Ó glorioso Set Collection. Criatura onipresente. Reconhecida entre nós como Colecionar Componentes ou Coleção de Componentes. Se eu fosse nomeá-la, eu optaria simplesmente por “Coleção”. O termo Componentes inserido na tradução passa a impressão de ser sempre algo físico e não-vivo. Entretanto, não é incomum termos abstrações ou animais como partes de um Set Collection. Além disso, chamar simplesmente de “Coleção” sintetiza a mecânica à sua essência: as partes separadas é inferior as partes juntas. Essa é a definição de qualquer coleção: quanto mais completa melhor. E é isso que tenho para definição, não tocarei mais no assunto, mas ainda temos muito o que conversar.
A brincadeira inicial é meramente pelo tanto de jogos que possuem esse mecânica. Ou pelo menos foi o que eu imaginei antes de pesquisar.
E a pesquisa comprovou que é realmente um bocado. Dessa vez peguei a informação no Board Game Geek, em vez da Ludopedia, por ser uma base de dados mais completa. Comparei com Worker Placement, já que foi a mecânica que vimos anteriormente.
É perceptível que Set Collection tem muito mais jogos do que Worker Placement e o aumento do Worker Placement é praticamente exponencial, enquanto que o aumento do Set Collection é praticamente linear. Essas duas percepções possuem motivos entrelaçados, mas que unidos explicam tudo: Worker Placement costuma ser a mecânica principal de um jogo, enquanto que Set Collection é uma mecânica auxiliar; além disso, Set Collection é muito mais antigo que Worker Placement. Um exemplo na sua fuça é o Monopoly (1933), vulgo Banco Imobiliário, que os jogadores precisam ter todas as locações da mesma cor para poder construir hotéis e para ganhar mais dinheiro quando os jogadores param em cima de uma locação sua. Pensando nos jogos de tabuleiros modernos, eu poderia citar Medici (1995), como um bom exemplo de jogo não tão antigo. Ainda mais que foi relançado em 2016 e saiu aqui no Brasil dia desses (2018). Juntando esses dois motivos, dá pra entender a discrepância do gráfico.
Então, quer dizer que Set Collection é uma mecânica auxiliar? O que isso significa? Bom, estou inventando termos (como já virou costumeiro), mas esse meu termo quer dizer algo bem simples: Set Collection pode estar em qualquer jogo meramente como algo a mais. O jogo poderia existir sem, mas fica um pouco melhor (nem sempre) com. Reflita um pouco e pense no tanto de jogos são salada de pontos e um dos ingredientes é um Set Collection aleatório? Sendo que esse não é a única opção para a mecânica. Ela pode ser usada para ditar o funcionamento de um jogo inteiro, como uma mecânica de pontuação geral mesmo. Não sendo apenas “algo a mais”, mas o único elemento de pontuação. Em suma, Set Collection pode ser uma mecânica auxiliar sim, mas em sua essência poderíamos dizer que ela é uma mecânica de pontos. Mas o que existe de tão bom nessa mecânica que faz ela ser tão utilizada?
- Versatilidade: claramente a mecânica é uma espécie de Coringa para os Game Designers. Você tem duas estratégias possíveis no seu jogo? Bota um Set Collection no meio e você automaticamente ganha uma terceira. E o melhor: essa terceira opção já vem acompanhada de todas as características que vou falar logo mais.
- Matemática: claro que toda mecânica nada mais é que um conjunto matemático, sendo que aqui é bem evidente. É tão evidente que tem umas progressões famosas utilizadas para pontuar as Coleções. Isso é uma qualidade forte, pois tudo que é matemático (ainda mais saltando a vista) é muito mais fácil de balancear, ao menos nos estágios iniciais. O ajuste também é realizado muito facilmente, especialmente se for utilizada como mecânica auxiliar.
- Engajamento: talvez a maior qualidade de todas, ao menos do ponto de vista do jogador. É muito fácil os jogadores se interessarem pelo Set Collection e o motivo é bem simples: é uma Coleção. Quem aqui não gostaria de ter uma Coleção e conseguí-la em poucas horas? Imagino que o maior empecilho das pessoas investirem em Coleções sejam: monetário e tempo. Ambos são descartados quando você está em um jogo de tabuleiro: o tempo é muito curto e o dinheiro (ou seja lá qual recurso você use no jogo) é fake. Então, você está com todas as vantagens de se ter uma Coleção, mas sem nenhum dos ônus. Fora que existe o tempero extra da competição.
Claro que a mecânica não é excelente em todos os aspectos e alguns problemas podem acontecer na implementação. Geralmente as escolhas do Game Designer vão ditar o quão notável são essas potenciais desvantagens. Diferentemente do Worker Placement, não são problemas necessariamente que precisem de soluções.
