Resposta #1: Inteligência Artificial

De vez em quando eu recebo algumas ideias sobre novos assuntos dos leitores e, em geral, as ideias viram novas colunas aqui no blog. Entretanto, algumas das ideias ou até mesmo questionamentos são tão diversificados que fica complicado criar uma nova coluna sobre o assunto, pois provavelmente ficará com umas 3 postagens e só. Então, hoje, baseado em uma ideia de um leitor, eu inicio uma nova coluna. Calma, eu estou sóbrio…

A nova coluna será Pinheiro Responde. Então, em vez de ficar pensando em várias postagens para uma série completa, eu poderei agora fazer postagens sem as amarras de uma coluna! Baseado nas suas perguntas! Quer melhor que isso? Só dois disso. A abertura dessa nova coluna será com uma postagem do Facebook do Flávio Reis:

Caro Roberto, gostaria de sugerir a você para que um dia publique no PinheiroBG suas considerações sobre a inteligência artificial nos BGs… Queria saber da sua visão à cerca do assunto. Grande abraço!

Obrigado pela ideia Flávio e hoje chegou o dia das considerações. A pergunta é bem abrangente. Então, vamos começar logo e parar de enrolar.

Qual a função da Inteligência Artificial nos jogos de tabuleiro? Em geral, é criar algum adversário desafiador para os jogadores. Seja para possibilitar partidas solo ou para possibilitar que o jogo seja completamente cooperativo (sem a necessidade de um jogador fazer o papel do vilão) ou até mesmo para permitir partidas com menos jogadores em jogos que precisam de muitos jogadores. Refleti um pouco sobre o assunto e, para iniciar esse tópico, resolvi listar alguns dos jogos que joguei que possuem alguma IA:

  • Russian Railroads tem IA na expansão para uma variante solo. O jogo é um Worker Placement, então a IA é basicamente um deck de cartas dizendo onde alocar o trabalhador do adversário. Entretanto, a IA nunca aloca em um espaço que o jogador ainda é incapaz de usar (por não ter os pré-requisitos). Assim, a IA é basicamente uma ferramenta de bloqueio para dificultar a vida do jogador. Não há comparação de pontuação. Eu achei fácil de jogar e diverte. Não é genial, mas funciona. Obviamente, devido ao aspecto simplório da IA, eu cansei após algumas partidas.
  • Between Two Cities tem o tal do Automa, também usado na variante solo. O conceito do Automa foi criado pelo Morten Pedersen e é utilizado em todos (ou praticamente todos) os jogos da Stonemaier Games. Neste jogo, o Automa é um deck de cartas, no qual cada carta apresenta várias condições que vão sendo verificadas pelo jogador para, por fim, definir a ação realizada pela IA. Neste caso, a IA meio que joga o jogo e as pontuações são comparadas. Dando algum contexto, BTC é um jogo de construção de cidades com Tile PlacementDrafting. A questão é que a IA joga diferente do humano, isto é, quebra as regras de construção da cidade para funcionar. E, em todas as cartas, caso nenhuma condição for satisfeita existe a opção: “Escolha o tile que dê a maior pontuação na configuração atual da cidade”. Tenta ser elaborada, mas achei bem ruim. O fato de o jogador precisar pensar e fazer cálculos pela IA, em minha opinião, é até desonestidade chamar de IA, fora ser extremamente chato.
  • Já joguei vários Dungeon Crawlers cooperativos com IA. Como exemplo, posso citar o Mice and Mystics e jogos da série D&D Adventure. Também existem os cooperativos sem ser necessariamente Dungeon Crawlers, como: Arkham Horror, Defenders of the Realm, Zombicide, Space Cadets. Apesar de não gostar desse estilo de cooperativo, acredito que na maioria desses jogos a IA cumpre seu papel. Sendo as melhores implementações são em jogos que as ativações dos monstros são ocasionais e as regras de movimentação são simples.
  • Belfort e Dungeon Petz tem dummy player para jogar com 2 jogadores. Eles são fáceis de controlar e permitem o jogo funcionar bem com 2 jogadores. Acho uma boa alternativa para Eurogames, apesar de muita gente reclamar de dummy players.
  • Em Cry Havoc, quando a partida tem 3 ou menos jogadores, uma facção é controlada pelo “computador”. Entretanto, quando chega o momento do combate, quem controla é outro jogador. Acho muito Lazy Design isso, transferiu a responsabilidade da IA para outro jogador.
  • Merchants & Marauders tem NPCs que se movem de acordo com cartas de evento e algumas condições. Funciona bem o suficiente. O problema é que ao chegar no combate, também transfere a responsabilidade para outro jogador.
  • Fearsome Floors é um ótimo exemplo de IA legal. Basicamente, existe um monstro que sempre persegue quem está mais próximo dele, sendo que a cada passo dele, ele verifica se existe algum outro jogador mais próximo para mudar seu alvo. Dá um certo trabalho controlar o monstro, mas como o foco do jogo é manipular o monstro para que ele pegue os oponentes, acho que a ideia funciona bem. O detalhe é que todo o movimento da IA é previsível, sendo que adicionaram uma quantidade de passos aleatória para dar incerteza no processo. Fearsome Floors é um claro exemplo de jogo que foi criado pensando na IA e acho que vale a pena conhecer para estudo.
  • Para fechar essa lista, tem também o Tsuro of the Seas que é um ótimo exemplo de como não criar uma IA. São várias e várias rolagens de dados todo turno para definir se os dragões movem e para onde movem.

