Depois da mecânica anterior, resolvi seguir mais uma sobre pontos de vitória e cá estamos nós. Também é uma mecânica facilmente implementável e, quem sabe, possamos chamá-la também de mecânica acessória. O nome já diz tudo, os pontos de vitória são escondidos agora. Uau. Pode parecer algo bobo, mas temos umas discussões boas sobre isso.
Vendo os jogos de hoje em dia, é difícil acreditar que Victory Points são algo recente. Antigamente, a maioria dos jogos eram vencidos eliminando os jogadores ou cumprindo algo antes de todos. A ideia de pontos de vitória eu não saberia dizer quando surgiu, mas reza a lenda que a clássica trilha de pontos foi introduzida por Wolfgang Kramer em Heimlich & Co. (1984), um jogo que nunca joguei, mas que tenho interesse. E temos visto essa trilha em inúmeros jogos, até em grandes clássicos como Ticket to Ride (2004) e Carcassonne (2000), este segundo tem um tabuleiro apenas para marcar os pontos. Sendo que hoje nós vamos falar de algo oposto, no caso a mecânica Hidden Victory Points é como o próprio nome diz: os pontos são escondidos. Logo, é bem óbvio que não irá existir uma trilha de pontos tal qual os jogos que acabei de citar.
O jogo mais antigo listado no BGG é um tal de Flying Fortress (1969), mas na verdade a mecânica nem está no jogo. Lá são condições de vitórias escondidas. Isso para mim isso seria Hidden Objective e está presente no próprio War aqui no Brasil. Entretanto, essa mecânica não “existe”, isto é, não está listada no BGG. Em todo caso, não acho adequado botar Hidden Victory Points, pois a dinâmica é completamente distinta entre ter pontos escondidos e objetivos escondidos. Objetivos escondidos é muito mais próximo de Hidden Roles, já que é algo que os jogadores podem ir tentando adivinhar os do oponente durante a partida para evitar que eles cumpram. Então, vamos dar um salto no tempo para o primeiro jogo que conheço com a mecânica listada: Through the Desert (1998) do Reiner Knizia. Nesse jogo sim, temos a implementação clássica da mecânica. Durante a partida, o jogador coleta tokens com pontuações e vai mantendo-as escondidas. Então, os jogadores sabem o que foi adquirido, mas depois de um tempo se quiserem saber precisarão memorizar. O que, costumeiramente, as pessoas não fazem.
Essa mecânica é usada até hoje, então não é algo datado nem nada. Inclusive, serve como solução para vários jogos que teriam problemas ao revelar seus pontos. Já que comecei a falar disso, vejamos quais as vantagens em esconder os pontos…
- Incerteza: a incerteza pode ser odiada por pessoal que adora informação aberta, mas a incerteza evita uma série de problemas. Por incrível que pareça, até Analysis Paralysis é afetado, pois a análise é gerada pelo excesso de informação, quanto menos informação você tiver, menos poderá calcular e, por consequência, menos tempo vai precisar para decidir sua jogada. Tudo bem que os pontos dos outros jogadores só iriam lhe ajudar a definir quem atacar ou interferir, mas ainda assim é alguma influência.
- Reduz Bash the Leader: botei reduzir, mas em algum caso pode até eliminar. Em jogo com muitas possibilidades de interação, esconder os pontos pode ser uma opção válida para evitar que quem está na frente seja massacrado. Afinal, se os jogadores não sabem os pontos de ninguém, resta eles estimarem quem está na frente. Em jogos assim, a interação negativa termina sendo mais justa que em jogos com pontuação aberta.
- Engajamento: uma vez que os jogadores não sabem o quão bem ou mal estão com relação aos demais jogadores, facilita a vontade de um perdedor “certo” continuar jogando com vontade. Talvez seja até um pouco cruel, mas nem é. É só uma maneira de iludir o jogador à permanecer feliz até o final do jogo, quando a realidade lhe dará uma surra.