- Abstrato: por conta do seu aspecto matemático, é muito comum a mecânica ter uma certa abstração. Talvez faça sentido você ganhar pontos por juntar bananas. Entretanto, por qual razão uma banana vale zero e duas bananas valem 2? Você pode forçar alguma explicação, mas geralmente ela será isso: forçada. A vantagem é que essa abstração não costuma ser notada ou questionada pelos jogadores. É bem raro alguém reclamar da falta de tema de um Set Collection. Eu imagino que a principal razão é por ser uma mecânica de pontos. E pontos, por si só, já é um conceito abstrato amplamente aceito e abraçado, mesmo que as vezes pareça arbitrário. Sabe em qual momento reclamam disso? No final da partida para dizer que a pontuação é desbalanceada (forte demais ou fraca demais), mas nunca é uma reclamação conectada ao tema.
- Alta Variância: seguindo a linha de raciocínio do desbalanceamento, uma pontuação baseada em Set Collection pode trazer uma pontuação altamente variável por conta da presença/ausência de um item do conjunto. Isso pode ser um problema, especialmente quando utilizada como uma mecânica auxiliar, pois a mão pode pesar demais em comparação com outras estratégias e possibilidades de pontuação. Suponha o seguinte, você ter cinco itens da coleção lhe rende 30 pontos, mas com seis itens você consegue 50. A diferença é gigante e talvez até faça sentido, pois o item que resta é bem difícil de conseguir, os oponentes também vão estar lhe atrapalhando, logo, se você conseguiu você realmente merece os 50 pontos. Entretanto, não tem como garantir que você conseguiu com muita batalha e esforço, dependendo do jogo esse item pode cair no seu colo facilmente. Juntando isso com as mais variadas estratégias, você pode ver jogadores investindo em Set Collection e ficando em último (não conseguiram fazer a Coleção) ou em primeiro (fizeram), isso não é bom para nenhum jogo. Você tem todo um espectro de pontuação, mas no final a vitória se deu por algo binário: ter ou não a coleção.
- Memória: estou tentando sempre listar 3 pontos positivo e 3 negativos, então resolvi citar esse aspecto que me incomoda bastante. Acho terrível quando resolvem juntar Set Collection com Memória. Isto é, os jogadores juntam as Coleções, todo mundo vê eles pegando, mas a informação é escondida depois disso. Claro que dependendo do peso do jogo e complexidade, isso é bobagem. Sendo que quando o Set Collection e a interação entre os jogadores é um aspecto intenso, acho muito ruim deixar informações tão relevantes escondidas. Eu não sou muito fã de memória em jogos, pois não é raciocínio ou inteligência, é só memória. É uma mecânica tão pobre que é comumente utilizado em jogos de crianças para que eles possuam mais chances de vencer dos adultos. Então, não faça isso no seu jogo, não junte Set Collection com Memória.
Vejamos alguns exemplos de Coleções? Foi difícil juntar esses jogos, pois Set Collection é uma mecânica tão corriqueira que eu parei de analisar criticamente faz um bom tempo. Afinal, não tem muito para onde inovar, né? Logo, as coisas costumam ser bem parecidas. Começando pelos jogos que utilizam Set Collection como apenas mais uma maneira de pontuar, eu penso rapidamente em Stefan Feld. Alguns jogos do autor são salada de pontos e a chance é alta de ter alguma Coleção. Geralmente, as Coleções são espécies de objetivos obtidos durante a partida para que você ganhe mais pontos por alguma Coleção no final do jogo. Em Castles of Burgundy (2011), por exemplo, você coleciona animais para pontuar cada vez mais pontos acumulados, diferente do que citei, mas também pode ganhar pontos extras por Coleções dependendo dos seus tiles de tecnologias. Essa segunda opção é a mais comum nos Euro Games que empregam a mecânica como auxiliar. Geralmente, Feld consegue implementar muito bem, pois é apenas mais uma maneira de pontuar. Não é uma estratégia única, isto é, não é possível seguir apenas as Coleções. Você precisa fazer outras coisas. Deste modo, o autor consegue evitar uma variação muito grande de pontos, justamente por eles não serem exorbitantes. Um outro exemplo do Feld é Bora Bora (2013) que o jogador recebe pontos no final da partida por várias Coleções diferentes coletadas na partida. Acho que do ponto de vista de Set Collection, não vejo muitos problemas ou reclamações com o Feld. Não gosto dos seus jogos todos, mas nesse quesito acho que está bem implementado.