Ok Roberto, mas a pergunta do Flávio não foi quais jogos usam IA e como usam. Ele pediu suas considerações sobre o assunto. Bom, eu listei os jogos justamente por isso, para dar um apanhado do que existe e do que eu conheço. Assim, posso dizer que não sou um grande fã da Inteligência Artificial em jogos de tabuleiro.

Para mim, o maior problema das IAs nos jogos de tabuleiro é que várias delas são criadas após a elaboração do jogo (vide Automas, variantes solos e dummy players). Se você tem interesse em criar uma IA para seu jogo de tabuleiro, você precisa criar seu jogo com isso em mente. Isto é, criar maneiras de propiciar um ambiente controlado e viável para a existência da IA. Caso contrário, ela vai parecer deslocada e fora de lugar.

Em todo caso, observando os jogos atuais, me parece que a criação de IAs deveria se restringir à jogos cooperativos. Afirmo isso, pois é o único momento que a IA se faz totalmente necessária. Caso contrário, o jogo não poderia ser completamente cooperativo, sendo necessário ter alguém responsável por controlar os inimigos. Nesse caso, eu vejo a validade da IA e ela realmente funciona para a sua proposta. Não é complicado de fazer uma IA funcional para jogos assim. Fora que existe bastante espaço para explorar nessas IAs, como por exemplo, inserir aprendizagem.

Entretanto, partindo para os jogos que desejam substituir os jogadores humanos como para ser substituído por uma IA… Acho problemático. Fica deselegante ou meramente aleatório. Talvez por gostar da interação de vários jogadores na mesa em um jogo competitivo, não vejo tanto sentido em jogar contra uma IA… Até jogo, mas após algumas partidas perco o interesse. Em Teotihuacã eu criei uma variante solo, no qual existe um mecanismo que simula a existência de um segundo jogador, meramente para que a duração do jogo se mantenha. Não chega a ser uma IA, pois removi a parte de interação do jogo e transformei ela em um puzzle aleatório. Afinal, se eu fosse manter a interação entre os jogadores, seria necessário criar um script no qual o jogador teria que administrar as escolhas do segundo jogador e isso não me agrada.

Mas Roberto, eu discordo do que você disse. Acho muito legal IA em jogos de tabuleiro competitivos e gostaria de inserir jogadores com IA no meu jogo. Tudo bem… Nesse caso, repito: você precisa criar seu jogo já pensando nisso. Tente criar algo que precise de pouca manutenção e pouco raciocínio por parte do jogador para funcionamento da IA. Não é fácil criar uma IA que pareça realmente inteligente sem reduzir o fluxo do jogo.

No mais, é isso… Se restaram questionamentos, críticas ou sugestões, deixem nos comentários para estender o debate. Se tiver alguma contribuição para essa nova coluna, utilize o formulário de contato ou fale comigo pelo Facebook. Obrigado pela longa leitura e até a próxima.

