Resposta #10: Rejogabilidade

Vou tentar quebrar um pouco a rotina das postagens que tá dando uma canseira só Engrenando e Desafio x3. Então, fui dar uma olhada aqui nas possibilidades que tinha anotado e um dos temas era rejogabilidade. Eu me lembrei que tinha algo a ver com o questionamento de um leitor. Na época, eu até respondi a pergunta dele com um comentário mesmo, mas acho que dá para elaborar mais e discutir um pouco sobre a tal da rejogabilidade.

Antes de mostrar o comentário em questão, talvez você esteja se perguntando o que é rejogabilidade. No Glossário tem, mas para evitar a sua fadiga, vou dar uma explicação aqui mesmo. É uma característica do jogo em si, isto é, alguns tem alta rejogabilidade outros baixa. Não é algo necessariamente ruim ou bom, mas a maioria das pessoas preferem um jogo com alta rejogabilidade. A razão é bem simples: rejogabilidade é a capacidade do jogo se manter interessante após várias partidas. Então, é desejável que você compre um jogo e não canse dele depois de 2 partidas, né? Bom, ao menos eu acho.

Entretanto, rejogabilidade é um negócio bem subjetivo. Afinal, um jogo pode trabalhar ativamente para ter isso e não servir para alguém. Enquanto que algum outro jogo que sequer foi pensado para ser assim, é tem uma alta rejogabilidade para alguém. Xadrez pode ser um excelente exemplo disso. Tem pessoas que jogam ele a vida toda e tem pessoas que não aguentam jogar o suficiente para aprendê-lo bem. Perceba que Xadrez não teve nenhum foco especifico em ter uma alta rejogabilidade. Quando digo isso, quero dizer que toda partida do Xadrez é “igual”: as peças são as mesmas e começam no mesmo lugar do tabuleiro. A diferença de uma partida de Xadrez para a outra será a interação entre os jogadores, isto é, o que eu faço que irá influenciar no que meu oponente faz e ficar nesse vai-e-vem de decisões. Então, o Xadrez tem rejogabilidade pela interação e pela quantidade de possibilidades de jogada que o jogo oferece. E é aqui que entra o questionamento do leitor Hudson Moraes:

Você parece ser um game designer bastante dedicado, um analista criterioso, e um jogador exigente. Então gostaria de saber sua opinião sobre essa minha afirmação escandalosa, que chamei de lei de Hudson: “Se um jogo precisa de rejogabilidade, é porque é um jogo ruim! Jogo bom de verdade não precisa ficar mudando as regras a cada partida.” O que você acha disso?

O primeiro problema foi o termo rejogabilidade sendo usado como algo negativo, pois na visão do leitor rejogabilidade não é o que citei. Ele está falando de jogos com Setup variável, isto é, jogos que mudam algo de partida em partida para tentar dar mais tempo de vida ao jogo (aumentar a rejogabilidade). Entretanto, entendo o que ele quis dizer e concordo até certo ponto.

É possível sim, ter jogos como Xadrez (que eu particularmente não gosto, pois não me diverte) que são clássicos e podem ser jogados durante toda uma vida por alguém. Sendo que isso não é um demérito para jogos que possuem variações para aumentar a rejogabilidade. Nenhuma das opções é fácil de fazer, mas fica bem óbvio que é muito mais fácil criar um jogo com variações (e torcer para que isso sirva de rejogabilidade) do que criar um jogo que seja rejogável pela sua simples capacidade de ser interessante toda partida. Não se se já existe esse termo, se não vou cunhá-lo hoje: fake replayability. Então, para mim, o problema não está nessa variedade a cada partida, mas sim quando ela é inútil e está ali apenas para enrolação. Nesses jogos, não importa quantas mudanças você faça a cada partida, o feeling e as decisões do jogo são similares. Então, no final das contas, todas essas variações servem apenas para gerar uma falsa sensação de rejogabilidade. Nesse caso, concordo com o Hudson… E vou dar dois exemplos de jogos que usam a mesma coisa, mas que para mim são diferentes na rejogabilidade.

Isle of Skye (2015) e Cartógrafos (2019). Qual a ideia aqui? Toda partida (em ambos os jogos) você sorteia 4 objetivos e posiciona eles numa ordem. A ordem importa, pois será a ordem que as pontuações irão ocorrer. Para completar a quantidade de combinações, você sempre pontua dois objetivos. Então, se você tiver os objetivos ABCD numa partida e ACDB numa outra, eles serão pontuados juntos de maneiras distintas e numa ordem diferente também. Isso, em termos de combinações dá uma reca de possibilidades.

