Continuando a nova coluna sobre Game Designers, resolvi seguir a ordem dos que conheço mais jogos para os que menos conheço. Se você perdeu a primeira parte, saiba que foi o Reiner Knizia, no qual conhecia na época do texto 28 jogos. Agora chegamos no Stefan Feld, que em termos de proporção eu conheço muito mais do que o Knizia. Stefan Feld tem muito menos jogos publicados, mas eu conheço 19 deles. Talvez seja meu interesse pelo autor que me fez ir atrás de tantos títulos.
Todo mundo comenta das famosas saladas de pontos do Stefan Feld. Eu não acho ruim, na verdade me parece ser uma boa maneira de criar jogos. Os jogos são basicamente sistemas de regras que lhe passam a pontuação de tudo e você precisa otimizar seu ganho de pontos. Falando desse jeito, parece ser extremamente sacal. Bom, para algumas pessoas são. Eu, particularmente, gosto das ideias dele. Existem três aspectos que eu gosto nos trabalhos do Stefan Feld:
- Geralmente, seus jogos possuem uma mecânica manjada com algum twist. Eu gosto das tentativas dele com Leilão, uma mecânica que abomino, mas nos jogos do Feld eu acho bem boladas;
- De um bom tempo para cá, o Feld está seguindo uma fórmula. Os jogos em geral são compostos de duas camadas: uma que é a salada de pontos, várias maneiras de pontuar sejam em localidades, ações ou qualquer outro modo e a segunda camada é o modo de seleção de ação. É algo extremamente perceptível, o que pode incomodar algumas pessoas. Entretanto, não me incomoda. É uma receita que me agrada, sempre gosto de ver qual foi a mecânica de seleção de ação que ele bolou a cada jogo. É quase que um estudo sobre Game Design. Serve para dar uma refrescada nas ideias;
- Faz muitos jogos usando dados. Provavelmente é meu estilo predileto de Euro Games… Acho um excelente maneira de casar sorte e habilidade, pois do modo que ele faz o peso pende geralmente para a habilidade. Deste modo, toda rodada existe um quebra-cabeça diferenciado criado por conta da aleatoriedade que você recebeu, mas você precisa de tática e estratégia para fazer tudo funcionar a seu favor.
Então, vamos para um Top 5 do Feld bem diferenciado (tirando o Top 1, que acho que é o mais adoradinho dele).
#5. Bora Bora (2013) Bora Bora tem uma estratégia vencedora. Isso no começo me incomodou, mas depois de refletir deixou de incomodar, pois a estratégia vencedora é algo difícil de ser alcançado. Especialmente se a mesa tiver ciente. Não é como se existisse uma maneira de sempre vencer, pois a sorte está presente no jogo, a ordem de saída dos vários elementos do jogo não é a mesma e existe o caos criado pelos jogadores. Então, em Bora Bora o Feld usou a fórmula dele: salada de pontos + seleção de ação. Aqui, o método de seleção de ação, para mim, é o melhor de todos os seus jogos: alocação de dados com twist do valor alocado definir sua liberdade de escolha (maior melhor), mas que quanto menor o valor também existe bloqueio dos dados futuros. Esse balanço natural funcionou muito bem no jogo, permitindo uma boa interação entre os jogadores nessa parte de seleção de ações. O restante do jogo possui vários elementos agradáveis e, eu diria até, manjados: a velha trilha de ordem de jogador, objetivos no decorrer da partida, um levíssimo controle de área e o tabuleiro pessoal. A arte é bem colorida e bonita, agradando aos olhos. |
#4. Rialto (2013) A priori, Rialto é um jogo que causa estranheza. Ele é um jogo de controle de área, mas que você basicamente só coloca seus marcadores na área durante um momento bem específico da partida. Então, é o tipo de jogo que toda rodada importa. Isso pode ser excelente ou um saco. Acho que em Rialto é mais ou menos acertado. Digo mais ou menos, pois eu nunca consegui entender completamente como jogar bem esse jogo. Então, pode ter um pingo de culpa minha nesse bolo. Entretanto, apesar de nunca tê-lo dominado (e sequer ganhado uma partida, salvo engano) eu gostei das partidas de Rialto. Esse desconforto que o jogo me dá de não ter certeza qual é a melhor jogada, me deixa satisfeito, pois cada partida eu tento uma ou outra coisa diferente. Aqui, o Feld foge um pouco da fórmula. Existe sim algumas maneiras de pontuar, mas o aspecto central do jogo é o controle de área e construção de pontes. Apesar de existirem outras vias de pontuação, não são tantos pontos para que eu classifique como uma salada de pontos. Aqui, o perfil do jogo segue a outra linha do Feld: uma mecânica manjada com um twist interessante. O twist eu já falei, é um controle de área, mas que você não passa vários turnos colocando seus marcadores, movendo-os, etc. É como se fosse um controle de área de um “lance” só. A ideia é um pouco ousada, não deve agradar muita gente, mas eu achei uma boa ideia. Ah, quase esqueço de dizer que a trilha de pontos tem um design gráfico terrível, sendo difícil de acompanhar. |
