Eu sempre evito escrever Lições sobre jogos que não sejam os meus, pois prefiro falar de minhas experiências e colocar os meus jogos na linha de fogo. Entretanto, depois de quase 5 meses sem uma Lição, eu resolvi que não dá para manter a coluna Aprendendo Errando apenas com Lições aprendidas com meus jogos. Afinal, quanto mais jogos eu crio, mais experiente eu fico e menos erros eu cometo. Claro que não é só isso o motivo, continuo errando demais, mas estou sem criar jogos tem um bom tempo. Essa é a principal razão da dificuldade em escrever novas Lições. Então, hoje a inspiração veio de um jogo que joguei e até mesmo em vários outros jogos também.
Talvez pelo título da Lição não fique muito claro o que quero dizer. Take That é uma mecânica um tanto datada e que sofre um certo preconceito entre os Board Gamers mais experientes. Eu, particularmente, não tiro a razão deles. Afinal, Take That é uma interação hostil e que propicia vários problemas: duração com muita variação, King Making, caos excessivo, vencer sem merecimento, brigas entre amigos, jogador saber que não tem chances bem antes da partida terminar, etc. Todos esses problemas são tidos como “naturais” da mecânica. Entretanto, depois de ter jogado alguns jogos com essa mecânica, eu tenho observado que é possível sim, criar um Take That que não tenha tantos desses problemas. Um Take That que seja mais palatável e que agrade mais pessoas. E o bizu é bem simples: você precisa evitar informação pública.
Informação pública é quando existe algo no jogo que é de conhecimento de todos presentes na mesa. Isto é, o descarte normalmente é público e todos os jogadores podem olhar. A mão de um jogador não é pública, o único que tem acesso à ela, geralmente, é o próprio jogador. Talvez você esteja se perguntando o motivo de evitar informação pública.
Bom, o motivo é simples: informação pública possibilita o jogador calcular as opções dele para tentar maximizar suas chances de vitória e diminuir a dos outros. Ué, mas isso não é bom? Não, isso é terrível em jogos Take That. É importante que um jogo focado em Take That seja curto, para que a frustração de ter algo destruído/roubado ser menor. Imagine um jogo com 3 horas de duração, que você passou umas 4 rodadas para construir um castelo, chega o oponente e derruba o castelo com uma carta de ação imediata sem chance de defesa. Triste, né? Então, é importante que jogos Take That sejam curtos e, mais importante ainda, não tenham a possibilidade de ficar se arrastando porque ninguém deixa ninguém vencer.
Informação pública vai gerar Analysis Paralysis em um jogo hipoteticamente rápido e simples. E não só isso. Dependendo de qual seja essa informação pública, o problema é muito mais grave. Vejamos o caso de Munchkin. Vence o jogador que chegar no nível 10 e a informação do nível é pública. O que ocorre? Eu acho que nunca vi o primeiro jogador a chegar no nível 9 vencer a partida, pois como ele está tão próximo da vitória, vira uma missão de todos da mesa evitar que ele vença. E assim nasceu o King Making, pois a partir do momento que você gasta seus recursos nesse jogador, você aumentou as chances do “segundo colocado” vencer. Geralmente, os recursos de todos os jogadores não se esgotam e o segundo a chegar no nível 9 também sofrerá. O jogo vai continuar assim até que ninguém consiga mais evitar que um determinado jogador vença. Logo, todo esse processo só fez atrasar o final da partida e a vitória provavelmente não foi nem merecida, foi definida aleatoriamente pelo acaso das cartas e dos jogadores. Não foi Munchkin que me inspirou a escrever essa Lição, mas ele é um clássico exemplo de Take That que coloca nas mãos dos jogadores uma informação muito importante.
Então, Roberto, você recomenda esconder todas as informações? Não. Essa Lição é justamente isso, para dizer que você deve esconder a informação da vitória. Afinal, um jogo Take That permite grandes viradas de jogo e tudo pode acontecer por conta da natureza da mecânica. Se você coloca a informação da vitória diante de todo mundo, o resultado da partida provavelmente será definido por algum jogador que sequer tinha chances de vencer. Vai acontecer aquele momento que chegou na vez do jogador que vai perder mesmo e ele reflete “e agora, quem eu vou deixar ganhar? Se eu atacar Fulano, Ciclano ganha e vice-versa”.