A questão, é que, para mim, Isle of Skye tem fake replayability e Cartógrafos não. Motivo? Isle of Skye tenta inserir interação no jogo por meio de alguns leilões, mas essa interação não soa o suficiente para garantir partidas distintas. É só compra e venda de tiles, nada mais. Inclusive, todo o sistema que a primeira vista parece genial (leilão “invertido”, no qual o vendedor diz o preço e se ninguém comprar ele que irá comprar), na verdade é só uma maneira de tentar controlar a economia do jogo. Economia esta que é basicamente “mudar” o “valor” de cada tile existente de acordo com os objetivos. Por isso, acho fake replayability. Esses objetivos são basicamente uma maneira de ajustar a economia do jogo para ela se tornar diferente a cada partida, mas o feeling é o mesmo. Sempre.

E qual a diferença para Cartógrafos? Em Cartógrafos não existe interação nenhuma, o que talvez possibilitasse ainda menos rejogabilidade. Entretanto, o jogo é um quebra-cabeça. Ponto. As alterações dos objetivos mudam, realmente, o quebra-cabeça. Como não existe disputa pelos tiles, os jogadores simplesmente tentam elaborar da melhor maneira o seu Tetris pessoal de peças. Então, para mim, se Cartógrafos não tivesse os objetivos variáveis a partida realmente seria muito parecida, mas ainda assim não tanto, pois as cartas sacadas importam demais. Enquanto que Isle of Skye, com ou sem os objetivos diferentes daria no mesmo, já que o jogo é centrado no leilão e não nessa variedade.

Acho que não ficou nem um pouco claro o exemplo, mas foi o que pensei para essa postagem. Obviamente, eu acho que essas variações podem sim beneficiar um jogo, desde que renda realmente experiências distintas. Para demonstrar isso, vou usar um exemplo bem cotidiano: Futebol.

O objetivo do futebol é fazer gol. Isso faz com que os times tenham suas estratégias, faz com que a capacidade de chutar pro lugar certo e com a força certa seja uma boa qualidade de um jogador e vários outros fatores que são focados nesse aspecto de fazer gol. Entretanto, se a cada partida você sorteasse um objetivo diferente, o que isso faria com o futebol? Irie torná-lo um jogo muito mais complexo, dinâmico e difícil. Afinal, você precisar montar um time que funcionasse para as mais diversas ocasiões. Em vez de ganhar ponto fazendo gol, agora você ganha ponto chutando na trave. Ou, você ganha ponto por cada passe realizado sem intercepção. Imagine como o jogo ficaria diferente em cada um desses casos e o time seria melhor ou pior dependendo do objetivo. Qual a desvantagem disso? Claramente, o objetivo mais interessante e emocionante seria fazer gol. Entretanto, os vários objetivos distintos dão essa dificuldade de ser o melhor no jogo, aumenta o impacto positivo de ter um jogador criativo no seu time e até balanceia com times mais fracos. Então, no final das contas… Essas variações servem igualmente para isso: balancear a mesa, dificultar os jogadores de serem mestres no jogo e aumentar a necessidade de criatividade. Enquanto que jogos sem essa variação podem se tornar mais metódicos, mais clássicos e, como é o caso do Xadrez, ser estudado e ter jogadas bem definidas. São duas formas distintas de pensar e duas formas distintas de criar jogos. Ambas tem seus méritos e ambas atendem a propósitos diferentes. Então, depois de toda essa conversa fiada: sim Hudson, jogos podem ser bons mudando as regras a cada partida, mas também podem ser ruins. Assim como, jogos que não mudem suas regras a cada partida podem ser ruim, mas também podem ser bons. Em suma, a qualidade do jogo não vai ser definido por isso, mas sim por outros aspectos muito mais importantes.

Terminou que me enfiei na pergunta do camarada, mas acho que deu para passar uma boa ideia sobre rejogabilidade. Existem alguns outros pontos que poderiam ser abordados, como os jogos Legacy, o crescente investimento em assimetria, mas vou encerrar por aqui e dar a oportunidade para, quem sabe, os leitores falarem sobre o tópico nos comentários? Ou, dependendo, retomar o tópico no futuro.

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