Sendo que tem sim uns jogos que utilizam Set Collection como mecânica auxiliar e falham. Dois exemplo me surgem na cabeça quando penso nisso: Ulm (2016) e The King’s Guild (2018). Ambos pelo mesmo motivo: Set Collection é só mais uma maneira de pontuar, mas é feita com saque de cartas. Isto acarreta três problemas: tem um elemento sorte relativamente grande, já que você precisa conseguir a carta da Coleção e no meio tem várias cartas sem conexão com as Coleções; existe um forte elemento de surpresa, que pode até ser interessante, mas também pode destoar demais; e a alta variância, em Ulm, por exemplo, se você falhar em completar um Conjunto por apenas um item você deixa de ganhar 20 pontos (em um jogo cuja pontuação do primeiro chega em 60). Note que o problema não é usar cartas na mecânica, mas sim obter elas com saque e serem escondidas. Thebes: Tomb Raiders (2013), usa cartas e tem uma alta variância na pontuação com as cartas de Palestras (quanto mais palestras você dá, maior o ganho). Sendo que todos os jogadores estão vendo as cartas aparecerem na mesa para serem adquiridas e todos estão vendo você pegando elas. Então, resta a mesa fazer algo para evitar você ganhar um milhão de pontos ou não. Não acho que seja a melhor solução, pois termina apenas forçando os jogadores a marcarem o palestrinha, criando apenas um sentimento de frustração. Entretanto, é melhor do que saque de cartas.
Em Keyflower (2012) temos um caso de exagero no Set Collection, como mecânica auxiliar, com os tiles que você ganha pontos por recursos acumulados ou por Conjuntos específicos. É possível, e até recomendado, você investir única e exclusivamente nessas Coleções para vencer o jogo. Então, perceba que o problema não é usar Set Collection como mecânica auxiliar, mas permitir que ela domine sobre as demais que você tem no seu jogo. Sim, elogiei Keyflower dia desses, mas esse problema nele foi o que me fez vendê-lo.
Tudo bem, mas vamos deixar de lado esses Euro Games que usam a mecânica como mero adereço e vamos para os jogos que são construídos em cima do Set Collection. Geralmente, jogos assim são Card Games. Entretanto, temos uns exemplos bem famosos. Veja Ticket to Ride (2004) por exemplo, a mecânica central do jogo é Set Collection (ir juntando as cartas para fazer as rotas). Sim, apesar de você gastar o que colecionou, ainda é Set Collection. O mesmo acontece com Splendor (2014), mas ele vai além, pois tem um Set Collection do Set Collection. Você vai juntando umas joias (Coleção) para trocar por umas cartas (Coleção) e com essas cartas você tem pontos, maior poder de juntar as próximas cartas e também consegue pegar uns contratos. Eu, particularmente, não sou fã do jogo, mas não vejo problemas na mecânica em si. É uma boa maneira de usar uma Coleção para alimentar outra.
Um exemplo que não posso deixar de dar são os Card Games que misturam Set Collection com maiorias. Acho que é minha implementação favorita da mecânica, por conta da interação. Os exemplos são vastos: Em Arboretum (2015) você coleta árvores de vários tipos com valores de 1 à 8 em um jardinzão e também na sua mão. O interessante do jogo é que você só vai pontuar os tipos de árvores que você tiver mais pontos na sua mão em comparação com todos os outros jogadores, mas também é importante você ter elas na sua mesa. Então, é uma constante dor no coração quando e onde usar as cartas. Biblios (2007) é praticamente no mesmo esquema, você só pontua as cores que você juntou mais do que os outros jogadores, sendo que a pontuação aqui são índices no centro da mesa que são alterados por todos os jogadores durante a partida. Capital Lux (2016) é outro bem interessante, que você junta maiorias na mesa para ganhar as cartas que estão na capital daquele mesmo tipo como pontos. Claro que não poderia deixar de lado Battle Line (2000), que é basicamente uma disputa de mãos de pôquer. Pode soar sem graça e datado, mas não é não. É o melhor dos quatro que citei, mas só é para dois jogadores. Se você não souber por onde começar um jogo com Set Collection e já quiser fazer algo com boa interação, recomendo dar uma olhada nesses jogos.
Outros jogos centrados em Set Collection usam o clássico esquema de: junta e pontua no final. Como é o caso de Sushi Go (2013), que você vai formando uma mesa sua de cartas e ganha pontos de acordo com as combinações. Coloretto (2003) segue a mesma linha, mas tem um aspecto com maior interação, pois os jogadores disputam mais ativamente os itens da coleção e algumas coleções suas podem valer pontos negativos. Então, a ideia do jogo é meio que fazer o oponente pegar as cartas que não quer. Point Salad (2019) é a epitome desse conceito, uma carta ou é uma carta de pontuação (baseada em alguma Coleção arbitrária) ou uma carta de fruta (que são os itens das Coleções). Nunca joguei, mas a ideia minimalista e totalmente centrada na mecânica me pareceu muito no alvo.
