Lição #34: Não frustre seu jogador

Qual a essência dos jogos de tabuleiro? Divertir as pessoas. Diversão nem sempre envolve risadas e sorrisos. Algumas pessoas se divertem enfrentando um bom desafio mental, juntando as peças de um quebra-cabeça para tentar vencer uma partida. Entretanto, existe um limiar entre o desafiador e o frustrante. É sobre isso que vamos falar hoje.

Alguns de nós, Game Designers, temos a tendência a pensar que nossos jogadores adoram enfrentar os mais diversos desafios loucos que nós propomos. Às vezes colocamos inúmeros obstáculos no caminho do jogador para que, após superá-los, finalmente consiga ganhar um pontinho suado. Esse excesso de desafio e falta de recompensa, muitas vezes é um detrimento para o seu jogo.

Durante um teste de Ciberguerrilha eu percebi esse excesso de desafio. Na verdade, eu não percebi nada. Na minha concepção, estava excelente os jogadores penarem e queimarem todos os neurônios para chegar no final da partida e alguns sequer terem montado um robô completo. Afinal, Ciberguerrilha é um jogo que se passa em um futuro distópico, a dificuldade é imperativa para transmitir o tema. Além do tema, o jogo é muito próximo de ser um multiplayer solitaire. Então, tentei unir os dois fatores para deixar bacana. Deixando tudo bem difícil, eu transmito o tema e proporciono um desafio extra para o jogador brigar com o jogo para atingir seus objetivos.

Não, Roberto do passado, você está errado. O jogo precisa ser difícil? Claro… Mas essa dosagem precisa ser feita com cuidado. E, no final do teste, eu só soube que a dificuldade era um problema, pois todos os jogadores (tirando o que conseguiu terminar seu robô e vencer a partida) foram unanimes: achei muito difícil.

Playtest com os amigos, quando fui informado do nível de frustração presente no jogo.

Então, eu refleti comigo mesmo. No final das contas, vence a partida quem tiver mais pontos. Então, qual o problema de possibilitar aos jogadores a oportunidade de construir mais peças? Como é um jogo de Set Collection, a satisfação em criar um robô (set) completo muitas vezes supre o sentimento de derrota. Na verdade, é aí que está o ponto. Vence o jogador que fizer mais pontos, mas isso não significa que os outros precisem se sentir incapazes. Solução? Reduzi o custo de todas as peças. O jogo permaneceu igual em todos os aspectos, menos nos custos. Resultado? Não recebi mais reclamações do jogo estar frustrante. Os jogadores agora diziam que o jogo estava apertado. Apertado é a palavra que você procura em um Feedback, nunca frustrante ou impossível.

Jogos desafiadores são bons? Claro que são. Veja o sucesso do Agricola ou de vários jogos do Stefan Feld que fazem os jogadores enfrentar “o jogo” de tempos em tempos. Esse estilo de jogo tem seu espaço e seu público. Entretanto, é notável o desgosto de jogadores (dos mais variados perfis) em jogos muito punitivos. Talvez você até venha me dizer que a vida é assim e isso serve de aprendizado. Na boa? Compreendo isso para crianças, mas não para adultos. Muitos adultos jogam para se esquecer dos problemas e para se sentirem bem consigo mesmos. Não para sofrer e/ou passar vergonha.

É uma questão de perceber que os jogos competitivos já são um desafio por si só. Afinal, todos tentam vencer. Tentar ser melhor que os demais jogadores, por mais solitário que seja o jogo, já faz parte do desafio. Você não precisa colocar o jogo como mais um competidor. Claro que tudo isso deve ser bem nivelado. Mesmo que a competição seja entre os jogadores, se tudo for fácil de conseguir no jogo, talvez até o vencedor da partida se sinta frustrado. Não frustrado por não ter conseguido fazer nada, mas frustrado por ter conseguido fazer tudo facilmente.

Então, qual o resultado da Lição de hoje? Em termos práticos eu diria que você: evite pontuações negativas, evite que o jogo destrua ou impeça o progresso dos jogadores desnecessariamente e evite que o jogo proporcione mais dificuldade do que os próprios oponentes em jogos com interação. Obviamente, a maior parte do que falei aqui aplica-se para jogos competitivos. Entretanto, um jogo cooperativo também precisa ser desafiador sem que seja impossível. Ninguém quer jogar um cooperativo que ao terminar a partida ficou aquele sentimento de “nunca vou conseguir vencer esse jogo”. Em suma, cuidado com a dificuldade que você coloca no caminho dos jogadores. Você pode achar brilhante, mas eles podem achar terrível.

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