Aos pouquinhos tenho retomado os Playtests e atividades de Game Design de modo geral. Comprei até um caderno para anotar tudinho e manter um registro da progressão que ocorre em cada jogo. Então, tendo em vista essa empolgação, resolvi meio que ressuscitar a coluna Testando Jogando. De vez em quando há uma ou outra postagem por aqui, mas é meio solto. Dessa vez quero tentar fazer uma série.
Muito tempo atrás ouvindo podcasts e lendo sobre Game Design, mais especificamente quando o tópico era Playtest, sempre via os gringos falando: “You must playtest with a purpose”, isto é, é necessário que você teste com algum propósito. É uma frase que faz muito sentido, pois você perde muito tempo testando na doida. Sem um foco ou objetivo específico. Pior ainda, não só você perde tempo, mas você também tá perdendo o tempo de outras pessoas. Como tempo é um recurso finito, é uma decisão bem ruim essa. Ademais, os grupos vão se cansando. Especialmente se você aparece para testar repetidas vezes um jogo e a progressão foi mínima entre as sessões. Termina que, eventualmente, você vai perde esses Playtesters. Então, minha ideia é tentar render conteúdo aí com propósitos que você pode usar em seus Playtests, começar com um que usei recentemente: Quantidade de Jogadores.
Esse propósito tem dois limiares que você deve avaliar. Primeiro limiar é se o jogo funciona ou não com determinada quantidade de jogadores. Caso funcione, você parte para o segundo limiar, isto é, se o jogo funciona bem ou não com aquela quantidade de jogadores. Afinal, funcionar e funcionar bem são coisas distintas. Por exemplo, Regicida é um jogo de 1-6 jogadores. Com 1 jogador é um jogo completamente diferente de 2-6 jogadores. Portanto, vários testes foram realizados com essa variante de apenas 1 jogador e foi visto que várias delas funcionavam, mas nem todas eram boas. Já com as demais contagem de jogadores, eu não imaginei que funcionaria com 2 jogadores. Me enganei. Obviamente não é a melhor configuração do jogo, mas funciona. E, na minha opinião, até que relativamente bem. Especialmente, quando eu achei que o jogo sequer iria funcionar. Já para as demais contagens, o jogo funcionou para todas, mas não funcionou muito bem com 3 jogadores. Com isso, foram realizados ajustes, melhorando a experiência com 3 jogadores. Então, depois de vários Playtests com o propósito de avaliar esse parâmetro (quantidade de jogadores) foi se moldando o jogo para atingir a qualidade atual.
Mas como foram feitos esses Playtests? Simplesmente juntei aquela quantidade de jogadores e rodei a partida? Essencialmente, sim. Claro que juntar a quantidade específica de jogadores é bem difícil, sendo assim, é comum você ter um propósito específico para o Playtest e não conseguir executá-lo. Claro que nada impediria de você deixar jogadores de fora, caso estivesse pecando por excesso. Entretanto, acho bem injusto você fazer isso, além de ser meio sem noção. Pessoal se disponibilizou para testar e você vai deixar alguns de fora? Não existe isso.
Como eu procedo especificamente quanto tenho esse propósito de Playtest em mente? Eu testo as extremidades das quantidade de jogadores. Isto é, jogo é de 2-6? Tento testar com 2 e com 6. Afinal, se for existir algum problema ele será exacerbado pela quantidade extrema de jogadores. Imagine que seu jogo tem um problema de Downtime? Isto é, demora muito pro turno dar a volta na mesa. Se seu jogo for de 2-6 jogadores, com 6 jogadores se esse problema existir ele vai estar bem presente na mesa. Algo que você talvez não observasse em uma mesa com 4 jogadores. Seu jogo tem problema de ser caótico demais e ter uma altíssima interação? Se isso acontece com 2 jogadores, claramente é um problema. Se acontece com 6, não parece ser um problema, mas requer maior investigação. Isto é, em casos de suspeitas, você baixar a quantidade de jogadores aos poucos para verificar a persistência do problema e se sua hipótese é real ou não. Claro que isso requer repetição dos testes, em especial com mesas distintas, mas mesas iguais ainda tem seu valor e pode até ser mais relevante dependendo do problema em específico. Isto é, se o Downtime é grande e não diminui na mesma mesa é um defeito bem claro do jogo, pois o esperado é que quanto mais experiente a mesa, menor a duração da partida e, por consequência, menor o Downtime.
