Lição #31: Não se preocupe com trapaças

A ideia para esse tópico surgiu de um questionamento do Cássio (leitor aqui do blog) sobre o Celestia e foi ressaltada por um jogo em específico que joguei no Spa dos Jogos. Hoje, vou dar um conselho para você, colega Game Designer: não se preocupe em criar mecânicas/soluções que evitem os jogadores de roubar. Aguarde que vou tentar lhe explicar minhas razões.

Na realidade, ressalto que existe uma exceção para essa Lição. Se você estiver criando um jogo visando campeonatos e o cenário competitivo, você de fato precisa se preocupar com soluções para que o jogo não dê margens para trapaças. Em qualquer outro caso, não diria que você precise se preocupar. Na realidade, eu iria além e diria para evitar jogos multiplayer caso queira focar nesse tipo de cenário, pois a partir do momento que existe mais do que 2 jogadores, existe margem para negociação e alianças. Esses fatores, em minha opinião, degradam a seriedade de uma competição. Mas não estamos aqui para falar de campeonatos. Estamos aqui para falar de jogos de tabuleiro modernos, que eu espero ser uma atmosfera mais divertida.

Pois bem. A primeira razão para não se preocupar é que isso restringe a sua liberdade de criação. Com isso, vou usar o caso do Specter Ops. Em Specter Ops, um jogador é o Agente e todos os demais são Caçadores. No tabuleiro sempre ficam os Caçadores e estes estão procurando pelo Agente que faz toda a sua movimentação no tabuleiro por meio de uma ficha que só ele tem acesso durante toda a partida. Se o Agente quiser, ele pode mentir sobre os Caçadores terem encontrado ele com extrema facilidade. Um jogador mal intencionado, jogando de Agente, iria destruir o jogo. Então, se Emerson Matsuuchi, o game designer, fosse pensar em jogadores trapaceiros, o jogo não existiria. Ou, se existisse, teria uma série de regras e medidas contra a trapaça que iriam dificultar o bom andamento da partida. E, na minha humilde opinião, eu prefiro um jogo com um fluxo rápido com possibilidade de roubo do que um jogo com fluxo travado por burocracias.

Então, talvez você diga, mas o jogo assim é quebrado. Eu discordo. Chegando ao segundo ponto, quebrado é o jogador que rouba em um jogo de tabuleiro. O ladrão, além de safado, é burro, pois uma vitória roubada vale de quê? Bom, isso é uma discussão que dá pano para a manga. Então, para evitar me prolongar, eu tenho uma solução bem prática: assumo que ninguém rouba. Claro que estou incorreto, mas a partir do momento que eu perceber alguém roubando, aí sim eu me preocupo com isso. Nesse momento, eu aponto o problema (ou nem aponto), e depois evito esse jogador como a praga.

Para fechar, vem o terceiro e último ponto. Você vai perder tempo elaborando essas mecânicas, que às vezes podem até ser burladas também. Sabe onde você deve gastar suas energias? Em elaborar um jogo que seja mais difícil das pessoas jogarem incorretamente. Isto é, o problema não é o jogador roubar, mas sim roubar sem querer. Aí sim, é problema de design e deve ser resolvido.

E você, concorda ou discorda? Deixe nos comentários sua opinião e enriqueça a discussão.

4 Comments

  1. Rodrigo Zuzu
    6 de dezembro de 2017

    Cara, quando vi o titulo imediatamente lembrei do Roll for the Galaxy! É um jogo sensacional na minha opinião, que nunca sairia do papel se rolasse este complexo de pega-ladrão. Você rola dados de forma fechada e aloca da melhor forma para você, um desonesto pode mudar aa faces dos dados de forma BEEEEM fácil…

    Na real, se você joga um jogo desses e pega alguém roubando, ele fez um ótimo papel: mostrou algo que precisa ser elimidado da sua jogatina, o ladrao!

    Abração e parabéns pelo texto!

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    1. Roberto
      6 de dezembro de 2017

      Verdade, Zuzu. Muitos jogos excelentes deixariam de existir ou se tornariam chatos. Joguei o Roll uma vez e achei bem legal. =) Mais um exemplo para o Hall dos jogos que não existiriam. =P

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  2. Cássio
    12 de dezembro de 2017

    Pinheiro, fico lisonjeado por usar nossa discussão sobre o tema como um tópico para game design. Mostrei pro meu grupo e eles até se assustaram e disseram “agora vão achar que somos um grupo de bandidos do board game” ahha e ainda outro disse “cara, acho que a gente não sabe explicar nossa questão com Celestia”.

    De fato, seu exemplo com o Specter Ops tem todo o sentido, pois uma mentira do lado do Agente quebraria o jogo (e a diversão junto) como você mostrou.
    Celestia para mim entra num nicho nunca explorado antes, talvez por culpa da possivel mentira do Capitão-da-vez, que o designer soube deixar de lado. Por exemplo, no bom push-you-luck Tesouro Inca, é o baralho (e não um jogador) que decide se deu ruim ou não na aventura. O autor de Celestia/Cloud 9 espalhou o baralho na mão dos jogadores e decidiu contar com a boa vontade deles.

    Esse fim de semana vou tentar Celestia com um novo grupo, super casual, vou tentar não dar foco no push your luck em vez do blefe.

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    1. Roberto
      13 de dezembro de 2017

      Opa Cassio, eu até entendi a questão do seu grupo sobre Celestia. Tanto é que estendi para o Specter Ops para ter mais base.

      O problema do Celestia, é que o jogo pode ser facilmente jogado com a regra anti-trapaça, mas o Game Designer optou por não usá-la. Provavelmente, para manter as coisas incertas. Afinal, se o jogador mostrar a mão sempre que não puder cumprir os dados, vai virar muito mais um jogo de memória do que um Press Your Luck.

      Tenta jogar com as regras originais e depois conta como o grupo de novatos reagiu.

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