Resumindo, as vantagens obtidas pela mecânica é pela surpresa envolvida. Lógico que isso acarreta em desvantagens pela mesma razão. Resta você saber qual seu tipo de jogo e quais emoções e possibilidades você quer transmitir ao jogador. Então, se eu fosse dizer pontos negativos, eu diria que Hidden Victory Points pode ser…
- Incerteza: bom, como falei, pode ser desvantagem. Um jogo no qual pode existir Runaway Leader se este não for impedido pelos demais jogadores, pode ser bom você mostrar como está a situação. Tudo bem que os jogadores só iam ver no final a surra que tomaram, mas terminar uma partida com o primeiro jogador tendo o triplo de pontos que o segundo lugar vai deixar um gosto amargo na boca.
- Falta de noção: a completa falta de noção não é interessante. Então é bom ter alguma parcimônia. Por exemplo, se no seu jogo nenhum dos pontos obtidos são mostrados, não dá nem para ter uma estimativa ou noção de como os jogadores estão se saindo. Essa completa falta de noção atrapalha na interação e até mesmo na sensação de progresso. O jogador pode ficar pensando no meio da partida “eita, fiz 10 pontos, mas isso é bom ou ruim?”.
- Final anticlimático: em algumas partidas é bem interessante descobrir o vitorioso ao contar os pontos. Em outras é bem frustrante, pois nada saiu como o esperado. É muito chato um jogador que achava que ia tomar uma surra vencer, enquanto que um que achava que iria ganhar de lavada perder por muitos pontos. Isso não é necessariamente culpa da mecânica, é mais uma culpa de balanceamento e casar corretamente a vitória com o “jogar bem”. Isto é, seu jogo precisa dar a vitória para quem jogou bem (fez jogadas espertas, ativou combos, etcs). Em todo caso, se os pontos fossem mantidos abertos, os jogadores poderiam ir vendo que aquilo que está fazendo não está funcionando e se adequar de acordo, em vez de só perceber no final que jogou uma partida indo totalmente na contra mão.
Então, no final das contas, eu acho que a mecânica isoladamente só proporciona coisas boas. Entretanto, dependendo do jogo pode simplesmente não descer legal. Vejamos alguns casos.
Vou começar dando um contra exemplo histórico da mecânica, isto é, um jogo que tinha pontos abertos e depois foi ajustado para serem escondidos. Small World (2009) é uma reimplementarão de um jogo chamado Vinci (1999) . Ambos são jogos de controle de área com bastante combate. Basicamente, no seu turno você usa sua facção para atacar e vai invadindo territórios e depois contabiliza seus pontos com base na quantidade de territórios que possui. Tudo isso é feito com informação perfeita em mãos, inclusive os combates são determinísticos. Vinci, então, é um jogo para você calcular e realmente fazer um minmax durante a partida, até mesmo na escolha de quais jogadores invadir o território, pois você sabe quanto cada jogador tem e pode otimizar isso rumo à vitória. O problema é Vinci não é um jogo realmente pesado ou complexo para te deixar tanto tempo fazendo conta de padaria. Vinte anos depois, a reimplementação fez algumas mudanças visando dar uma cara mais leve ao jogo. Além da inserção de dados para um último ataque (o que bota alguma incerteza no turno), os pontos foram escondidos. Resultado, apesar de você ter uma noção, pois vê o quanto o jogador ganha toda rodada. Você não tem a informação exata. Isso evita o excesso de cálculos durante seu turno, deixando o jogo mais fluído e leve. Veja bem, Small World continua sendo um jogo relativamente fraco, mas essas mudanças deixaram a quantidade de Analysis Paralysis no jogo mais proporcional ao peso do jogo. Então, apesar dos pesares, essas foram mudanças inteligentes no design original do jogo.