10 Comments

  1. Germano
    10 de novembro de 2017

    Uma abordagem interessante para dummy players é ter regras simples, mas dar vantagens para compensar.
    Ex: poder usar um recurso extra, ou não perder pontos em situações que os jogadores normais perderiam, como é o caso de BlackJack

    Responder
    1. Roberto
      10 de novembro de 2017

      Concordo. Dummy player precisa ser simples… Se for complicado ou precisar de muitos passos tira parte da diversão do jogo.

      Responder
  2. Cássio
    10 de novembro de 2017

    Pinheiro, bacana a iniciativa!

    Sobre IA, gostei demais do Automa do Viticulture, ridiculamente fácil de usar. Sobre mais espaço pra pensar na sua estratégia já que ele age apenas no inicio de cada estação.

    Tive dificuldades com o upkeep do Space Cantina no modo solo. Além do manual fraco na explicação, fiquei com auto-analysis paralysis durante as escolhas pq ficava com upkeep do chefe.

    A IA (Automa tb) do Scythe é um jogo a parte, inclusive com um manual próprio. Já li e vi videos e ficou bem complexo. O que era pra ser algo plano e simples permitindo que um jogo (que já tem seu peso) pudesse ser jogado sozinho, pra treino e tal, ficou tão complexo quanto o jogo, inclusive usando algumas dessas distorções na regra. Segundo o manual, o Automa foi criado para ser mais fácil de simular um outro jogador… por hora não achei.

    Responder
    1. Roberto
      10 de novembro de 2017

      Opa Cássio,

      Como o Viticulture é similar ao Russian Railroads (Worker Placement e tals), acredito que a IA seja parecida também. Provavelmente melhor, pois a do Russian é muito simples.

      Modo solo enfrentando chefão sempre cai no problema de Upkeep… Afinal, ele precisa ter o impacto de ser um chefão.

      E no caso do Scythe, pra mim esse é um problema grave… Apesar de que muita gente curtiu esse Automa. Já vi gente jogando até com múltiplos jogadores IA. hehehehe

      Como tudo na vida, no final se resume muito ao gosto da pessoa…

      Responder
  3. Rodrigo Sampaio Rodriguez (Zuzu)
    13 de novembro de 2017

    Fala meu amigo!

    Excelente coluna, inclusive fiquei surpreso por ter citado o Fearsome Floors, um joguinho que eu curto bastante para jogar com muita gente e que quase ninguém conhece! hehehe

    Uma das IA que mais me agradaram foi a do Gears of War. Cai muito no que você citou de cair como uma luva pros cooperativos. A IA do Gears é simples mas bem desafiadora, bem mais complexa que a IA do Zombicide, por exemplo.

    Parabéns e aguardo os próximos posts!

    Responder
    1. Roberto
      13 de novembro de 2017

      Grande Rodrigo!

      Eu conheço uns jogos underground hehehehehe =D Vendi minha cópia de Fearsome Floors porque achei repetitivo e quase ninguém do grupo gostou, mas a IA dele vale a pena conhecer.

      Nunca joguei o Gears of War, mas é como você mesmo disse… Cooperativo é o ambiente perfeito para isso.

      Aguardando os pedidos dos leitores para as próximas 😉

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  4. DANIEL L M LIMA
    26 de fevereiro de 2018

    Curti as considerações. Vou pontuar com calma depois pois alguns títulos mencionados ou só conheço en passant.
    Acho que IA é um universo à parte das simples métricas e mecânicas e que uma bem implementada pode valorizar demais qualquer boardgame.

    Responder
    1. Roberto
      26 de fevereiro de 2018

      Obrigado Daniel, aguardando seus comentários adicionais. Abraço.

      Responder
  5. Sumaré
    6 de junho de 2018

    Parabéns pelo artigo!

    Sobre o assunto, cito o Dummy Player no Endeavor para dois jogadores. Acho uma saída elegante e prática.

    Em relação aos cooperativos, vejo que a dificuldade do jogo aumenta proporcionalmente a aleatoriedade do algoritmo usado na AI. Por isso normalmente se usam decks ou roladas de dados para as ações do “tabuleiro”.

    Forte abraço!

    Responder
    1. Roberto
      6 de junho de 2018

      Opa Sumaré,

      Ainda não joguei o Endeavor, mas tenho vontade de conhecer… Vou dar uma olhada nas regras de dummy player.

      É, as IAs de cooperativos precisam de aleatoriedade em algum momento… Se não tornam-se previsíveis.

      Obrigado pelo comentário.

      Abraço.

      Responder

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