Lição #37: Pense no daltonismo

Daltonismo afeta quase 5% da população mundial. Partindo deste princípio, um a cada vinte jogadores podem ser daltônicos. Isso é uma grande parcela do publico. Eu sou daltônico e percebo que muitas vezes esse fator é ignorado na criação dos seus jogos. Entendo que esse puxão de orelha não é único e exclusivamente para os Game Designers, mas também para as Editoras. Então, a Lição vale para ambos. Hoje, vou falar das maiores dificuldades que eu tenho com cores e como contorná-las em seus jogos.

Antes de começar, é importante você saber que existem três tipos de daltônicos: Deuteranopia, Protanopia, Tritanopia. Eu sou do primeiro tipo. Então, essa postagem será enviesada para as minhas experiências. A vantagem é que a Deuteranopia é a mais comum e está presente em mais da metade dos casos de daltonismo.

Recentemente, joguei Yamataï. Esse jogo me lembrou que eu precisava escrever algo sobre daltonismo aqui no PinheiroBG. Em Yamataï, você tem as 4 cores dos jogadores e outras 5 cores de barcos, que são usados por todos os jogadores. Para completar, as cores dos barcos são referenciadas em partes impressas do jogo, isso dificulta ainda mais, pois não basta precisarmos identificar as cores nos componentes de madeira, precisamos também perceber diferentes tonalidades da mesma cor em material impresso. O verde da madeira é bem claro, enquanto que no impresso é mais escuro; o preto na madeira é bem escuro, enquanto que no impresso é quase cinza. Yamataï é o típico exemplo de falha completa em utilizar cores em um jogo. Então, vamos aprender com os erros da Days of Wonder.

  1. Se for utilizar cores diferentes em tipos diferentes de componentes, aproveite essa oportunidade para “unir” cores que não confundam. Os barcos são em 5 cores: amarelo, verde, marrom, vermelho e preto. Eu confundo o amarelo com o verde e o marrom com o vermelho. As cores do jogador são 4: laranja, cinza, azul e roxo. Eu confundo o azul e o cinza. Uma simples solução seria tirar o amarelo e o marrom das cores dos barcos e trocar por duas dos jogadores. Assim, ficaríamos com uma combinação, mais ou menos, assim: barcos (verde, vermelho, preto, roxo e cinza) e jogadores (laranja, amarelo, marrom, azul). A confusão das peças de madeira, ao menos para mim, estaria resolvida.
  2. Em jogos com tantas cores, não use referencias de tonalidades diferentes nos impressos. É notável a diferença de certas cores no impresso e no componente de madeira. Sinceramente, não sei como resolver isso, talvez fazendo impressões de teste e comparando com os componentes de madeira pintados? Esse é o pior tipo, pois peças de madeira nós podemos deitá-las para diferenciar, mas o que fazer com impressos? Uma opção seria riscar o jogo inteiro com pontinhos e símbolos, mas eu como sempre estou rotacionando a coleção por trocas ou vendas, iria ficar com jogos encalhados.

Existem inúmeros outros jogos com problemas. Especialmente os Euros, pois eles costumam utilizar componentes de mesmo formato, mudando apenas as cores. Um caso interessante é do Speicherstadt, jogo do Stefan Feld. Speicherstadt tem 5 cores de jogadores e 5 cores de recursos. Eles conseguiram 10 cores diferentes, mas tiveram problemas similares aos do Yamataï. As cores dos jogadores são madeira (sem pintura), azul, roxo, laranja e preto. Enquanto que as cores dos recursos são vermelho, marrom, verde, branco e amarelo. Não existe confusão entre as cores dos jogadores, mas existe entre os recursos. Que poderia ser facilmente remediável trocando algumas cores. Para completar, também existem referências as cores nas cartas. Sendo que nesse ponto eles fizeram um bem aos daltônicos: em vez de colocar os cubos coloridos, eles colocaram o desenho do recurso. Isso pode causar uma impacto negativo à priori, pois as cores nem sempre casam tão bem com o componente de madeira, mas para mim foi melhor do que a cor sólida.

O motivo do caso do Speicherstadt ser interessante, é que ele foi relançado como Jórvík recentemente. Por incrível que pareça, a nova versão do jogo possui mais cores (são 8 recursos em vez de 5) e conseguiram fazê-lo sem gerar problemas. Acredito que foi feito algum estudo de cores para melhorar a situação. Primeiro, foi evitar as cores similares juntas. No jogo existe vermelho e marrom, mas ambos em componentes de tipos diferentes; o mesmo para o verde e laranja. Apesar de terem usado rosa e cinza no mesmo componente, não houve confusão de minha parte, pois o rosa é daqueles bem fortes, ao contrário dos bem clarinhos normalmente vistos. Eles também optaram por não se preocupar tanto em repetir cores. Então, temos recurso e jogador brancos; assim como recurso e jogador azuis (apesar do tom ser diferente).

