Lição #45: Contrato Assinado não é Jogo Publicado

Apesar do enunciado ser bem verdadeiro e ser uma Lição por si só, eu gostaria de ir além. Na Lição de hoje vou expor alguns detalhes que você deve levar em consideração antes de assinar um contrato. Ou, pelo menos saber os riscos envolvidos ao assinar um contrato. Então, vamos fazer um apanhado geral sobre contratos.

Confesso que não sou experiente no assunto, até hoje foram apenas dois contratos assinados. Entretanto, comparado com quem ainda não tem nenhum acho que posso oferecer alguns vislumbres da minha realidade que podem ser úteis.

A Lição do enunciado é real. Ao menos considerando as Editoras aqui no Brasil. Não posso dizer que o mesmo ocorre lá fora, pois nesse caso a experiência é realmente nula. Conheço vários Game Designers brasileiros que assinaram com Editoras nacionais e não tiveram seus jogos publicados. Coisa de 2 anos, 3 anos ou até 5 anos. Então, tenha isso em mente: ao assinar um contrato você não está garantindo que seu jogo será publicado. Inclusive, dependendo das cláusulas do seu contrato, é bem possível que você esteja cedendo os direitos do jogo sem ter nenhum retorno durante todo o processo. Situação Win-Win para eles e Lose-Lose para você.

Eu vou começar a falar sobre o que um Contrato de uma Editora deve ter… Claro que “deve” é uma palavra forte. Sendo assim, vou dividir em três categorias: Requisito Mínimo, para aspectos que se não tiverem não vale a assinatura de jeito nenhum; Bom Negócio, para aspectos que você está de fato fazendo um bom negócio; Outro Nível, para os casos que provavelmente não vão acontecer com você (ou comigo), mas se fosse seria excelente. Vamos começar do primeiro e ir seguindo até o último, ok?

Todo Contrato deve ter, como Requisito Mínimo, dizendo que você irá receber algo com as vendas do jogo. Geralmente, o pessoal usa royalties, mas pode ser possível os direitos dos seus jogos serem comprados em uma única tacada. Esse segundo caso é muito mais raro. A variação desses royalties é uma coisa meio louca e, infelizmente, eu não tenho ideia de como funciona o pagamento deles, pois ainda não aconteceu. Sendo que existem duas possíveis variações: uma nos percentuais, que podem ir de 3% até 10%, sendo geralmente 6% ou 7%. E a outra variação é em cima de qual valor será aplicado esse percentual. Essa segunda parte é meu maior problema… Será em cima do MSRP? Isto é, do valor de tabela do jogo? Ou será Wholesale (preço vendido pela Editora com os descontos para lojistas/distribuidoras/etc)? Tudo isso influencia e pesa demais. Infelizmente, eu não sei dizer qual o padrão e estou totalmente nas cegas. Poderia ter perguntado antes de assinar ou solicitar para inserir no contrato? Claro… Mas desde o começo eu sempre assumi que era sobre o MSRP, mas agora li em vários locais que não necessariamente.

Outro Requisito Mínimo muito importante é o retorno dos direitos. Imagina que você assinou um contrato. Lá diz que você cede os direitos do seu jogo para a Editora, mas se não houver uma cláusula de retorno dos direitos você nunca mais terá os direitos do jogo novamente. Isso era muito comum há um tempo atrás e tem vários jogos bem cotados no limbo por conta disso: o autor perdeu o direito e a Editora fechou ou não quer mais saber do jogo ou qualquer outra razão. Ele não pode negociar um novo contrato com outra Editora, pois os direitos estão presos. Então, é importante ter um prazo bem estabelecido. Seja após um tempo sem o jogo ter sido impresso, seja algum tempo após a assinatura do contrato. O que importa é que essa cláusula exista. Claro que ela pode ser melhor ou pior para você, mas o fato dela não existir inviabiliza demais. Imagina só: você assinar um contrato, o jogo não é publicado e ninguém mais poderá publicá-lo.

Passado os Requisitos Mínimos, fica a seu cargo assinar ou não um contrato. Eu, particularmente, assinaria. Não tenho nenhum jogo ainda publicado e quero ter jogos publicados para aumentar visibilidade e melhorar futuros contratos. Entretanto, mesmo cumprindo esses requisitos, nada impede de você tentar melhorar e fazer um Bom Negócio. Afinal, perguntar não deveria ser um problema, né?

Um Bom Negócio envolve você receber uma quantidade interessante de cópias sem custos. Dependendo do valor do jogo este número pode variar bastante. Afinal, se você publicou um jogo que custa 50 reais, é um pouco injusto receber a mesma quantidade de cópias que receberia por um jogo de 200 reais, correto? Ao menos é como eu penso. Eu imagino essas cópias sem custos como: cópia para mim e cópia para revenda. Afinal, Game Designers ganham pouco sim. Especialmente aqui no Brasil que a quantidade de cópias produzidas é bem pequena. Se você tem a oportunidade de receber 100% por alguns dos seus jogos, você está fazendo um excelente negócio. Outro ponto importante aqui é você poder comprar cópias do seu jogo por preço de custo. Dependendo do seu capital, também pode ser uma excelente oportunidade para conseguir mais uma grana além do usual.

