Lição #2: Evite simulações

Continuamos hoje com mais uma lição aprendida com Rogue’s Quest. Caso não tenha lido a postagem anterior (Lição #1), recomendo a leitura para entender o contexto da situação.

Eu chamo de jogos de simulação aqueles que tentam emular, com a maior verossimilhança possível, os aspectos de uma atividade. Vamos para o caso do Rogue’s Quest. O jogador controla o ladino, o que o ladino pode fazer? Abrir fechaduras, esconder-se, mover-se em silêncio, atacar os guardas, e mais uma série de outras ações. Quando ele assassinar um guarda, o corpo deste ficará no chão e isso poderá alertar outros guardas. Deste modo, é necessário arrastar o corpo e escondê-lo. Se você for abrir uma fechadura, talvez você faça barulho demais e isso alerte os guardas na sala vizinha. Se você tentar esconder-se, talvez não existam esconderijos bons e isso facilite alguém lhe ver. Existem várias ações e consequências possíveis caso você queira desbravar esse universo de uma simulação. O sistema ficará gigante, difícil de controlar e burocrático. Mas mesmo assim, foi isso que eu fiz com Rogue’s Quest, eu queria transmitir a maior quantidade de “coisas legais” que aconteciam ao agir como um ladino.

Eu tentei inserir tantas coisas por conta da minha mentalidade e experiência com RPG. Sendo que RPG é bem diferente de jogo de tabuleiro. No RPG, tudo pode estar na cabeça dos jogadores e do mestre, é fácil criar situações novas, desfazer elas e manter registro do que está acontecendo apenas na sua imaginação ou com alguns rabiscos. A capacidade de criar regras sob demanda e fazer a história fluir sem tanta interferência das regras faz com que seja possível o RPG ser uma simulação. Isso não pode acontecer com jogos de tabuleiro. Um jogo de tabuleiro, em sua essência, é o sistema que ele possui, se você deixar esse sistema livre das amarras das regras você terá um jogo quebrado.

Uma das onze ações disponíveis em Rogue’s Quest. Percebam o tanto de casos, condições e exceções possíveis para uma “rápida olhada pela porta”. Não façam isso.

O processo de criar um jogo de tabuleiro focado em simulações gera um sistema com muitas regras e com inúmeras exceções. Exceções sempre são ruins para um jogo de tabuleiro, pois dificultam a compreensão do sistema e a jogabilidade perde a fluidez, pois existe um gargalo em cada ação. Assim, de modo geral, simulações geram sistemas complexos demais para serem modelados de um modo funcional e divertido. Acredito que essa seja a palavra-chave na criação de jogos: diversão. Você pode conseguir passar toda a experiência de ser um ladino, mas se a quantidade de trabalho necessário para ser um ladino no jogo for demais, a diversão se perde.

Jogos de tabuleiro são, essencialmente, abstrações. Quando você está fazendo um prédio, você não está de fato contratando o engenheiro, fazendo um projeto, comprando material e realizando cálculos complicados… Você, provavelmente, estará colocando um cubo em um quadrado gastando alguns recursos de concreto. Apesar da abstração não parecer tão empolgante quanto a simulação, de modo geral, o sistema de uma abstração é mais divertido que um sistema de uma simulação. Afinal, se for uma simulação, você estará literalmente trabalhando sem ganhar dinheiro, talvez victory points.

Existe uma linha tênue entre evitar simulações e criar algo abstrato demais. O ideal, para que um jogo consiga atingir uma maior parte do público, é que o jogo esteja no meio do caminho: não seja uma simulação nem uma abstração. É interessante que o jogo tenha mecânicas que funcionem de um modo que o tema faça sentido e tenha propósito. Assim, o tema serve de apoio para a compreensão das mecânicas, e as mecânicas usufruem do tema para criar uma imersão.

4 Comments

  1. Emerson
    10 de fevereiro de 2017

    Lacerda chega bem perto dessa simulação. =P .

    As batalhas em Merchants and marauders tbm. Tem tanta regra que alguns jogadores preferem nem batalhar

    Essa lista é de exceções de 1 das 11 ações? O.O

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    1. Roberto
      10 de fevereiro de 2017

      Essa lista é o “fluxo” de uma das ações de Rogue’s Quest. E existem 11 ações disponíveis, claro que nem todas são monstras assim… =P

      Responder
  2. Daniel A. Freire
    19 de agosto de 2020

    Realmente, as vezes é a empolgação que é grande demais. Importante reforçar a simplicidade, embora a complexidade não seja um vilão ela não é muito atraente.

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    1. Roberto
      19 de agosto de 2020

      É, depende muito também da proposta do jogo… Mas eu não recomendo ninguém a começar com um pesadão. Vai sofrer bastante pra conseguir finalizar e, ainda assim, a chance de ter ficado ruim é grande. hehehehe

      Responder

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