-se ao lado da neta.

“Demorou, hein?”, ela disse de imediato.

“Demorei uma porra… Agora vai mais pro lado, minha bunda não cabe só nesse pedacinho.”

A menina deu um risinho e afastou-se um pouco. O velho se acomodou melhor botou os braços para trás para apoiar o peso do corpo.

“Tudo começou sei lá quantos anos atrás. Quanto tudo isso aqui era mato…”

De onde eles estavam, era possível ver a floresta dos condenados quase toda, três castelos, algumas muralhas e uma ou outra vilazinha e, claro, a Tarrasque, cordilheira que cruzava todo o reinado do começo ao fim. Para evitar ter que erguer os braços, que estavam bem acomodados na posição atual, Crassus apenas mexeu a cabeça como se indicasse tudo ao redor deles e abriu a boca e balançou a língua para enfatizar que estava apontando para tudo ao redor. A menina pareceu entender, pois arregalou os olhos, talvez tentando entender como seria o lugar sem os castelos, cidades e estradas.

“Sabe quem morava aqui? Um povo tribal e só. Eles pintavam a cara e usavam peles de animais como roupa. Hoje em dia, os filhos dos filhos dos filhos desse pessoal, são da Casa Bearh. Claro que hoje em dia eles não usam mais pinturas e peles. Eles mudaram, para o bem ou para o mal.”

Casa Bearh
“Ver além da escuridão”

A menina parecia estar se interessando na história. Nunca que saberia que os Bearh se pintavam. Nem que eram os primeiros habitantes de Arvynn, que, pelo visto, nem era um reinado ainda.

“Parece que eles viviam em harmonia com a natureza. Cultuavam os animais. O Urso e A Águia eram os mais populares. Tudo mudou quando eles foram atacados por outras pessoas.”

Nesse momento, a menina ficou confusa de repente. Ergueu os braços em dúvida.

“Ué, mas não só viviam eles aqui?”

“Tu tá prestando atenção? Tu é da Casa Bearh por acaso?”

“Eita, os Drave atacaram os Bearh?!”

“Só existem os Drave aqui?”

Ela parou, refletiu e deitou-se no telhado sorrindo.

“Eita, que o negócio tá ficando bom.”

O velho deu uma risada e continuou: “Na Tarrasque tem várias grutas e entradas. São lá que moram os gigantes, mas não só eles… Pelo visto existiam homens e mulheres por lá também e ninguém sabia…”

Crassus deu um pequeno intervalo, coisa de dois segundos, só para atiçar a neta. Não se surpreendeu nem um pouco quando ela sentou-se no embalo. Sabendo da agonia da neta, o velho finalmente mexeu seu braço, que até então estava acomodado, para o lado da neta. O movimento foi rápido, mas suave. A menina esbarrou no braço, em vez de dar uma cambalhota que levaria ao térreo num instante. Não ia morrer, mas ele certamente não queria esse tipo de trabalho.

“Quem era?!”, perguntou Alba um pouco assustada por quase ter caído.

“Calma Alba, sem endoidar e morrer.”

“Desculpa, vô…”, disse ela em respeito.

“Deita aí…”

Alba deitou-se novamente, meio que esquecendo a história por um momento. Mas logo retornou para a história quando o avô voltou a falar.

“Eram os Na’Ghar! Eles não vivem nas cavernas mesmo, mas por alguma razão estavam lá. Pelo que eu soube, eles foram expulsos de suas antigas terras do outro lado da Tarrasque e tiveram que encontrar um caminho pelas cavernas até chegarem em Arvynn.”

Casa Na’Ghar
“Sem testemunhas”

Alba botou a mão direita com os dedos virados para si sobre os lábios e ficou alisando-os com as dobras dos dedos, como se pensando. Estava pensando nas várias possibilidades daquilo e como não fazia a menor ideia dessa história.

“Então, os Na’Ghar que apesar de não serem numerosos são implacáveis. Especialmente quando lhe pegam desprevenido. Eles conseguiram dominar os Bearh. Pior, escravizaram os coitados. Fizeram um império e tudo. Gerações e mais gerações de escravos e de imperadores.”

A menina estava estática. Entorpecida por descobrir tudo aquilo agora. Hoje em dia, não é incomum ver Bearhs e Na’Ghars andando no mesmo lugar. Aquilo devia ser no mínimo estranho, não?

“Cadê os Drave, vovô?”, interrompeu Alba.