#3. Oracle of Delphi (2016) Acho que esse é um dos jogos mais diferentes do Stefan Feld, especialmente considerando o quão recente ele é. Oracle of Delphi é uma corrida, acho que nunca tinha visto um jogo de corrida do Feld. Ele é tanto corrida no sentido de chegar em uma linha de chegada, quanto no sentido de ganhar X pontos. Basicamente, você precisa cumprir vários trabalhos (estilo Hércules) e depois voltar para o centro do tabuleiro. Toda rodada você joga alguns dados (oba, dados!) e precisa trabalhar com eles da melhor maneira possível . Eu me diverti muito jogando esse jogo, talvez a baixa expectativa tenha surtido um excelente efeito. E talvez o fator surpresa (um jogo do Feld assim) me deixou mais satisfeito ainda. Minha maior crítica vai para as cores. Em alguns lugares existem símbolos para ajudar, mas em outros não. A vantagem é que o jogo é todo informação aberta, então dá para perguntar aos coleguinhas. |
#2. Strasbourg (2011) Jogo de Leilão como Top 2 de Roberto? Isso é um absurdo! Concordo caro leitor. Entretanto, devo dizer que esse é meu Top 1 Leilão e você talvez se pergunte qual a razão disso. Posso lhe citar uma série de elementos: não é um jogo econômico, não curto esse gerenciamento de grana e ficar contando as migalhas; os lances não são realizados com dinheiro, no jogo usa-se um recurso finito chamado influência que todos os jogadores começam com a mesma quantidade de jamais adquirem mais influência; leilão é de um lance só, isto é, não existem rodadas até todos passarem, é agora ou nunca; a tensão gigante causada pelos leilões, pois muitas vezes ganhar ou perder um deles vai definir se você consegue cumprir ou não um objetivo. O negócio é que Strasbourg pode ser frustrante demais. Então, apesar de gostar muito de diversos elementos do jogo, não era o tipo de jogo que via muita mesa. Eu deixava de botar ele na mesa para poupar o pessoal da jogatina do stress. Tem gente que não aguenta muito bem a frustração, chega no meio da partida já ta querendo ir embora. A punitividade dos leilões não me incomoda, pois, seu baixo desempenho é por conta dos outros jogadores e não por conta do jogo em si. O que me incomoda é quando você é bloqueado sem querer por um oponente, aí sim é chato, pois vira um lance de sorte. Resumindo, gosto muito desse design, mas ele não é bem um passeio no parque. |
#1. The Castles of Burgundy (2011) Eis o queridinho. Talvez o jogo mais adorado do Stefan Feld (emparelhado com Trajan). Já houve uma época que eu não gostava tanto do Castles of Burgundy. Devo ter jogado ele muitas vezes com 4 jogadores. O fato é que Castles of Burgundy é muito melhor com 2 jogadores. Depois de jogar algumas partidas com essa quantidade, virou meu predileto. De longe. Obviamente o jogo é bacana com 3 jogadores também, mas com 4 jogadores eu acho que fica muito lento e existe muita vantagem para os barcos (tanto por conta da ordem do turno, como por conta da venda valer mais pontos). Burgundy tem vários elementos que gosto: dados, possibilidade de mitigar a sorte, tabuleiro pessoal, puzzle tanto na montagem do seu tabuleiro como na hora de usar os dados, combos interessantes sem serem avacalhados, pontos de vitória por vários aspectos diferenciados e aparentemente tudo bem balanceado. Fora um ponto crucial: eu me diverto jogando. Por isso ele é o Top 1, não basta ser excelente mecanicamente, mas é divertido montar o seu reino e ter algo palpável no final da partida. Para fechar com uma reclamação: que componentes ruins. |
Sentiu falta do Trajan? ou do Macao? Não gostei de nenhum dos dois. Trajan eu achei muito solto, é pura otimização sem um objetivo ou guia. É fazer ponto sem contexto. O sistema de Mancala também não me agradou, pois prende o jogador no mundinho dele demais (fora que as cores não ajudam os daltônicos). Já o Macao, era minha maior esperança. Jurava que ia ser o melhor jogo do Feld para mim, mas errei rude. O jogo tem suas estratégias, mas é extremamente tático e punitivo. Duas palavras que não sou fã. A sacada da rosa dos ventos é bacana, mas acho que o jogo por trás dela não desceu legal. Foi daquelas decepções pesadas mesmo.