Acho que esse exemplo ilustra bem que alguns jogos podem se beneficiar da mecânica. Entretanto, alguns outros eu não gosto tanto. Concordia (2013) não é exatamente Hidden Victory Points, mas termina meio que sendo. Deixe-me explicar. No jogo, os jogadores possuem um baralho de cartas de ação e vai incrementando este no decorrer da partida. A ideia toda é bem interessante, sendo que essas cartas de ação também irão definir sua pontuação ao final da partida. Sendo assim, os jogadores veem o que você compra, veem quando usa as cartas e dá para tentar entender seu potencial de pontos fazendo a combinação cartas x presença no tabuleiro. O problema é que não dá pra entender realmente seu potencial de pontos. É um jogo que o negócio funciona de uma maneira tão estranha, que é recomendado na primeira partida você fazer uma pontuação no meio do jogo (que não vale de nada) só para você ver como ela funciona e saber como você está no jogo. Eu gostei de tudo no jogo, mas isso é terrível e me fez vendê-lo. Você joga a partida sem ter a menor noção se tá ganhando ou perdendo por muito ou por pouco. E aí, esses pontos “escondidos” funcionam em detrimento da partida, pois você passa boa parte dela tentando otimizar isso em conjunto com suas ações, mas sem ter uma boa ideia se o que está sendo feito realmente está lhe rendendo algo. É como se faltasse um Feedback do jogo para lhe dizer “está tudo bem” ou “está tudo mal, muda isso”. Você só descobre no fim que tudo que você fez não fez o menor sentido ou se funcionou meio que na cagada. Sei que muitos adoram Concordia, e ele realmente é um jogo muito bem feito… Tirando essa parte crucial do jogo: o como vencer. Eu acho que seria um jogo que se beneficiaria de pontuações durante a partida e uma (não tão enorme quanto a atual) no final da partida.
Bom, vamos a um case de sucesso? Tigris & Euphrates (1997) é um jogo de combate e controle de área do Reiner Knizia. Os pontos aqui são cubinhos coloridos adquiridos durante a partida ao realizar combates diversos no jogo. A cor dos cubos é totalmente relevante, pois sua pontuação final será a cor de cubo que você tiver menos. Isto é, você precisa investir em todos os cubos um pouco para sua pontuação poder crescer. Basicamente é uma implementação do conceito do H-Index, algo que apenas um cientista iria pensar. O mais legal é que Reiner Knizia ficou famoso por esse sistema de pontos, usa em vários de seus jogos e as pessoas acham uma sacada genial. E realmente é. Os pontos serem escondidos funciona perfeitamente, pois ninguém da mesa sabe realmente qual cubo você está em falta e precisando e isso poupa tentar otimizar tudo. Resta, então, você otimizar o seu e tentar negar o oponente do que você acha que falta a ele.
Alguns outros exemplos são Euro Games mais pesados e com alguma dose de interação. Isso serve para evitar o jogador usar a velha desculpa “mas ele está na frente” dando mais margem para decisões táticas e estratégicas. Existem excelentes jogos nessa linha: Troyes (2010), La Granja (2014) e Puerto Rico (2002). O único problema aqui é que eventualmente você precisa trocar suas fichas de pontos para uma maior, pois começam a faltar fichas de valores pequenos. É um pouco enfadonho e chato, mas vale a pena pelos benefício da surpresa final. Aqui a surpresa funciona, pois a pontuação costuma ser próxima e quando não é, fica bem óbvio que aquele jogador realmente conseguiu fazer mais e fazer melhor.
Essa parte de como implementar não tem muito mistério, né mesmo? É só esconder, ué. Claro que você pode usar da oportunidade para inserir alguns elementos interessantes de pontuação no seu jogo. Só cuidado para o tiro não sair pela culatra e deixar os jogadores perdidos demais. Uma boa opção é fazer misto, parte escondida e parte revelada. Isso deixa os jogadores um pouco a par do que acontece, mas não totalmente. Como descobrir qual funciona melhor? Testando.
Veja como seria fácil testar essa mecânica. Você monta um baralho meio que de dinheiro, com notas de 1, 5 e 10. Um bem grande e com muitas notas. Pronto. Em todo jogo seu que possuir pontos de vitória, é só usá-las durante apenas um único teste, ignorando a marcação aberto que existia. Você vai perceber de imediato com essa única partida se a mudança melhorou ou piorou o jogo. Simples, prático e fácil.