Existem várias maneiras de esconder o objetivo do jogo. Uma opção é colocar o objetivo em posse apenas do jogador. Por incrível que pareça, War é um bom exemplo disso. Apesar de não ser necessariamente um Take That, mas podemos extrair algo dele. Objetivos secretos evitam que os jogadores saibam de fato qual seu objetivo e ficam na dúvida do que devem fazer para evitar que você vença. Isso, por si só, adiciona uma camada ao jogo. Outra opção é colocar o objetivo do jogo escondido. Isto é, o jogador precisa reunir 3 cartas iguais para vencer. Sendo que as cartas ficam na mão dele, assim nenhum jogador sabe o quão próximo ou longe ele está da vitória. Nesse caso, você talvez ache problemático e diga que o jogador pode vencer por pura sorte de ninguém nunca tê-lo atacado. É verdade, mas foi culpa da mesa que deixou ele livre. Tendo em vista que talvez esconder tudo não seja uma boa prática, uma outra opção é deixar o objetivo parcialmente escondido. Como assim? Vence quem chegar no nível 10, mas nem todos os níveis ficam sobre a mesa. Alguns ficam na mão do jogador conquistados no decorrer da partida. Assim, você tem alguma informação, mas sempre fica a incerteza.
Resumindo: é possível criar um Take That mais moderno sim. As opções são vastas e recomendo que você reflita sobre elas para que seu jogo não seja mais do mesmo e chegue ao mundo parecendo um jogo velho. Evite esse problema de informação pública, é algo que já foi solucionado pelo design moderno e dá até uma vergonha ver em jogos recentes.
Para não deixar meus jogos completamente de fora, vou comentar sobre Mataru Okara e me dar um tapinha nas costas. Em Mataru Okara, o objetivo é ter três cartas de um mesmo tipo reveladas na sua frente. Cada jogador começa com uma carta de um dos tipos existentes na sua frente sobre a mesa, mas escondida. É possível revelar as cartas. Revelar é importante para vencer a partida e também libera as habilidades das cartas. Isto é, você pode ficar escondendo suas cartas, mas não irá se beneficiar dos poderes delas ou pode revelar elas, se tornar um alvo em potencial, mas ter habilidades poderosas. Então, o jogo possui o elemento da informação parcialmente escondida. O jogador pode jogar quase toda a partida escondido, mas como ele revela apenas duas cartas por turno, ele precisará algum dia ter uma das três relevadas para vencer apenas no próximo turno. Entretanto, ninguém tem certeza que ele está prestes a vencer, pois desconhecem suas cartas. E mesmo que tenham certeza, o jogador sempre tem uma chance de se defender dos ataques.
Por hoje é só. Espero que tenha sido útil.
15 de março de 2019
Grande Roberto, que artigo da hora cara, gostei da teoria da informação escondida, faz sentido.
Take That é uma das mecânicas que eu mais abomino, principalmente por conta de ter jogado Munchkin demais. Na verdade, considero a interação direta muito forte para a maioria dos circulos que frequento. Porém, ultimamente me dei ao “luxo” de provar dois jogos com Take That e aprovei o uso.
Starship Samurai: Aqui acho que é o caso contrário da informação publico, pois trilha de pontos e afinidade com 8 clans menores estão abertas. Isso faz com que as cartas que exijam alvo tenham um alvo claro para toda a mesa, ofendendo menos os jogadores (“okay, eu estava em primeiro”). O king making não acontece aqui por conta de ser um jogo extramemente curto (3 turnos) . Ele usa muita coisa “euro” e acaba enfiando os Take Thats bem temático sempre com opções (ou faz isso ou perde aquilo). Zero Jogadores ofendidos até agora.
Coimbra: alguns foruns falaram que havia Take That, joguei e senti ele bem singelo. Quem estiver mais alto na trilha Militar consegue usar alguns efeitos indiretos do tipo “todos que estão abaixo na trilha XYZ perdem 2 pontos ou descartam uma carta” (o lance de dar escolhas/defender)
Outro exemplo é Terraforming Mars, que apesar de ter que apontar um Jogador Alvo, é algo tão pequeno dentro da miriade de coisas que acontece numa partida que se torna quase irrelevante pra quem recebe o “dano”. E claro, quem jogou a carta com Take That teve que pagar pela compra dela e depois pra jogar, não foi tão de graça.
15 de março de 2019
Opa Cássio, obrigado pelo comentário.
Taí, eu achei o Take That do Terraforming Mars totalmente fora de lugar. É como se tivessem pegado um pedaço de outro jogo e anexado ao TMars… hehehehe
Não achei ruim por si só, mas totalmente deslocado e fora do escopo de um Euro. É um elemento tão pequeno que poderia ser removido sem causar dano e diminuindo a “estranheza” que eles causam no jogo.
30 de abril de 2019
Eu só quero agradecer a você Roberto e ao Cássio pela postagem e pelo comentário. A cada leitura, vou acumulando informações muito relevantes. Que, assim espero, eu consiga usar quando estiver apto a criar meus próprios jogos para uso em sala de aula.
30 de abril de 2019
Obrigado, Lair. Espero que chegue lá. =)
30 de abril de 2019
Lair, obrigado pelo elogio por tabela hehe