Lição #46: Faça um Modo Solo

Eu “comecei” no mundo dos jogos de tabuleiro apelando para os jogos Print & Play. Vários deles são focados em serem experiências solo. Eu tentei, mas naquela época não vi a menor graça nos jogos solo. Na realidade, demorou para eu perceber que o problema não era com o estilo, mas com os jogos em si. Não tem como comparar um Print & Play gratuito obscuro com um jogo desenvolvido por uma Editora mesmo. Então, com o tempo, meu pensamento sobre os jogos solo mudaram e cá estou eu.

Na verdade, até pouco tempo atrás eu ainda evitava jogar sozinho. A melhor parte, para mim, dos jogos de tabuleiro é a interação social. Sem isso, perde-se muito do propósito. Entretanto, em tempos de quarentena e sem gostar de jogar online, terminou que jogar solo foi uma opção. Tanto para dar continuidade a minha saga de conhecer jogos novos como para também ter algum passatempo extra.

Então, depois de jogar uns 20 jogos sozinho, só nessa quarentena, eu percebi uma coisa: ter a opção de jogar sozinho é excelente. Imagine se nenhum dos meus jogos físicos funcionassem para um jogador? Todos ficariam parados por vários meses. Assim, passei a dar algum valor às variantes. Além disso, as variantes solo tem algumas utilidades: Ajuda os mais ansiosos a ter um gostinho do jogo antes de conseguir convocar os amigos; dependendo da variante, pode ser útil para você aprender o jogo antes de realmente explicá-lo para outras pessoas, é melhor do que simular vários jogadores; aumenta a rejogabilidade do jogo, sendo um modo diferente do jogo original.

Partida Solo de Regicida no Tabletopia.

As vantagens são várias. Claro que nem todo jogo é propício para isso, mas se eu consegui fazer uma variante solo para Regicida. Acho que você consegue propor uma para o seu jogo, mesmo que seja uma experiência um pouco diferente do jogo original.

Depois dessa longa introdução, resta avisar que essa Lição não irá ensinar como de fato criar um modo solo para o seu jogo. Meu objetivo é convencê-lo a criar uma e mostrar alguns exemplos para que você possa compor um arsenal. Esse arsenal irá lhe ajudar a criar a sua variante solo, pois agora você terá várias opções e, quem sabe, alguns exemplos. Na verdade, a parte de convencer já encerrou. Então, se você não foi convencido até agora, pode ir embora. Brincadeirinha, pode continuar lendo mesmo sem vontade. Só não será tão empolgante.

Então, desde que comecei no hobby eu joguei vários jogos com variantes solo ou simplesmente solo por natureza. Acho que a maioria foi agora na quarentena, mas vamos listar eles: 51st State: Master Set, Alien Alarm, Atol, Assembly, Avenue, Bandido, Between Two Cities, Brikks, Bruges, Bullfrogs, Cartographers: A Roll Player Tale, Chronicles of Crime, Criss Cross, Dice City, Deadly Doodles, Dungeon Run, Dungeons & Dragons: Castle Ravenloft Board Game, Gloomhaven: Jaws of the Lion, Factory Fun, Friday, FUSE, Junk Art, La Granja, Metro X, Newton, Neuroshima Hex!, On Tour, Onirim, Patchwork Doodle, Raging Bulls, Red November, Regicida, Reiner Knizia’s Decathlon, Ripple Rush, Robinson Crusoe: Adventures on the Cursed Island, Rogue’s Quest, Roll Player, Rolling America, Rolling Realms, Rolling Village!, Runicards, Russian Railroads, Sneaking Mission: Solo, Space Alert, Space Hulk: Death Angel – The Card Game, Sprawlopolis, Take it Easy!, That’s Pretty Clever, The Castles of Burgundy: The Dice Game, The Dungeon of D, The Game, Trails of Tucana, Troyes, Utopia Engine, Valley of the Kings: Afterlife, Walnut Grove, Welcome to Dino World, Yggdrasil, Zombie in my Pocket.

E depois desses 60 jogos, eu observei que depois da partida você pode se deparar com três situações:

  1. Ter uma pontuação que não é indicativo de nada, basicamente o objetivo do modo solo é você vencer seu próprio recorde;
  2. Ter uma pontuação que é comparada com uma tabelinha, basicamente o objetivo do modo solo é atingir bons ranks dessa tabela;
  3. Vencer ou perder a partida.

Obviamente, pelo tom utilizado, é perceptível que eu prefiro a última. Para mim, uma boa experiência solo é como um jogo cooperativo: precisa existir uma condição de vitória clara e especifica. Esse negócio de bater o próprio recorde é inviável, pois os jogos são aleatórios e isso irá variar sua pontuação a cada partida independentemente do quão bem você jogue. Essa tabelinha é a mesma coisa, só que menos pior, pois dá alguns parâmetros para você ter uma ideia do quão bem foi na partida. A questão é que a tabelinha pode só dar vontade de retornar ao jogo se sua pontuação for realmente baixa. Se você chegar a uma pontuação relativamente alta, a tendência é você pensar consigo mesmo: “já zerei o jogo, não tem pra que jogar mais”. Afinal, se o jogo diz que eu sou um “profissional” ou “grão mestre”, não tem razão de eu tentar melhorar isso.

