Chegamos a mais uma etapa de testes. Depois de forever alone e best friends forever, agora é o momento de enfrentar o desconhecido. Sinceramente, eu não tenho muita experiência nessa etapa de Playtests. Meus testes são quase todos realizados na Taverna, grupo de jogo aqui de Recife que frequento desde 2011. Então, é bem raro eu conseguir uma mesa para testar meu jogo com pessoas que não conheço. Em todo caso, farei meu melhor para apresentar um conteúdo relevante.
Como citei no Playtest com Amigos, muitos recomendam pular o teste com amigos e partir direto para o teste com desconhecidos. Infelizmente, essas dicas partem de game designers dos EUA que possuem muitos eventos de protótipos e desconhecem a nossa cultura. É fato: brasileiro gosta de agradar. Não estou chamando a gente de mentiroso, mas é raro uma pessoa que você não conhece testar seu jogo e criticar. Pelo menos comigo nunca aconteceu, em geral as pessoas oferecem vários elogios vagos: “gostei”, “achei bem legal”, “você que criou? que massa”. Além do mais, é raro jogadores darem um feedback mais crítico. Então, tenho algumas recomendações.
Primeiro, se for testar com desconhecidos, a melhor situação é testar com outros game designers. Game designers, em geral, costumam criticar mais, pois já jogam a partida pensando nos diversos aspectos de criação, do tema à mecânica. Não é incomum durante a partida um game designer que esteja testando seu jogo perguntar: “não existe nenhuma compensação para o último jogador?”, “por qual motivo você optou por realizar um leilão para adquirir essas cartas?” ou “você conhece tal jogo?”. Todas essas perguntas tem um propósito por trás. Mesmo que o feedback seja contido, você consegue extrair problemas do seu jogo com base nessas perguntas. Talvez seu jogo esteja desbalanceado, dando muita vantagem ao primeiro jogador; talvez o leilão esteja atrasando o jogo, ou simplesmente pareceu forçado naquele momento; ou talvez o tal jogo seja bem parecido com o seu e você iria se beneficiar em conhecê-lo, seja para evitar criar um jogo muito parecido ou para obter novas ideias. Então, se puder conseguir que game designers testem seu jogo, é sempre uma boa oportunidade.
Se não conseguir um game designer, extrair feedback pode ser mais complicado. Mas veja bem, esse é o usual. A tarefa de extrair informação útil dos jogadores depende de você (game designer do jogo testado), nunca é dos playtesters. Afinal, quem está criando o jogo? Você ou eles? Tendo isso em mente, às vezes tem uns jogadores experientes que não conseguem expressar bem seus pensamentos, pois não é todo mundo que fica pensando em mecânicas e soluções para jogos durante uma partida. Normalmente, as pessoas jogam apenas pelo fator diversão e social, pois nem todos são loucos como nós. Então, é importante perguntar especificamente o que se deseja saber, mas cuidado para não influenciar na resposta. Você acha que alguma construção do jogo está desbalanceada? Não pergunte: “tal construção está forte, não é?”. Pergunte: “o que você achou dessas construções?”. Você foi direto ao seu tópico de interesse, mas não entregou necessariamente sua opinião atual sobre algum aspecto do seu jogo. Inclusive, deixou aberta a possibilidade de críticas e sugestões com relação às demais construções. Pode aparecer algum aspecto que você sequer tinha pensado, mas agora pode ser uma boa oportunidade para melhorar o seu jogo.