Nomeei todas as cores do Jórvík sem grandes problemas. Cometi um erro (chamando recurso Laranja de Verde), mas que foi irrelevante para diferenciar as cores.

Assim como sua versão antiga, o jogo também coloca a figura do recurso na carta, em vez de apenas um cubo. Entretanto, agora o trabalho foi melhor realizado, pois também existe a cor sólida do recurso. Deste modo, facilita para todo mundo: daltônicos ou não.

Vamos pegar mais um exemplo: Magic Maze. Com esse jogo eu fiquei, realmente, extremamente chateado com esse problema de cores. Uma coisa é você lidar com cores em um Eurogames, pois a maioria das informações são abertas e você pode ficar perguntando sem tanto problema. Agora, um jogo em tempo real ter problema com cores é cruel. Mais cruel ainda quando as regras convencionais do jogo não permitem você falar durante boa parte da partida. Essa dificuldade inviabilizou completamente o jogo ser jogado conforme planejado. O pior é que o jogo utiliza apenas 4 cores, escolheram usar amarelo, verde clarinho e um vermelho próximo ao laranja. Uma falha dessas transmite uma completa falta de pesquisa em um aspecto tão presente e conversado na comunidade de jogos de tabuleiro.

Talvez vendo a imagem você até diga: mas Roberto eles colocaram símbolos nos personagens. Na boa? Isso só piora a situação. Eles pensaram em botar símbolos, mas não pensaram em usar cores diferentes? Os símbolos são pequenos e próximos, as referências nos tiles são minusculas. Eu joguei três partidas de Magic Maze, apenas para confirmar que é inviável jogar esse jogo direito sendo daltônico. O que custava colocar os pinos com cores mais fáceis? Preto, amarelo, azul e vermelho? Não precisaria nem dos símbolos.

Então, qual a Lição que fica? Se seu jogo utiliza poucas cores, não invente cores. Use as clássicas: azul, vermelho, amarelo e verde. Desde que o verde não seja claro, nem o vermelho alaranjado, você estará bem. Quer ter certeza de não errar? Use branco e preto no seu conjunto de cores. Isso aumenta seu leque de possibilidades sem dificuldades. Caso seu jogo precise de inúmeras cores diferentes, faça um esforço e analise bem a combinação de cores que vai utilizar. Teste em um simulador. O tom é sempre muito importante, às vezes mais importante até do que a própria cor. E por fim, evite as seguintes combinações em componentes do mesmo formato:

  • Vermelho e verde escuro
  • Azul escuro, roxo e preto
  • Amarelo e verde limão
  • Verde e laranja
  • Marrom e vermelho
  • Laranja e vermelho
  • Cinza e rosa claro

Obrigado por ler essa postagem até o final. Se pelo menos um jogo mudar suas cores para algo melhor por conta desta postagem, já é um avanço para que os jogos sejam mais amigáveis aos daltônicos. Abraço.

8 Comments

  1. Germano
    15 de junho de 2018

    Bom texto. As vezes não custa nada colocar um símbolo além da cor. Só não pode ser minúsculo como no magic maze.
    Eu já sabia que afetava 10% da população, mas nunca tinha jogado com um, até q esse ano joguei 7 wonders com um daltonico do vermelho (raro). Como varias cartas tem efeitos dependendo da cor ele teve dificuldade pra diferenciar as cartas roxas e azuis.

    Responder
    1. Roberto
      16 de junho de 2018

      Sim, eu tenho dificuldade no 7 Wonders também, especialmente nas cartas de Objetivo (acho que chama Guildas), pois tem marrom e vermelho, fora o azul e roxo. No caso desse jogo, um símbolo resolveria facilmente.

      Responder
  2. MATHEUS ULISSES XENOFONTE
    16 de junho de 2018

    Muito boa postagem, eu já tinha ouvido falar do problema, mas é a primeira vez que vejo alguém mostrar uma solução.

    Responder
    1. Roberto
      16 de junho de 2018

      Valeu Matheus! =)

      Responder
  3. Henrique
    18 de junho de 2018

    Mais uma vez, excelente artigo! Confesso que nunca tinha parado pra pensar no assunto, mas com certeza será considerado daqui pra frente.

    Responder
    1. Roberto
      19 de junho de 2018

      Obrigado, Henrique! Excelente saber que o artigo influenciará em suas decisões futuras. =)

      Responder
  4. Lair Amaro
    13 de agosto de 2018

    Meu amigo, retematizei o jogo “Beasty Bar” para a Era Vargas, pois o usarei em sala de aula. O jogo usa quatro cores. Mas eu não conheço daltônicos e ignoro se meus alunos são.

    Teria como te mostrar as cartas e você me dizer se está correto?

    Responder
    1. Roberto
      13 de agosto de 2018

      Pode sim, envia para meu e-mail (roberto@pinheirobg.com) ou me envia um link.
      Em todo caso, a recomendação que dou (como são cartas) é colocar um símbolo diferente para cada cor. Assim, você evita qualquer problema com daltonismo.

      Responder

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