Uma menção honrosa é o Bruges. Que eu passei muito tempo gostando, mas depois de várias partidas percebi que o jogo era tão balanceado, mas tão balanceado, que não funcionava como jogo… O resultado final da partida parece ser definido pela aleatoriedade de alguém pegar ou não os combos, ser alvo ou não das pragas, resumindo: é definido pelo acaso. Gosto muito do sistema dele de cartas com múltiplos propósitos e também da quantidade gigante de habilidades dos personagens, mas os problemas superam as qualidades.
Para não restarem dúvidas de todos os crimes que cometi nesse Top 5 (ausências ou presenças), segue lista com todos os jogos que já joguei do Stefan Feld até o dia desta postagem (09/11/2018):
Por hoje é só. Desta vez não vou pedir recomendações de jogos do Stefan Feld, pois conheço a maioria e já tenho alguns na minha lista para jogar futuramente. Só falta aparecer a oportunidade. O que gostaria é que vocês deixassem aqui nos comentários o Top 5 de vocês! Obrigado e até a próxima.
9 de novembro de 2018
Show Roberto! Muito legal dividir suas opiniões sobre os jogos desse mestre.
Joguei pouca coisa dele, mas consegui observar um pouco desses padrões dele. Jorvik por exemplo é o jogo-de-butéco dele, onde os jogadores mal conseguem montar algo sem que alguém corte o barato. Bem leve e pra jogar de forma descontraída.
In The Year of The Dragon tem essa parte de punição bem forte (na verdade, acho que é o core do jogo ahha). É bom, mas vc termina com tão pouca coisa que da pena de todos que jogaram.
Tive um Amerigo que durou só uma partida. Apesar de achar ele bem simpático, a troca de dados/baralho por uma torre de cubos não se paga. Além disso tinha acabado de conhecer o Castles of Burgundy, então não fez muito sentido manter Amerigo sabendo que posso ter algo melhor com metade do tamanho (caixa e mesa). Mas vou te falar que curto o sistema de construção que rola no board principal do Amerigo.
Luna joguei apenas uma partida, achei esquisito (sem saber dizer muito o porque). Talvez seja um pouco reto, sem algo aleatório acontecendo pra temperar a parte tática.
9 de novembro de 2018
Fala Cássio,
Jorvik é muito dedo no olho mesmo… Mas não acho que seja de buteco. Gosto dele e da dinâmica de leilão usada.
In the Year eu ainda não joguei, realmente a característica marcante dele são as pauladas na cabeça… Não sou lá muito fã disso, mas falam tão bem dele que sou curioso para conhecer.
Amerigo eu achei ele meio manjadão, o jogo joga você com aquele esquema da Torre. É raro um jogador escolher algo diferente dos demais. Isso pra mim soa como algo scriptado/forçado pela Torre. Sim, a parte de construir as coisas é a mais legal, mas aí temos outros jogos Euros com essa mesma pegada e mais bacanas (do Uwe por exemplo).
Luna eu tive o mesmo sentimento, mas tenho interesse em jogar outra partida para solidificar a opinião.
2 de dezembro de 2018
Parabéns também pelo texto. Só fica o reforço que senti falta de comentário sobre o Luna, meu favorito, mesmo que sejam críticas. Aliás, adoro ler críticas bem fundamentadas. É muito mais fácil elogiar um jogão do que apontar aspectos que podem desagradar os jogadores.
2 de dezembro de 2018
Obrigado, SidoS. Não sei se você conhece o blog, mas talvez goste da parte do Desafio 100N, que falo minhas primeiras impressões de jogos.
Sobre o Luna, admito que não consegui captar tudo que o jogo pode oferecer e por isso quero jogar novamente. Foi a última partida de um dia todo de jogatinas no Spa dos Jogos hehehehe Então, meu cérebro já tava derretido e não deu para usufruir o máximo possível.
Acredito que em breve jogo uma segunda partida, pois um amigo meu tá com ele na fila para jogá-lo. Então, é só uma questão de chegar o momento. Se eu me lembrar (provavelmente irei), boto um novo comentário por aqui. ;D
9 de novembro de 2018
Belo texto! Sempre é bom ver alguém falando sobre os jogos do Feld (muito a se falar). Eu posso dizer que já fui um “grande” fã e hoje “só respeito. Castles of Burgundy ja foi meu TOP1 ever, durante muito tempo mas foi desbancado pelo Through the Ages, mas ainda é um baita jogo, certamente o jogo que tive mais partidas (maioria no Yucata).