“Vai demorar ainda. Quer ir dormir?”, perguntou.

“Não, tá cedo”, respondeu bocejando, como se as palavras do avô fossem mágicas.

“Tá bom. Então, mas isso não durou para sempre. Enquanto tudo isso acontecia em Arvynn. Algo diferente acontecia em Agalost.”

“Aga o que?”

“Agalost… É um lugar depois do Mar de Carkt. Hoje em dia não existe mais nada lá. Na verdade, até existe, mas só cinzas acho.”

“Cinzas?”

“Posso continuar a história ou você vai ficar perguntando a noite toda?”

“Ah vá…”

“Ah vá o que, mocinha?”

“O senhor fica enrolando aí…”

“Fica o que?!”, falou Crassus em tom sério, mas no fundo achando tudo aquilo divertido.

“Desculpa, vô… Continua, por favor”, disse Alba redimida.

Ele sorriu para a neta, e baixou sua cabeça devagar, pousando a sua testa sobre a dela. Ela sorriu de volta. Crassus voltou a sua posição preferida e continuou a história.

“Em Agalost existiam várias Casas. Várias mesmo. Na realidade, você vai perceber que tudo que Arvynn é hoje, é por conta de Agalost. Desde o progresso até as disputas por poder. Afinal, nada é só bom ou ruim. É um pouco de cada.”

Nesse momento o velho parou um pouco de falar. Por incrível que pareça, a menina não interrompeu, nem saiu do lugar. Parecia ter acostumado com o ritmo da história ou simplesmente apreciar o momento na companhia do avô.

“Entretanto, hoje em dia nós basicamente só falamos de três delas: Casa Avondale, Casa Gantis e Casa Halvern. Elas eram Casas aliadas em Agalost e graças a sua organização unificada se salvaram dos vulcões. Sim, em Agalost não tem apenas um vulcão. Tem quatro vulcões.”

Casa Avondale
“Orgulhosos na vitória”

“Quatro vulcões?!”, perguntou a menina espantada. Em Arvynn não tinha nenhum vulcão, ao menos não que ela soubesse…

“Sim. O suficiente para queimar toda Agalost. Sim, eles entraram em erupção um depois do outro. Tudo seria bem diferente, mas graças aos Gantis muitas pessoas se salvaram. Você já deve saber isso, mas os Gantis sempre foram interessados em navegações e eram a única Casa que tinham embarcações lá em Agalost. Por muitos anos foram considerados um pouco doidinhos, mas quem diria que salvariam tantas pessoas?”

Casa Gantis
“Voamos sem asas”

Depois desses detalhes contados pelo avô, a menina suspirava lentamente, como se pensando em algo muito bom.

“Gostou dessa parte, Alba?”

“Sim, me lembrei de Wis Gantis…”, suspirou novamente.

O velho riu alto, talvez até demais. Alba nem ligou e continuou deitada.

“Bom, os Gantis colocaram quem deu nos barcos e partiram. Dizem que chegaram em Arvynn por pura sorte e acaso. Por isso, quando alguém tem muita sorte, o pessoal fala que é ‘cagado como um Gantis’. A parte do cagado é por conta da disenteria que afetou alguns dos barcos.”

Alba deu um risinho e seu avô continuou:

“Então, as Casas de Agalost chegaram em Arvynn. Eles chegaram na Praia de Itam. Que quase ninguém vai, mas se você andar um bocado pro Sul chega em Morby. As Casas de Agalost deram sorte, pois isso deu tempo para se organizarem. Se tivessem chegado direto em Morby teriam sido recebidos com aço.”

A menina cutucou o avô com o dedo. Ele parou por um momento e ela disse:

“Os Na’Ghar estavam em Morby, é?”

“Sim, nessa época só tinham umas três grandes cidades e Morby era uma delas… Nem parece que é tão antiga, né?”

“É, eu gosto de lá”, sorriu lembrando-se como gostava de visitar alguns familiares na cidade.

“Bom, aí os Halvern, que são muito militarizados e tinham adquirido meio que o status de Casa mais poderosa lá em Agalost tomaram a frente nas decisões. Optaram por invadir Morby. Os Gantis, claro, foram contra, mas todos cederam. Afinal, estavam em um lugar completamente desconhecido. Todos estavam com medo do que poderia acontecer se não demonstrassem força.”