Jogos cooperativos são bem fáceis de adaptar para experiências solos. Gloomhaven: Jaws of the Lion é um bom exemplo disso.

Então, eu recomendaria você fazer seu jogo pensando no último item. É preferencia pessoal, mas percebo que também é uma preferência geral. Afinal, qual o fator de conclusão de uma simples pontuação? É muito fraco, não é satisfatório. Termina que o único propósito dessas experiências solo são de ensinar o jogo para jogar com seu grupo depois. Enquanto que vencer ou perder, dá uma sensação de completar algo. Sendo assim, tente proporcionar uma condição de vitória a sua variante solo. Inclusive, já fica a dica para você converter aquela sua tabelinha de comparação para uma condição de vitória e esconder ela. Basta escolher um dos limiares de pontos para ser considerado vitória e pronto.

Certo, mas independente do objetivo da minha variante solo. Como eu poderia criá-la? Bom, eu vou colocar aqui algumas opções. Obviamente, existem mais opções do que essa, ou talvez uma taxonomia mais ampla e com mais profundidade, mas foi isso que preparei para lhe dar alguma base de por onde começar:

  • Variante literal: O conceito do seu jogo não é adequado para uma variante solo. Suponha o jogo The Resistance. Como criar uma variante solo? Impossível, né? Bom, não é… Você pode alterar algumas regras e inserir alguns passos para que o jogo se torne um outro jogo mas usando os mesmos componentes e, preferencialmente, a maioria das mesmas mecânicas que você conseguir. Foi assim que fiz a variante do Regicida. Como Regicida é um jogo de blefe e dedução, eu não poderia manter esses aspectos na variante solo. Entretanto, ainda assim coloquei uma espécie de segredo no jogo e foi possível manter a maioria das mecânicas originais. É outro jogo? Sim, mas você percebe que o jogo original está bem presente e inspirou a variante fortemente.
  • Quebra cabeça com aleatorizador: é assim que a maioria dos Roll/Flip & Write funcionam. Eles já são meio que automaticamente um jogo solitário. Alguns inserem interações pontuais, mas que para um modo solo basta ignorá-las. O maior problema dessas variantes é que como a aleatoriedade tem um peso muito forte, entramos naquela questão de pontuação sem propósito. Não tem como ser justo em uma partida que a aleatoriedade impacta muito diretamente na pontuação colocar um limiar de vitória fixo. Eu tentaria inserir um oponente fantasma ou alguma maneira de gerar pontuação de acordo com a aleatoriedade da partida. É um negócio bem difícil de fazer, mas é algo que tentaram fazer no Cartógrafos, colocando os diferentes objetivos com limiares distintos baseado nas suas dificuldades. Não resolve completamente, mas mitiga um pouco. O ideal seria inserir modificadores de pontuação dependendo do quão difícil foi a partida, isto é, quantas vezes você foi obrigado a construir em ruínas, quantos monstros saíram, etc. Sendo que é como falei: dá muito trabalho e é difícil balancear bem.
  • Tempo Real ou Limite de Tempo: essa é uma excelente maneira de inserir pressão em um jogo solo. Tempo Real seria basicamente o jogador vencer o jogo em um determinado tempo cronometrado mesmo. Limite de Tempo seria o jogador vencer o jogo em uma quantidade pré-estabelecida de rodadas. Nunca vi Tempo Real implementado em jogos que não fossem originalmente pensado em Tempo Real, mas nada impede de você fazê-lo. Talvez Sprawlopolis se beneficiasse disso e deixasse o jogo muito tenso. Você tem apenas alguns minutos para fazer sua cidade e depois resta ver se venceu. Alien Alarm foi feito assim e achei que funcionou muito bem, mas é um jogo em Tempo Real desde a concepção.
  • Oponentes Automas: já citei, mas é importante ressaltar aqui como funciona um Automa. Você pode implementar um Automa de várias maneiras, mas todas as boas maneiras se resumem a um repositório de ações aleatórias. Então, em alguns casos mais crus não há aleatoriedade, sendo bem fácil prever as ações do oponente em questão. Consequentemente, a experiência fica bem fraca. Implemente alguma maneira do seu Automa parecer inteligente ou, no mínimo, imprevisível. A maioria dos Dungeon Crawlers utilizam esse esquema com seus monstros, mas de uma maneira muito previsível. Você sabe exatamente o que o monstro irá fazer muito antes dele fazer, pois ele segue um script determinístico geralmente. Uma excelente implementação com aleatoriedade embutida pode ser vista no Gloomhaven. No qual existe variações nas ações dos monstros. O infame Rogue’s Quest foi feito dessa maneira, mas não é um bom exemplo de como fazer nada.
  • Mímico: alguns jogos evitam o uso de Automas inserindo uma espécie de resposta do jogo para simular a presença de um outro jogador. Aqui vai soar bem similar ao Automa, mas tem uma ligeira diferença: você não percebe nenhuma “vida inteligente” ali, é apenas um sistema para gerar escassez de algo. É uma opção bastante comum em Euro Games, cuja interação é indireta. Então, por exemplo, no seu jogo você faz um Draft de cartas. O mímico irá remover uma carta aleatória das disponíveis toda vez que fosse a vez dele. Isso simula um jogador, mas claramente não é nem um pouco inteligente.

É isso. Espero que algo aqui tenha atiçado sua vontade de fazer um modo solo e quem sabe inspirá-lo?

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