O outro modelo mais clássico é o de juntar e pontuar gastando os recursos. Já falei de alguns jogos assim, mas gostaria de destacar um pouco conhecido: Guildhall (2012). É uma corrida até uma determinada quantidade de pontos e os jogadores precisam otimizar o máximo possível suas jogadas realizando uma série de combos. Um jogo com uma proposta bem simples (baixar carta e realizar a habilidade da carta) mas que abre um universo de possibilidades com as interações entre as próprias cartas. Lanterns (2015) também segue a premissa de juntar e gastar algo para pontuar. Não tem a mesma ideia de combos do Guildhall, mas a metodologia de pontuação é a mesma. Igualmente com Havana (2009). A diferença entre esses três jogos está justamente em como são adquiridos os itens e é isso que tornam todos eles jogos bem diferentes, apesar do Set Collection ter o mesmo funcionamento base.
Bom, se você perceber, dessa vez eu não apontei muitos defeitos. Eu acredito que o motivo seja que a mecânica já está tão presente nos jogos que se tornou um pouco a prova de balas. Ou talvez seja simplesmente eu gostar da mecânica, mas não necessariamente dos jogos. Então, após citar os jogos que utilizam Set Collection como mecânica auxiliar, o restante foram apenas exemplos para inspirá-los em pesquisar. Agora, depois de todos esses exemplos… Vejamos como fazer o meu (no caso, o seu, né?) Set Collection?
Acho que você precisa pensar em três perguntas: O que é? No caso, quais são os componentes/itens que farão parte do Set Collection e como eles geram as Coleções. Como ter? Nesse ponto entraria alguma mecânica de seleção de ação, provavelmente, mas basicamente aqui é você definir como vai conseguir os itens da Coleção. O que ganho? Bom, você precisa conseguir algo pelas Coleções, pode ser pontos no final da partida ou algum benefício durante ela. Respondendo essas três perguntas você consegue botar a mecânica no seu jogo com alguma facilidade.
Vamos para um exemplo de minha autoria: Ciberguerrilha. No jogo são coletadas peças de robô (torso, braços, pernas e cabeça) e cada peça possui um tipo. Sendo assim, os itens do conjunto possuem duas características: posição da peça e tipo de peça. O melhor possível é você montar um robô com todas as peças necessárias e todas elas serem do mesmo tipo. Um pré-requisito da Coleção funcionar é ter um torso. Afinal, sem isso, não tem nem como o robô “existir”, o torso é a parte que vai servir de conexão com todas as outras. Perceba que já nesse elemento do torso existe algum diferencial no Set Collection, pois geralmente esse tipo de restrição não existe. Então, pode ser um caminho possível para inovação na mecânica. Tudo isso que falei até agora responde a primeira pergunta. Indo para a segunda, nós vamos para a mecânica base do meu jogo. As peças são obtidas com recursos e esses recursos são obtidos por uma mecânica de Push your Luck com dados. Então, talvez um pouco similar ao Splendor, temos aqui mais um Inception da mecânica (uma dentro da outra). Por fim, o que ganho com essas Coleções? Bom, a opção foi a mais simples possível: pontos no final da partida, atrelado ao objetivo final do jogo. Como fiz a distribuição de pontos? Montei um tabelão, que muitas pessoas não entendem de primeira. Basicamente, você vai ver quantas peças seu robô tem (colunas) e quantas dessas são do mesmo tipo (linhas). Isso determina sua pontuação. Finish. Um jogo inteiro com Set Collection sendo um aspecto presente em praticamente todo o jogo.
Um aspecto que não cobri e que pode ser útil são as pontuações do Set Collection. Eu acho elas particularmente bem fáceis de montar, pois já existem alguns casos clássicos. Ciberguerrilha foge um pouco desse padrão, mas para testes iniciais eu recomendo você usar algo mais padrão, como uma progressão Triangular, cada item adiciona 0,5 ao valor de todos, isto é: Conjunto com um item vale 1, com dois vale 3 (1,5+1,5), com três vale 6 (2+2+2), com quatro vale 10 (2,5+2,5+2,5+2,5), etc; ou Quadrática, o valor final usa potência de dois, então: Conjunto com um item vale 1 (2 elevado a 0), com dois vale 2 (2 elevado a 1), com três vale 4 (2 elevado a 2), com quatro vale 8 (dois elevado a 3), etc. Variações podem ser facilmente criadas e incrementos diferenciados podem ser usados, dá para brincar bastante com os números.
E é apenas isso sobre Set Collection. Espero que tenha ajudado.