Casa Halvern
“Aos aliados, uma morte rápida”

“Foi assim que começou a Grande Guerra. Muitas vidas foram perdidas, mas em compensação os antepassados da Casa Bearh foram libertados. A Casa Halvern se tornou a primeira Casa Regente de Arvynn. Os Na’Ghar, foram enviados para as cavernas por alguns anos cumprindo exílio pelos seus crimes.”

A menina bocejou e fez uma cara feia, incomodada.

“Vô, cadê os Drave?”

“Tá chegando, Alba… Tá chegando”, disse o velho com um sorriso no rosto.

“Ia dizer um negócio, mas nem vou mais…”, riu brincalhona, pensando mas segurando a língua para reclamar da enrolação.

Crassus riu um pouco, sabendo do que se tratava, e retomou de onde parou:

“Os tempos foram passando e muitas Casas foram aparecendo e desaparecendo. Uma dela foram os Drave.”

Casa Drave
“Muralhas não protegem”

Nesse momento a menina levantou de novo de supetão e, novamente, seu avô usou o braço para evitar a queda de menina. Alba ergueu os braços e gritou: “Finalmente!”

O velho olhou para a neta e lhe deu um sorriso singelo: “Pois é. Acho que já deu, né?”

“Como assim você vai parar na melhor parte?”, protestou a criança cruzando os braços e fez seu melhor olhar intimidador pro avô.

“Já tá tarde, Alba… Próxima semana eu conto o resto”, e começou a se levantar com cuidado para não abrir um buraco no telhado.

“Enche meu saco para ouvir a história e na melhor parte para… Isso é safadeza, né não?”, reclamou meio em tom de brincadeira a criança enquanto também se levantava.

“Alba, safadeza é outra coisa… É uma outra história para alguns anos mais pra frente”, colocou a mão na cabeça da menina e bagunçou seus cabelos. Quando estava de pé em uma posição aparentemente segura, Crassus abriu a janela ao lado de onde estavam. Era seu quarto. “Bora, vamos entrando”, disse enquanto colocava a mão nas costas da menina para dar um empurrãozinho nela.

Alba acompanhou o braço do avô e pegou impulso para entrar pela janeira com um flecheiro. Seu avô seguiu logo atrás, sem flecheiro, apenas passando uma perna de cada vez com calma e se curvando para caber no espaço.

O quarto estava bem escuro, iluminado apenas pelo luar. Mas Crassus sabia onde estava tudo e caminhou pelo quarto guiando a menina até sua cama. Ela se acomodou rapidamente e cobriu-se com o lençol deixando apenas o rosto de fora. O avô alisou seu rosto e disse “Sonhe com Wis”. Ela respondeu apenas com um “Vou mesmo” e virou-se na cama para o lado da parede.

O velho afastou-se da cama para fechar a janela. Aproveitou para ajustar o machado da armadilha que decapitava invasores. Depois foi até o outro lado do quarto e pegou um grande capa de pele que tinha pendurado na parede. Caminhou novamente para perto da cama e colocou a capa no chão, bem ao lado da cama. Deitou-se de uma vez com um rolamento estranho, mas silencioso, para trás. Esticou-se estalando todos os pedaços do seu corpo, colocou as mãos sobre o peito e fechou os olhos. Era um jeito estranho de dormir, mas era assim que Crassus estava acostumado: deitar como um morto para enganar a morte. Tem funcionado.

4 Comments

  1. Philipp Totó
    25 de dezembro de 2020

    Mai rapai… Agora eu fiquei que nem Alba: parasse na melhor parte?! Sacanagem!
    Muito bom. Quem sabe numa segunda edição de Regicida num tenha um livreto com a história de Arvynn? Fiquei curioso pra saber até sobre Wis Gantis, que inclusive foi a casa que eu controlei quando ganhei na primeira partida. Será que era eu?!

    Responder
    1. Roberto
      25 de dezembro de 2020

      hehehehe que bom que gostou. ;D

      Bicho, eu acharia massa… Sonho distante hipotético: vender as 200 cópias, uma Editora pegar o jogo e publicar uma versão “maior” com um livretinho com ambientação, uma expansão incluída e uma caixa dura hehehe

      Responder
  2. Mad U
    20 de maio de 2022

    Que massa!!!! Mas isso não se faz, quero saber mais sobre a casa Drave!!!! :0

    Responder
    1. Roberto
      20 de maio de 2022

      Ihu! =)

      Oh no hueheuheheu

      Responder

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