Outro fator que tenho observado é o formulário de feedback. Muitas vezes me parece que o preenchimento foi aleatório. Alguns marcam tudo com a nota máxima, outros distribuem notas diferentes para não parecer muito bonzinho. Como você não sabe quem de fato reflete na avaliação, os formulários de feedback não são indicativos tão interessantes. Especialmente se tratando de desconhecidos. Sinceramente, não sei porque as pessoas preferem testar com pessoas que não conhecem, fica tudo mais difícil, pois extrair feedback requer leitura das pessoas, e é muito mais complicado entender o que se passa na cabeça de um desconhecido. Desculpem pelo desvio, vamos voltar ao assunto. Então, eu recomendo fortemente você perguntar no formulário aspectos globais, mas que permitam os jogadores escreverem. Eu sempre pergunto: “Qual sua parte preferida” e “Qual a pior parte”. A primeira pergunta normalmente é bem fácil de responder e muitas vezes é a mesma resposta entre os jogadores. Isso é um bom indicativo, pois você consegue saber a identidade do seu jogo e em qual aspecto investir mais, pois é importante realçar as partes boas. A segunda pergunta eu já acho pior, na realidade penso até em modificar. Já vi muitos formulários escritos “nenhuma”, pois como citei lá no começo: queremos agradar. Então, se você está fazendo seu formulário agora, não faça como eu… Utilize a pergunta “Se pudesse realizar uma modificação no jogo, qual seria?”. Você resolve dois problemas de uma vez só: encontra um aspecto negativo do seu jogo e abre espaço para sugestões de melhoria. Além disso, o modo como a pergunta é formulada não tem o impacto negativo da palavra “pior”. Então, é bem possível que a resposta seja mais espontânea e real.
Então, acredito que as dicas de hoje sejam válidas até para usar no Playtest com Amigos. Em suma: saiba como extrair informação dos playtesters. Se você conseguir uma maneira boa de realizar esse feito, nos avise… Alguns têm dificuldade e qualquer dica é válida. Atualmente, tenho achado que observar é uma das melhores alternativas e, logo depois, vem as perguntas focadas.
Para finalizar, gostaria pedir que você. Sim, você que está lendo. Colocasse suas dúvidas ou questionamentos relacionados a Playtest aqui nos comentários. Em breve eu fecharei o ciclo com a postagem de Blind Playtest. Então, gostaria de ampliar o conteúdo dessa coluna com um material relevante para você.
28 de abril de 2017
Grande Pinheiro, mais uma contribuição valiosa da sua parte.
Achei muito interessante a parte dos formulários. No concurso da Papaya Games havia um formulário para cada jogo, tal formulário tinha 3 ou 4 atributos com nota 1-10 e um ultimo campo com preenchimento “Comentários”. Várias vezes me sentia estranho dando notas, mas gostei muito de contribuir na parte de comentários. No entanto, se eles viessem naquele formato que vocÊ falou tipo “Se pudesse mudar algo…. ” ou “Qual o melhor momento?” teria sido mais objetivo da minha para eu preencher do que apenas um campo “Comentários”.
28 de abril de 2017
Opa Cássio,
Obrigado pela leitura assídua, elogios e expor seus pensamentos. =)
Concordo com você em todos os pontos.
Nota, apesar de ser um número é bem subjetivo quando não existe um “gabarito”. Quando não há resposta correta, eu comparo com outras experiências para atribuir uma nota. Então, se eu fosse dar notas no concurso, eu provavelmente daria 10 para o melhor jogo naquela categoria e ia baixando a nota nos demais conforme a “distância” entre eles. Outra pessoa pode adotar uma metodologia completamente diferente e isso dificulta na hora de unir todos esses feedbacks para encontrar informação relevante.
Já um campo comentários, é realmente muito vago. Eu acho melhor do que as notas, mas ainda assim é complicado. Direcionar é sempre melhor.
Abraço.
29 de abril de 2017
Fala, grande Roberto!
Então…não tenho qualquer experiência em eventos específicos para teste de jogos -apesar de o RJ ter alguns bem tradicionais… Em breve, pretendo mudar isso, sendo partícipe. Mas envergando pretensiosamente o crachá de desenvolvedor de alguns jogos, já tenho uma idéia inicial de como avaliar. Até porquê quero opiniões sinceras e o mais técnicas possíveis quando -daqui uns dez anos- colocar meus jogos na berlinda… Rsrsrs…
Excelente artigo -mais um. Grande abraço!
29 de abril de 2017
Fala Flávio,
Não se acanhe, leve os jogos pros eventos, pelo menos você pega um feeling de como tudo funciona. Uma sessão de Playtest com outras pessoas pode valer uns cinco Playtests solo. 😉
Valeu.