Com Regicida temos uma votação bem importante ao final da partida. A priori a regra é que o jogador só é eliminado com dois votos. Isso em uma mesa de 3 jogadores são todos os votantes (os jogadores votam nos oponentes). Talvez isso fosse um problema e, após realizar alguns testes, foi visto que realmente era. Deixava os jogadores meio que reféns da mesa e da dedução existente entre seus oponentes. A estratégia de ser o primeiro era muito mais forte em uma mesa com 3 jogadores. Visando mitigar isso, reduzir para apenas um voto. Achei que não ia funcionar e ficaria muito fácil, mas não fica tanto assim. Ainda é possível vencer sem ser eliminado. Como foi visto isso? Testando repetidas vezes com 3 jogadores a nova configuração. Problema resolvido ao testar uma configuração específica do jogo.
Distrito 6 é um jogo para 2-4 jogadores. Ele funciona melhor com 4 jogadores, pois os espaços no distrito são fixos. Entretanto, funciona bem para 2-3 jogadores. Claro que, com 2 jogadores foi visto que ficava muito livre e pouco disputado os espaços. Afinal, você está operando com 50%. Com 3 jogadores esse problema não é tão grande. Por isso, Distrito 6 possui alguns ajustes nas regras para 2 jogadores, mas não com 3 jogadores. Como foi feito isso? Testando todas as configurações, mas primeiramente vendo com 2 e 4 jogadores, depois partindo para 3 jogadores.
Dando um exemplo mais recente, Alters foi testado com esse propósito recentemente. O jogo varia de 3-8 jogadores, uma variação muito grande. Realizei um Playtest sem propósito (ops, na verdade tinha, mas deixo essa conversa pro futuro) e vi que com 5 jogadores estava ficando muito fácil. E, sem desafio, o jogo não faz os jogadores entrarem na diversão e ficam entediados. Resolvi fazer uma modificação bem simples para dificultar. E então, fiz realmente um Playtest com o propósito que estamos discutindo. A partida tinha 4 jogadores, não era o ideal mas já era menos do que 5 jogadores e poderia extrair informações. A alteração funcionou. Devido a natureza do ajuste, imaginei que também funcionaria com 3 jogadores, mas não descartei um futuro Playtest para verificar exatamente isso. Entretanto, achei mais importante ver primeiro com muitas pessoas. Novamente, não consegui o número total, mas consegui uma mesa com 7 jogadores. Os problemas foram bem diferentes do que com poucos jogadores: houve uma demora e confusão na contagem de pontos. Estou com um ajuste em mente que ainda não testei, mas imagino que irá funcionar (o futuro dirá). E aí, consegui novamente testar com poucos. Vantagem é que agora foi o número mínimo (3 jogadores) e minha teoria de fato se concretizou: o ajuste serviu como uma luva para a quantidade mínima. O que isso me trás agora? Posso focar em testar outros aspectos do jogo e somente verificar algo com relação a quantidade de jogadores apenas ao final do desenvolvimento. Ou, uma maneira mais inteligente, é simplesmente checar isso meio que no plano de fundo. Isto é, o propósito dos testes serão outros, mas terá uma parte de mim que estará sempre observando o retorno ou surgimento de novos problemas com mesas com poucos ou muitos jogadores.
Pronto, esse foi nosso primeiro Propósito de Playtest. Veremos outros no decorrer das postagens e, claro, para otimizar seus Playtests, nada impede de ter múltiplos propósitos. Então, em uma única sessão você poderá verificar vários aspectos relevantes e progredir muito com seu jogo. Testar com um propósito em comparação com simplesmente testar vai lhe economizar muito tempo e vai lhe trazer muito retorno por cada Playtest. Espero que tenham gostado desse conteúdo e usufruam também dos próximos. Até lá.