Sobre o BoraBora tive uma relação complicada com ele. Fui com muito hype e quando recebi ainda veio com a caixa do jogo danificada. O fato é que: hoje eu desgosto. Acho ele muito pesado e aquele “controle de área” pra mim é muito bizarro: “quem chega por último vai levar a região”, isso pra mim é muito WTF. Sem contar o mar de AP, a dificuldade pra corrigir uma jogada errada e o sentimento de vários mini-jogos distintos (apesar de conectados) dentro do jogo. Em fim, minha decepção.
Luna joguei bastante 1×1. Ele é realmente bizarro: a falta de aleatoriedade, jogadores não fazerem draft de nada e worker placement sem “bloquear ação ou falta de recurso”, gera um sentimento ruim de puzzle matemático disfarçado de jogo. Ainda assim, diverte.
Um jogo que tenho, joguei pouco e gosto bastante é Aquasphere, mas meu deus, que jogo difícil de explicar (apesar de muito simples depois). Aaahuahua
9 de novembro de 2018
Opa Israel, obrigado pelo comentário!
Acho que tem acontecido o mesmo comigo (ser fã e depois ir diminuindo um pouco as expectativas). Deve ser um ciclo normal, especialmente quando o Game Designer faz jogos usando fórmulas e sem sair muito da zona de conforto. Vai ver a relação “esfria” hehehehe
Eu até simpatizei com o AquaSphere, mas acho que a explicação dificultou um pouco curtir a partida. Também é um que tenho interesse em jogar mais vezes.
Abraço.
17 de fevereiro de 2020
Acredito que esse seja meu designer número 1!
Estou refazendo meu ranking de melhores jogos, e mesmo tendo a certeza que nenhum jogo dele vai ser meu top 1, pelo conjunto dos que eu já joguei, foi o designer que teve mais jogos que me agradaram.
Uma coisa acho que todo mundo concorda, os jogos dele são feios que doem, mas não tira o seu brilho.
Vamos aos jogos…
Já joguei Jorvik, e para mim é um dos jogos mais injustiçado que existe, ele não é top da galáxia, mas é um jogo muito bom e gostoso de jogar. Assim como você falou de blood rage, para quem já conhece o jogo leva uma certa vantagem, pois ele sabe quais cartas ainda iram vir, não acho que isso seja um ponto negativo, como você diz, mas sim que leva a você conhecer melhor o jogo para se preparar para a próxima vez que for jogar, ou seja, ele tem curva de aprendizado.
In The Year of The Dragon foi um jogo que eu não gostei muito, você sofre o jogo todinho. Vejo que muitas pessoas indolatram ele, mas eu só achei ok.
The Castle of Burgundy para mim é o melhor dele que joguei até hoje. Jogo muito bom, com certeza estará no meu top 10.
The Castle of burgundy dice game, joguei esse primeiro que o tradicional e já gostei bastante.
Tenho ainda o Trajan e o Aquasphere, mas ainda não consegui colocá-los na mesa. Tenho uma expectativa muito grande no Trajan.
Quero muito conhecer Luna e Bora Bora.
17 de fevereiro de 2020
O problema dos jogos serem feios nem é culpa do coitado… É da Editora mesmo. Mas é realmente recorrente, talvez por ele ter muito jogo com a Alea. O Bruges, por exemplo, é bonitão.
Concordo contigo, não é o tipo de designer que vai fazer um jogo que é material de Top #1, mas os jogos deles costumam ser sólidos. Se o cara curtir o estilo, vai ter uma boa experiência com a maioria.
Sim, acho o Jorvik legal, seria o meu Top 6 (a galeria que boto no final é ordenada pelo rank também). O negócio é que enjoei mesmo.
Sou curioso com o In the Year, muito pelo que falam, mas é como tu falou… Pode ser um “hype” ilusório.
Burgundy parece ser unanimidade… As vezes Trajan ou Macao passam ele, mas no geral é o favorito das pessoas. Não gostei nem do Card nem do Dice. Acho que Burgundy é pra ser jogado de duas pessoas (talvez 3) e o original hehehe
17 de fevereiro de 2020
Imaginei que a galeria fosse a sua ordem de preferência, gostei de ver Jorvik em 6 e me assustei ver trajan em último pelo que falam.
Mas me amarro na sala de pontos do Feld.
Burgundy até hj só joguei de 2, ele é um jg demorado para se jogar de mesa cheia.
In the year é bom, mas sofrível.