Também é importante que, independente de cláusula de retorno dos direitos, seu jogo tenha um tempo máximo para ser publicado. Afinal, se você assinou um contrato que dura 3 anos e não diz um tempo máximo do jogo ser publicado. Ele pode demorar esses 3 anos para sair. Aqui também pode residir algo muito importante: a empresa ter alguma multa caso não publique o jogo nesse tempo. Imagino ser algo difícil de conseguir, pois são as Editoras que preparam o contrato e nunca que elas irão se submeter a multas. Entretanto, tenho observado que é algo realmente importante para pressionar algo a acontecer. Quando eu finalmente tiver meu primeiro jogo publicado, passarei a exigir essa cláusula. Não é como se fosse algo fora do comum ou sem noção. É um garantia que seu tempo não será totalmente perdido. É bem cansativo você ser o elo mais fraco da negociação e, ainda por cima, não ter uma chance para se defender caso seu jogo não seja publicado.

Um outro elemento importante e que acho que nenhuma Editora irá negar, é colocar seu nome na capa do jogo. Entretanto, também é importante ter isso no contrato. Caso contrário, você poderá ser surpreendido com seu nome escondidinho no livro de regras. Aí, você assinou um contrato meia boca para sequer divulgar que você existe? Eu diria até ser um Requisito Mínimo, mas vai de cada um.

Se você conseguiu tudo isso que eu citei, parabéns. Acho que o contrato está bem bom… Obviamente estão faltando uns por menores como licenças para exterior e períodos de pagamento. Entretanto, toda essa parte de pagamentos eu ainda estou bem perdido, não tenho como explorar muito. Apesar de ser provavelmente a parte que mais interessa… Seria ótimo ter uma cláusula com um calendário de pagamentos (bimestral, trimestral, semestral?) e multas por não serem efetuadas nos prazos estabelecidos. O calendário parece ser tranquilo, mas as multas a gente sabe que é difícil. Em todo caso, ainda não tenho a noção do que é praxe ou não.

Para fechar essa postagem, chegou aquele ponto que se você conseguir, você tá muito bem. Acho que o primeiro e mais polêmico para ter um contrato Outro Nível é o adiantamento. Eu acho estranho não existir adiantamento por uma simples razão: os royalties dos Game Designers são bem baixos, porque não dar um percentual antes das vendas? Sendo que aí entra justamente no título: Contrato Assinado não é Jogo Publicado. Logo, a Editora está se protegendo ao não pagar uma adiantamento para você, pois nem ela sabe se vai conseguir publicar seu jogo. Eu acho isso uma irresponsabilidade, falta de compromisso e seriedade. E não menos importante: falta de respeito com o Game Designer em si. Sendo que, infelizmente, parece ser assim que funciona na maioria dos casos. Então, se você conseguir um adiantamento, eu diria que está bem fora da curva. Ele serve como uma espécie de garantia que o jogo irá sair, pois você não irá devolvê-lo caso contrário; serve como indicativo de que a Editora respeita você, pois é muito fácil assinar um contrato e só lhe dever satisfações quando o dinheiro estiver entrando; e também serve como alguma segurança de que a Editora não vai desistir de lançar seu jogo, pois um certo capital já foi investido antes, até mesmo, da Arte.

Por fim, um elemento presente em contratos Outro Nível é o equilíbrio de forças. Isto é, para tudo que você se compromete existe alguma contrapartida para a Editora. Não publicou em X meses/anos? Multa. Publicou, mas não pagou certinho? Multa. Quer fazer uma nova tiragem? Adiantamento e cópias sem custo novas. Quer lançar expansão? Só com permissão ou participação ativa do criador original. E por aí vai.

Texto sem imagens, pois contratos são secretos. Fora que fotos de contratos seriam mais texto só que em fotos… Então, por hoje é só. Boa sorte nas assinaturas.

2 Comments

  1. Flávio Reis
    7 de julho de 2020

    Caramba… Mais uma postagem de grande valor.
    Eu, sinceramente, pretende disponibilizar meu projeto principal totalmente para print and play. Não é um jogo fácil de ser publicado, mas sei que ele tem potencial em comunidades americanas. Então, meu caro, assim que ele estiver vendo mesa com mais segurança, farei algumas gameplays para audiência nas redes. Espero que se popularize assim. Se não for pra ganhar dinheiro -leia, ter retorno para investir em outro projeto – prefiro que seja disponibilizado gratuitamente. Não é minha obsessão ter um jogo publicado por uma editora apenas por orgulho ou vaidade. Aqui no Brasil, tenho certeza de que seria impossível um bom negócio, quiçá de outro nível…
    Parabéns pelo artigo!

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  2. Roberto
    8 de julho de 2020

    Valeu Flávio. Infelizmente, como muitas coisas aqui no Brasil, vários profissionais são tratados como lixo… Um deles é o Game Designer. Por ser o elo mais fraco da negociação (não deveria, mas como o mercado nacional é composto puramente de distribuidoras e não editoras), a gente vira “ninguém”.

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